Da série “Janta Filosófica“.
Em nossa 56ª Janta Filosófica, falamos sobre as condições de trabalho dos funcionários da Amazon que, ao redor do mundo, se unem para resistir à exploração perpetrada pela big tech. Continuamos, nesta live, nossa série de vídeos sobre o precariado.
O vídeo:
O áudio:
Veja a transcrição do início da live abaixo:
Em outubro de 2019 já haviam denúncias contra a Amazon. As denúncias vão de maus tratos a condições ruins de trabalho, além da falta de proteção e benefícios adequados no local de trabalho. No entanto, por esses parceiros serem contratados e não propriedade da Amazon, a empresa negou responsabilidade.
A empresa chegou a elaborar uma carta de resposta, em que alega inspecionar regularmente seus contratados em busca de violações da segurança do trabalho e fornece a esses funcionários uma “rede segura” para reclamações. Ou seja, um SAC. A empresa também negou impedir que os funcionários se sindicalizassem.
Dois anos depois, em 2021, a luta trabalhista continua nos EUA e, desta vez, a denúncia passa a ser um pouco maior: Quase 6.000 trabalhadores de um depósito de distribuição da Amazon em Bessemer (Alabama) receberam pressão da empresa por semanas para que desistissem do revolucionário empenho de formar um sindicato.
E esta necessidade nasce de condições materiais draconianas, ameaças e até demissões dos que se atreveram a levantar a cabeça acima da multidão. Toda esta situação colocou os holofotes sobre o gigante tecnológico, o segundo maior empregador dos EUA — com 40.000 trabalhadores somente em depósitos e pontos de entrega —, cujos lucros dispararam graças à pandemia.
Ainda que as grandes tecnológicas sejam um espaço difícil à atividade sindical, por sua cultura do trabalho individualista e o férreo silêncio corporativo, em janeiro de 2021 trabalhadores do Google deram um passo à frente e se organizaram no primeiro sindicato do ramo. Após um ano de reuniões secretas, 225 engenheiros da Alphabet Inc, a empresa matriz do Google, formaram um sindicato que pretende lutar pela igualdade de trabalho e a observância de princípios éticos no modelo de negócio. A formação é consequência direta de protestos sem precedentes dentro da empresa.
A diferença fundamental entre a ação pioneira do Google e a luta dos funcionários da Amazon está na qualificação deles; na distância sideral entre os trabalhadores de colarinho branco do Google e os de macacão azul: os funcionários de depósito, carregadores e empacotadores dos centros logísticos. A do Alabama é a maior tentativa sindical na empresa desde sua fundação em 1995; após ter silenciado iniciativas semelhantes em sua rede de supermercados Whole Foods; por isso o medo de que provoque uma reação em cadeia.
Segundo o que noticiou o Gizmododos Estados Unidos, com rumores que os trabalhadores da Whole Foods — cadeia de supermercados comprada em 2017 pela Amazon por US$ 13,7 bilhões — estavam se organizando, um vídeo de treinamento com 45 minutos de explicações sobre como desestimular a organização sindical dos funcionários foi enviado pela Amazon aos líderes de equipe da cadeia de supermercados.
Os vídeos possuem seis diferentes seções, onde o narrador declara que as técnicas ensinadas visam “fornecer as ferramentas necessárias para o sucesso quando se trata de organização de trabalho”. Ainda há a frase “nós não somos anti-sindicais, mas também não somos neutros”, que mais tarde é complementada com mais detalhes sobre essa não-neutralidade (ênfase exposta pelo Gizmodo):
“Nós não acreditamos que os sindicatos sejam o melhor para os interesses dos nossos clientes, acionistas ou, o mais importante, para nossos associados. Nosso modelo de negócios baseia-se em velocidade, inovação e obsessão do cliente — coisas que geralmente não estão associadas aos sindicatos. Quando perdemos de vista essas áreas de foco críticas, colocamos em risco a segurança do trabalho de todos: a sua, a minha e a dos associados”, diz o material.
Durante os 45 minutos do vídeo, a Amazon informa que prefere optar por uma estrutura de “gerenciamento direto” na qual os funcionários apresentam suas queixas aos seus superiores imediatos, cabendo a eles a resolução dos conflitos. Na prática, essa técnica faz com que a voz dos trabalhadores seja mais facilmente calada, se assim desejar a administração de Bezos. Em julho, a Amazon desligou cerca de 1.800 funcionários de um centro de distribuição espanhol durante uma onda de protestos em centrais da empresa localizadas em países europeus. A medida foi encarada como retaliação: “A mensagem é clara — enquanto a gigante online fica rica, está economizando dinheiro na saúde de seus trabalhadores”, disse Stefanie Nutzenberger, porta-voz de um sindicato alemão.
Voltemos agora à Amazon, Para o presidente do Sindicato do Varejo, Atacado e Lojas de Departamento, Stuart Appelbaum, a reação e resistência da Amazon “não faz o menor sentido”. Em entrevista ao Brasil de Fato, o representante explica: “Se Jeff Bezos desse a cada um de seus funcionários um bônus de 105 mil dólares, ele ainda seria mais rico do que era no começo da pandemia. O que isso me diz é que Bezos e a Amazon claramente poderiam fazer mais por seus funcionários, mas escolheram não fazer”.
No ano passado, apenas 10,8% da população economicamente ativa nos Estados Unidos é sindicalizada. A parcela dos trabalhadores que pertenciam a uma alguma organização trabalhista em 1983 era mais do que o dobro da atual e, em 1950, 35% da mão de obra era sindicalizada.
Diversos fatores explicam o declínio desse movimento em solo estadunidense, mas para o professor de História Nelson Lichtenstein, autor do livro “State of The Union” e diretor do Centro de Estudo do Trabalho, Mão de Obra e Democracia, a grande virada aconteceu sob a gestão de Ronald Reagan, que comandou o país entre 1981 e 1989.
“Em 1981, Reagan acabou com a greve dos controladores de tráfego aéreo, que eram muito qualificados e conservadores. Isso enviou uma mensagem de ‘carta branca’ a políticos e executivos, que entenderam que poderiam fazer o que quisessem”, diz.
Ele também complementa com uma explicação histórica do fenômeno do sindicalismo nos EUA. Segundo o autor:
“Por muito tempo os sindicatos foram aliados de posturas conservadoras. Inclusive, no golpe de 1964, no Brasil, o movimento trabalhista americano estava envolvido com a CIA para apoiar o que aconteceu. Sindicatos também já levantaram bandeiras anticomunistas, contra igualdade de gênero e etc”, e finaliza, “hoje essas organizações, nos Estados Unidos, são mais associadas à esquerda, se alinhando ao que a gente percebe em países latino-americanos, por exemplo”.
Tudo bem, temos este histórico, mas o presente já caminha para outro lado, Os trabalhadores do armazém da Amazon em Albany no estado de Nova Iorque, nos EUA, deram início a uma petição para a formação de um sindicato, conta The Verge. O Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB) tem agora de verificar se esta petição conta com mais de 30% de trabalhadores que tenham votado a favor. Só depois é que as condições estarão reunidas para criar uma eleição formal. A Amazon tem mostrado alguma resistência à formação destas organizações trabalhistas mas, em comunicado, nota que “os trabalhadores têm a escolha de formarem ou não um sindicato”. E, de maneira oculta, a Amazon tem a escolha de demiti-los ou não. Lide com essa liberdade.
Na Inglaterra, a mesma liberdade é colocada à disposição dos grevistas trabalhadores da Amazon. Em Tillbury (um subúrbio de Essex, no leste da Inglaterra), Mais de 700 trabalhadores de um armazém da Amazon saíram à rua em agosto para lutar pelo aumento salarial, segundo a Reuters.
Por fim, a Amazon entrou na lista Dirty Dozen. Isso pois No armazém de Bessemer, no Alabama, já dito aqui, já morreram 6 pessoas na sequência de acidentes de trabalho.
Segundo se pode ler na lista, a empresa apresenta ainda uma taxa de lesões de mais do dobro da média da indústria.
No rol de histórias, o National COSH destaca um homem que morreu por ser obrigado a ir trabalhar doente. O ritmo de trabalho elevado e a tensão geral são também fatores que têm vindo a contribuir para as lesões.
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