Da série “Janta Filosófica“.
Na Janta Filosófica de número 34, falamos a respeito do filme Não Olhe Para Cima, de Adam McKay. Comentamos acerca do realismo capitalista em ser mais provável pensar no fim do mundo do que no simples fim do sistema capitalista. O filme é uma ótima demonstração do funcionamento desta ideologia, entendendo a formação social capitalista como única e natural.
O vídeo:
O áudio:
Veja a transcrição do início da live abaixo:
Gostaria de pensar o filme a partir do livro de Mark Fisher, Realismo Capitalista: é Mais Fácil Imaginar o fim do Mundo do que o fim do Capitalismo?. Há uma rondologia, um movimento circular infiltrado na cultura popular, na maneira de pensar o mundo, em que se torna impossível pensar o futuro de um jeito diferente. Talvez uma forma de hegemonia, como descrita por Gramsci, em que o princípio do debate é o estabelecido, desta forma, é possível rearranjar as peças em jogo, mas não pensar o próprio funcionamento do jogo.
Não olhe para cima, em que uma certa ganância somada a uma certa ignorância, nos expõe o fim do mundo a partir do choque de um cometa com a terra;
Invasão Zumbi, da Coreia do sul, exibe a completa destruição do país a partir de uns poucos sobreviventes;
Os filmes no modelo de Resident Evil em geral, enfim.
Posso até ir mais para o passado, com Waterworld ou os filmes do exterminador do futuro.
No fundo, é mais fácil pensar na catástrofe global que no fim do capitalismo.
No fundo, a vida do sistema econômico dependeria de sua própria natureza, desta forma, seu fim só pode acontecer com o próprio fim da vida em sociedade, na medida em que a sociedade dependeria da existência de alguma forma de economia para existir. A história morre e o presente se torna eterno.
Num presente eterno, os males da humanidade são o aquecimento global, a fome enquanto problema abstrato, a repressão enquanto problema abstrato, mas não o sistema econômico que dá condições práticas para a existência das indústrias como as conhecemos, ou que dá condição para a má distribuição de alimentos pelo globo, da maneira como a entendemos hoje, ou, em última instância, que dá condições para o próprio entendimento que temos acerca da liberdade que é, desde seu princípio, desvantajoso para o trabalhador ou para a trabalhadora comum: daquela que torna vantajoso a informalidade ou que faz da informalidade, da exploração do trabalho, algo natural da maneira como ocorre.
Isso não tem nada a ver com um sentido do filme. Tem muito mais a ver com as formações ideológicas que funcionam para o nascimento do filme, que expõem, no vocabulário de Michel Pêcheux, as características da maneira de se apropriar um objeto solto no interdiscurso, solto nos entremeios das formações discursivas, e dá-lo um corpo ideológico, que possa fazer sentido.
Assim, entendo aqui a ideologia como aquilo que existe como condição para a própria existência do sujeito, na medida em que é a ideologia que interpela os indivíduos em sujeitos.
Sobre o filme, entendo que a dupla de apresentadores daquele programa que é a cara dos programas da tarde da RedeTV, em que há descontração, informação, fofoca, piada, sempre num nível de conforto de uma conversa entre amigos e amigas, aquela dupla é sensacional. O entendimento que o mundo vai morrer só acontece no fim, quando não há mais o que ser feito. O entendimento de que o mundo vai acabar só se dá após um longo trajeto, uma caminhada bem longa de cinismo. Os personagens me parece que se fazem num movimento de cinismo. A tragédia pode ser pensada em termos adequados para manter a audiência feliz num papo leve? Qual é o ponto positivo que pode ser exibido para uma massa de espectadores que, a todo instante, precisam ser fisgados e mantidos de olho na televisão. Neste ponto, me importam, os personagens, menos enquanto simulação de gente e mais enquanto circulação de signos, enquanto material para ser analisado em sua produção, não no mundo ideal do próprio filme. O cinismo tem uma relação próxima, colada ao professor Leonardo di Caprio, que se tornou responsável pela descoberta, apesar de não ter sido ele o descobridor. O cinismo abraça a fragilidade, a transforma em força e mérito. É aqui que a autenticidade entra como elemento central para me permitir o uso desse trio de personagens para montar essa metáfora do antiintelectualismo, anticientificismo, em que o cinismo abraça a fragilidade e a transforma em algo que ela realmente não é: em resposta.
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