Seguimos com Bauman. Na última resenha, falamos sobre a globalização, suas consequências, e as relações entre a localidade e a globalidade dentro dos fenômenos sociológicos dos tempos atuais. E apesar de reconhecermos os tempos atuais como pós-modernos e do fato de Bauman explorar esse tema à exaustão em outras obras, ainda não existe uma edição brasileira de sua obra “Intimations of Postmodernity”.
Neste livro, o autor aborda vários temas, tanto a relação Legislação/Interpretação (Como também é feito no livro sobre globalização) quanto um capítulo intitulado “Comunismo: Um postmortem”. Mas o foco principal é a sociologia na pós-modernidade: existe? O que a caracteriza?
Na introdução, intitulada “O ‘re-encantamento’ do mundo, ou, como alguém poderia narrar a pós-modernidade?” (Talvez, aprofundando a partir do conceito do que Weber chamou de ‘desencantamento do mundo’), Bauman fala sobre a dificuldade em definir a pós-modernidade:
Pós-modernidade significa muitas coisas diferentes para muitas pessoas diferentes. Pode significar […] um trabalho imaginativo que desafia a diferença entre pintura e escultura […] Pode significar uma vida que parece com um seriado de TV […] Pode significar a velocidade com que as coisas mudam e a velocidade com que nossas sensações sucedem umas às outras sem ter tempo para ‘solidifcar’ em ‘coisas’ [ossify into things, no original]. Significa a atenção focada em todas as direções de uma vez só de forma que não se pode parar em nada por muito tempo e nada recebe um olhar realmente cuidadoso. A pós-modernidade é isso e muitas outras coisas. [1]
Apesar de todas essas definições difusas, elas podem ser resumidas no conceito de “estado mental”, de “modo de pensar”. Dessa forma, esse período histórico pode ser tratado como um estado mental marcado pela destrutividade. Uma destrutividade crítica, que não propõe novos paradigmas ou perspectivas; Uma crítica científica pela metade, já que não é cética nem clara nos objetivos de suas desconstruções (quando os mesmos existem).
Segundo Bauman, o pós-modernismo é “esconder-se do medo” e a modernidade, ao contrário da liquidez atual, era sólida – e nesse sentido não há uma avaliação valorativa, meramente uma diferenciação -:
Trazemos das sombras o aviso sinistro de Dostoyevski: Se não existe um Deus, tudo é permitido. Como somos cientistas sociais, também fomos treinados nas premonições não menos sinistras de Durkheim: Se o ímpeto normativo de uma sociedade afrouxa-se, a ordem moral irá entrar em colapso. […] Os perigos relacionados à pós-modernidade são muito familares: Eles são, como pode-se dizer, modernos por natureza, Agora, como antes, eles nascem daquele horror vacui da modernidade. […] O pecado da pós-modernidade é para abandonar o esforço e negar a crença, esse ato duplo passa a parecer um pecado uma vez que se lembre que abandonar o esforço e negar a crença não podem, por si só, neutralizar a força do ‘horror vacui’. [2]
Esse estado gerou um novo campo de pesquisa na sociologia: a pesquisa sobre os desdobramentos do pós-modernismo. “Se a sociologia significa o que o conceito atual implica: uma reforma da cultura, da percepção do mundo, da posição intelectual – então a sociologia deve encarar a tarefa de um ajuste estratégico essencial. Ela deve fazer-se ressoar com a nova cultura pós-moderna, e quebrar suas ligações com as premissas ontológicas e epistemológicas da moderna. Deve transformar-se numa sociologia pós-moderna” [3] .
Bauman considera a arte como o principal paradigma da pós-modernidade exatamente pelo fato de as representações artísticas serem feitas para subverter a ordem, ou pelo menos a organização. A arte contemporânea é propositalmente abstrata, às vezes quase vaga, às vezes sem método. Esse paradigma está incluso na principal superestrutura do fenômeno: a cultura apresenta os mesmos atributos: pluralismo, a falta de uma autoridade universal (a liquidez descentraliza o poder, como mostrado na resenha sobre globalização), polivalência interpretativa.
No fim das contas, o pós-modernismo amplifica o conflito entre a estrutura rígida do modernismo e seus sistemas pré-concebidos e o total relativismo da atualidade. De moldes incertos assim nasceram grandes revoluções na matemática (infinitesimais) e as revoluções que lançaram as bases da física moderna. Seria a vez de uma revolução nos métodos e interpretações na sociologia?
Em suma, esta obra de Bauman, apesar de relativamente atual, serve como preâmbulo para suas outras obras, por isso o caráter de introdução que de discussão da obra. Apesar disso, é recomendável mesmo para leitores mais experientes em Bauman por expor com maior clareza os pensamentos do autor sobre a relação exposta nessa resenha e outros temas.
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Referências
BAUMAN, Zygmunt (1992), Intimations of Postmodernity. London: Routledge.
[1] BAUMAN, 1992, p. vii (Introdução). (Voltar ao texto)
[2] BAUMAN, 1992, p. xvii (Introdução). (Voltar ao texto)
[3] BAUMAN, 1992, p. 26. (Voltar ao texto)