Jean Baudrillard: pós-modernismo, simulacros e biografia

Índice

Introdução

Jean Baudrillard
Jean Baudrillard.

Associado às teorias pós-modernas e pós-estruturalistas, Jean Baudrillard (1929–2007) é difícil de situar em relação à filosofia tradicional e contemporânea. Sua obra combina filosofia, teoria social e uma metafísica cultural idiossincrática que reflete sobre eventos e fenômenos centrais da época. Crítico incisivo da sociedade, da cultura e do pensamento contemporâneos, Baudrillard é frequentemente visto como um dos principais gurus da teoria pós-moderna francesa, embora também possa ser lido como um pensador que articula crítica social e cultural de formas originais e provocativas, além de ser um escritor que desenvolveu seu próprio estilo e formas de escrita.

Foi um autor extremamente prolífico, tendo publicado mais de cinquenta livros e comentado sobre alguns dos fenômenos culturais e sociológicos mais relevantes da era contemporânea, incluindo o apagamento das distinções de gênero, raça e classe que estruturavam as sociedades modernas, em favor de uma nova sociedade pós-moderna de consumo, mídia e alta tecnologia; os papéis em mutação da arte e da estética; mudanças fundamentais na política, na cultura e nos próprios seres humanos; e o impacto das novas mídias, da informação e das tecnologias cibernéticas na criação de uma ordem social qualitativamente diferente, provocando mutações fundamentais na vida humana e social.

Durante alguns anos, foi uma figura cultuada da teoria pós-moderna, mas Baudrillard superou o discurso pós-moderno desde o início dos anos 1980 até sua morte em 2007, desenvolvendo em seus escritos mais tardios um modo altamente idiossincrático de análise filosófica e cultural. Esta entrada foca no desenvolvimento dos modos únicos de pensamento de Baudrillard e em como ele transitou da teoria social para a teoria pós-moderna até chegar a um tipo provocativo de análise filosófica.

Em retrospecto, Baudrillard pode ser visto como um teórico que traçou, de maneira original, a vida dos signos e o impacto da tecnologia na vida social, além de ter criticado sistematicamente os principais modos de pensamento moderno, ao mesmo tempo em que desenvolvia suas próprias perspectivas filosóficas.

Escritos Iniciais de Baudrillard: De O Sistema dos Objetos a O Espelho da Produção

Jean Baudrillard nasceu na cidade catedral de Reims, na França, em 1929. Ele contou a entrevistadores que seus avós eram camponeses e seus pais se tornaram funcionários públicos (Gane 1993: 19). Baudrillard também afirma ter sido o primeiro membro de sua família a buscar uma educação superior, o que teria causado uma ruptura com seus pais e com seu meio cultural. Em 1956, começou a trabalhar como professor de ensino médio em um liceu francês e, no início da década de 1960, realizou trabalhos editoriais para a editora francesa Seuil. Baudrillard iniciou sua trajetória como germanista, publicando ensaios sobre literatura na revista Les Temps Modernes entre 1962 e 1963, e traduziu para o francês obras de Peter Weiss e Bertolt Brecht, além de um livro sobre movimentos revolucionários messiânicos de Wilhelm Mühlmann. Durante esse período, conheceu e estudou as obras de Henri Lefebvre, cujas críticas à vida cotidiana o impressionaram, e de Roland Barthes, cujas análises semiológicas da sociedade contemporânea tiveram influência duradoura em seu trabalho.

Em 1966, Baudrillard ingressou na Universidade de Paris, em Nanterre, onde se tornou assistente de Lefebvre enquanto estudava línguas, filosofia, sociologia e outras disciplinas. Defendeu sua “Thèse de Troisième Cycle” em sociologia na mesma universidade com uma dissertação sobre O Sistema dos Objetos, e começou a lecionar sociologia em outubro daquele ano. Opondo-se à intervenção da França e dos Estados Unidos nas guerras da Argélia e do Vietnã, Baudrillard se alinhou à esquerda francesa na década de 1960. Nanterre era um centro importante da política radical, e o “Movimento 22 de Março”, associado a Daniel Cohn-Bendit e aos enragés, teve início no departamento de sociologia da universidade. Baudrillard declarou posteriormente que participou dos eventos de maio de 1968, que resultaram em grandes levantes estudantis e uma greve geral que quase derrubou o governo de De Gaulle.

No final dos anos 1960, Baudrillard publicou uma série de livros que viriam a torná-lo mundialmente famoso. Influenciado por Lefebvre, Barthes e outros pensadores franceses cuja influência será discutida adiante, Baudrillard desenvolveu um trabalho sério no campo da teoria social, da semiologia e da psicanálise. Publicou seu primeiro livro, O Sistema dos Objetos, em 1968 (edição inglesa de 1996), seguido por A Sociedade de Consumo em 1970 (edição inglesa de 1998), e Para uma Crítica da Economia Política do Signo em 1972 (edição inglesa de 1981). Essas primeiras publicações são tentativas, dentro da sociologia crítica, de combinar os estudos da vida cotidiana iniciados por Lefebvre (1971 e 1991 [1947]) com uma semiologia social voltada ao estudo da vida dos signos na sociedade. Esse projeto, influenciado por Barthes (1967 [1964], 1972 [1958] e 1983 [1967]), se concentra no sistema de objetos na sociedade de consumo (tema dos dois primeiros livros) e na interface entre economia política e semiótica (foco do terceiro livro).

Jean Baudrillard

A obra inicial de Baudrillard foi uma das primeiras a apropriar-se da semiologia para analisar como os objetos são codificados com um sistema de signos e significados que constituem as sociedades contemporâneas da mídia e do consumo. Combinando estudos semiológicos, economia política marxista e sociologia da sociedade de consumo, Baudrillard iniciou sua tarefa de vida: explorar o sistema de objetos e signos que forma o nosso cotidiano.

O primeiro Baudrillard descrevia os significados investidos nos objetos da vida cotidiana (por exemplo, o poder obtido ao se identificar com o próprio automóvel ao dirigir) e o sistema estrutural por meio do qual os objetos eram organizados em uma nova sociedade moderna (por exemplo, o prestígio ou valor de signo de um carro esportivo novo). Em seus três primeiros livros, Baudrillard sustentava que a crítica marxista clássica da economia política precisava ser complementada por teorias semiológicas do signo, as quais articulavam os diversos significados significados pelos significantes em linguagens organizadas em sistemas de sentido. Baudrillard, seguindo Barthes e outros, argumentava que a moda, os esportes, os meios de comunicação e outros modos de significação produziam sistemas de significados articulados por regras, códigos e lógicas específicas — termos que ele usa de forma relativamente intercambiável e que serão explorados com mais profundidade adiante.

Situando sua análise dos signos, da linguagem e da vida cotidiana dentro de um arcabouço histórico, Baudrillard argumentou que a transição do estágio inicial do capitalismo de mercado competitivo para o estágio do capitalismo monopolista exigiu maior atenção à gestão da demanda, com o objetivo de aumentar e direcionar o consumo. Nesse estágio histórico, que vai aproximadamente de 1920 até os anos 1960, a necessidade de intensificar a demanda passou a complementar a preocupação com a redução dos custos de produção e com a expansão da produção. Nessa fase do desenvolvimento capitalista — marcada pela concentração econômica, por novas técnicas de produção e pelo desenvolvimento de novas tecnologias — a capacidade acelerada de produção em massa levou as corporações capitalistas a focarem cada vez mais na gestão do consumo e na criação de necessidades por novos bens prestigiados, instaurando assim o regime do que Baudrillard chamou de valor de signo (sign-value).

Segundo a análise de Baudrillard, a publicidade, a embalagem, a exposição de produtos, a moda, a sexualidade “emancipada”, os meios de comunicação de massa e a cultura, assim como a proliferação de mercadorias, multiplicaram a quantidade de signos e espetáculos e geraram uma proliferação do valor de signo. A partir de então, afirma Baudrillard, as mercadorias não devem mais ser caracterizadas apenas por seu valor de uso e valor de troca, como na teoria marxista da mercadoria, mas também por seu valor de signo — a expressão e marca de estilo, prestígio, luxo, poder etc. —, que se torna uma parte cada vez mais importante da mercadoria e do consumo (cf. Goldman e Papson, 1996).

Sob essa perspectiva, Baudrillard afirma que as mercadorias são compradas e exibidas tanto por seu valor de signo quanto por seu valor de uso, e que o fenômeno do valor de signo tornou-se um elemento essencial da mercadoria e do consumo na sociedade de consumo. Essa posição foi influenciada pela noção de “consumo conspícuo” de Veblen — o consumo ostensivo e a exibição de mercadorias — analisada em sua obra A Teoria da Classe Ociosa, que Baudrillard argumenta ter se estendido a todos na sociedade de consumo. Para ele, toda a sociedade passa a ser organizada em torno do consumo e da exibição de mercadorias, por meio dos quais os indivíduos adquirem prestígio, identidade e posição social. Nesse sistema, quanto mais prestigiadas forem as mercadorias de um indivíduo (casas, carros, roupas etc.), maior será sua posição no reino do valor de signo. Assim como as palavras adquirem significado conforme sua posição em um sistema diferencial de linguagem, os valores de signo adquirem significado conforme sua posição em um sistema diferencial de prestígio e status.

Em A Sociedade de Consumo, Baudrillard conclui exaltando “formas múltiplas de recusa” da convenção social, do consumo ostensivo e do pensamento e comportamento conformistas — todos elementos que podem ser fundidos numa “prática de mudança radical” (1998: 183). Ele alude aqui à expectativa de “erupções violentas e desintegrações súbitas que virão, tão imprevisíveis e certas quanto Maio de 68, destruir essa massa branca [do consumo]” (1998: 196). Por outro lado, Baudrillard também descreve uma situação em que a alienação é tão total que não pode ser superada, pois “é a própria estrutura da sociedade de mercado” (1998: 190). Seu argumento é que, em uma sociedade onde tudo é mercadoria passível de compra e venda, a alienação é total. De fato, o termo “alienação” originalmente significava “vender”, e numa sociedade totalmente mercantilizada, a alienação é ubíqua. Além disso, Baudrillard propõe o “fim da transcendência” (expressão emprestada de Marcuse), em que os indivíduos não conseguem mais perceber suas verdadeiras necessidades ou imaginar outra forma de vida (1998: 190 e seguintes).

Jean Baudrillard

Baudrillard e o Neomarxismo: ruptura e continuação

Por volta de 1970, Jean Baudrillard começa a se afastar da teoria marxista clássica da revolução, substituindo-a por uma aposta na possibilidade de revolta contra a sociedade de consumo — uma revolta “imprevisível, mas certa”. Nos anos finais da década de 1960, ele esteve vinculado ao grupo intelectual em torno da revista Utopie, que, inspirado por Guy Debord e a Internacional Situacionista, buscava ultrapassar fronteiras disciplinares e refletir sobre sociedades alternativas, arquitetura e modos de vida cotidianos. Essa experiência reforçou em Baudrillard uma postura marginal e independente, voltada à crítica cultural fora dos moldes teóricos e políticos tradicionais.

Essa trajetória marca uma relação ambígua com o marxismo. De um lado, Baudrillard continua a crítica marxista à produção de mercadorias e à alienação no capitalismo, algo que o aproxima da Escola de Frankfurt — especialmente de Herbert Marcuse, autor de críticas precoces à sociedade de consumo. De outro lado, ele recusa elementos centrais da teoria marxista, como a ideia de uma classe revolucionária (especialmente o proletariado) ou de um sujeito coletivo capaz de transformação histórica. Como estruturalistas e pós-estruturalistas franceses, ele rejeita a noção moderna de sujeito autônomo, argumentando que a subjetividade é produzida por linguagens, instituições e práticas culturais.

Baudrillard tampouco oferece uma teoria da luta de classes ou da organização política. Ainda assim, sua análise da reificação — processo em que os sujeitos são dominados por objetos e se tornam eles próprios “coisas” — o insere na tradição crítica. Para ele, em uma sociedade de consumo e mídia, a cultura também se torna homogênea, impedindo a expressão da individualidade e da autodeterminação. Aqui, Baudrillard radicaliza a crítica da Escola de Frankfurt, ao aplicar a teoria semiótica dos signos: não apenas os objetos, mas os signos (estilos, imagens, tecnologias) dominam a vida, oferecendo mundos ilusórios de prestígio e identidade. O indivíduo se dissolve em meio ao espetáculo e ao consumo — é o “fim da subjetividade” vislumbrado pelos frankfurtianos, agora plenamente consumado.

Em seus primeiros escritos, Baudrillard ainda vê o consumo como uma atividade simbólica, um “trabalho de manipulação de signos”, pelo qual os indivíduos buscam se diferenciar. No entanto, ele não chega a desenvolver uma teoria robusta de agência ou resistência: o sujeito é ativo apenas no interior da lógica do sistema, não contra ela.

Seus três primeiros livros podem ser lidos como uma extensão neomarxista da crítica ao capitalismo, onde ele complementa a análise marxista da produção com uma atenção à cultura e aos signos. Contudo, em O Espelho da Produção (1973), Baudrillard rompe com o marxismo, acusando-o de ser um reflexo da própria sociedade burguesa, ao colocar a produção como centro da vida. Nesse gesto radical, ele denuncia que até mesmo o marxismo estaria preso à lógica do produtivismo capitalista, naturalizando-o.

Embora tenha participado dos eventos de Maio de 1968 e se alinhado à esquerda revolucionária e ao marxismo, Baudrillard rompeu com o marxismo no início dos anos 1970, mantendo-se politicamente radical, porém não alinhado a qualquer corrente. Desiludido com a postura conservadora do Partido Comunista Francês diante dos movimentos de 1968 e crítico do marxismo oficial de autores como Althusser, que considerava dogmático, Baudrillard iniciou uma crítica radical ao marxismo. Em A Troca Simbólica e a Morte (1975), ele argumenta que o marxismo não explica adequadamente as sociedades pré-modernas, centradas na religião e na mitologia, nem oferece uma crítica suficientemente profunda das sociedades capitalistas. Inspirando-se em perspectivas antropológicas, Baudrillard busca alternativas mais emancipadoras. Sua crítica, portanto, parte da esquerda, mas acusa o marxismo de não ser radical o bastante e de compartilhar com o capitalismo uma obsessão pela produção, o que explicaria, segundo ele, o conservadorismo dos comunistas franceses em 1968.

Jean Baudrillard

Obras

Abaixo está uma lista das principais obras de Jean Baudrillard, organizadas por ordem cronológica, com seus títulos originais em francês e, quando disponíveis, os títulos em português (ou inglês, caso não haja tradução consagrada):

Principais Obras de Jean Baudrillard

Década de 1960

  • 1968Le Système des objets (O Sistema dos Objetos)
  • 1970La Société de consommation (A Sociedade de Consumo)
  • 1972Pour une critique de l’économie politique du signe (Para uma Crítica da Economia Política do Signo)

Década de 1970

  • 1973Le Miroir de la production (O Espelho da Produção)
  • 1976L’Échange symbolique et la mort (A Troca Simbólica e a Morte)
  • 1977Oublier Foucault (Esquecer Foucault)
  • 1978À l’ombre des majorités silencieuses (À Sombra das Maiorias Silenciosas)

Década de 1980

  • 1981Simulacres et simulation (Simulacros e Simulação)
  • 1983Les stratégies fatales (As Estratégias Fatais)
  • 1985La Fatalité de la culture (A Fatalidade da Cultura)
  • 1986Amérique (América)
  • 1987Cool Memories (Memórias Frias, Vol. 1)

Década de 1990

  • 1990La Transparence du mal (A Transparência do Mal)
  • 1991La Guerre du Golfe n’a pas eu lieu (A Guerra do Golfo Não Aconteceu)
  • 1993L’illusion de la fin (A Ilusão do Fim)
  • 1994Le crime parfait (O Crime Perfeito)
  • 1995Le complot de l’art (O Complô da Arte)
  • 1997De l’exorcisme en politique (Do Exorcismo na Política)
  • 1999Paroxysm: Interviews with Philippe Petit (Paroxismo)

Década de 2000

  • 2000Le pacte de lucidité ou l’intelligence du Mal (O Pacto de Lúcidez ou A Inteligência do Mal)
  • 2002Power Inferno
  • 2004Fragments : Cool Memories V
  • 2005Le Pari symbolique (A Aposta Simbólica)

Referências

Tradução de: Kellner, Douglas, “Jean Baudrillard”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2020 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/win2020/entries/baudrillard/>.

Todas as referências estão contidas no artigo original.

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