Analisando a manifestação de 15/03

Nesse domingo, 15 de março, novamente a direita brasileira saiu às ruas para se manifestar. Seguindo uma tendência de manifestações passadas, várias foram as reivindicações, algumas contraditórias, preconceituosas e outras antidemocráticas. Cabe aqui uma breve análise.

Jovens marcham ao lado de militar da ditadura.
Jovens marcham ao lado de militar da ditadura.

Uma das pautas reivindicadas foi o fim da corrupção. É necessário, primeiro, entender que corrupção é sobretudo um conceito. Se você deixar de devolver o dinheiro a mais que o caixa me entregou errado no troco, é corrupção; se você não é portador(a) de deficiência física e estaciona seu carro na vaga de deficientes, é corrupção; se assiste televisão paga em casa utilizando um hack para não pagar, é corrupção. Ou seja, ela começa nos nossos pequenos atos no dia a dia.

A corrupção dentro da política possui raízes profundas. Há vários problemas no nosso país que são um reflexo do que os militares nos deixaram de herança. Se fôssemos analisar, veríamos que alguns esquemas de corrupção têm décadas de atividade, e alguns esquemas envolvem vários partidos. De que adiantaria, portanto, dizer que ao se retirar o PT do governo a corrupção acabaria?

No entanto, é justo e legítimo indignar-se com o que acontece no país. Nenhum cidadão que se preze gosta de saber que um político está levando o dinheiro público embora para um paraíso fiscal, dinheiro este que poderia estar pagando o tratamento de uma pessoa com câncer ou a educação de uma criança nos rincões mais distantes do país. Se vamos nos indignar com a corrupção, não podemos polarizar a discussão da maneira como ela está sendo feita. É necessário, sobretudo, investigar todos os envolvidos, independente do partido e apresentar maneiras de se mitigar a situação.

Falando em dinheiro, alguns companheiros levantaram um questionamento pertinente: quem financiou as marchas do dia 15? Houve trio elétrico, cantores famosos, segurança privada, faixas plotadas em gráfica, adesivos etc. Qual a procedência do dinheiro que pagou tudo isso? Se o pessoal que se revolta online contra a corrupção não diz qual a procedência desse dinheiro nem quais os nomes dos políticos que os financiam, eles também estão praticando corrupção. Não seria um contrassenso?

Manifestante usando da democracia para pedir ditadura.
Manifestante usando da democracia para pedir ditadura.

Outra coisa que chamou muito a atenção foram algumas faixas, as quais diziam que somente a força do povo pode mudar o país ― o que está certo, pois sem o apoio do povo nenhum político se sustenta ― não fosse a frase que acompanha: “Intervenção militar já!”. Essas pessoas possuem uma ideia muito errada do que significa verdadeiramente a “força do povo”. Em primeiro lugar, a “intervenção militar”, que na verdade foi um golpe de Estado, foi algo extremamente antidemocrático que nos deu de brinde 21 anos de ditadura, a qual matou e torturou milhares de pessoas país afora sobre pretexto de combater uma suposta ameaça socialista. Tal ameaça não existia de fato, posto que o Presidente Jango não possuía pretensões de instaurar um governo socialista no país; isso fazia parte de algo mais amplo, de um avanço imperialista na América Latina, pois na mesma época foram instauradas ditaduras militares, financiadas pelos EUA, em vários países como o Chile e Argentina. Segundo que várias vítimas da ditadura sequer possuíam ligação com movimentos e/ou partidos socialistas: muitos eram campesinos e indígenas que foram mortos para o avanço do agronegócio ― até crianças e bebês foram vítimas de tortura.

Não se pode exigir que os militares deponham a força um governo democraticamente eleito, pois além de ser um atentado contra a democracia, é inconstitucional. Se não se sabe o que os militares fariam no poder, se eles não foram eleitos por voto popular, e se eles fizeram de tudo para retirar a agência do povo sobre o seu próprio destino, o que há de democrático nisso?

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Manifestante segura cartaz contra a lei do Feminicídio.

Foi possível, também, perceber que vários discursos preconceituosos presentes na nossa sociedade tomaram uma dimensão muito maior dentro da manifestação. De certa forma, o preconceito no Brasil sempre foi presente, porém é velado. É o famoso: “Eu não tenho nada contra X e Y, mas não quero perto de mim e nem que meus filhos sejam assim”. Um cartaz dizia: “Feminicídio sim!” em resposta à lei que tipifica o assassinato de mulheres só pelo motivo de elas serem mulheres. Outros penduraram uma boneca representando a Presidenta pelo pescoço em um viaduto. O político fundamentalista Marco Feliciano prestou solidariedade esta semana ao eterno candidato e vampiro do fundo partidário Levy Fidélix, dizendo que este estava sendo injustiçado por “demonstrar sua opinião”. É fácil perceber que a sociedade não evoluiu em vários aspectos, e que defender a igualdade de gênero e o fim da discriminação, principalmente entre a população LGBT é uma luta constante e árdua. Por mais que tenha havido avanços, mesmo que tímidos, muitos ainda não aceitaram que as pessoas têm direito sobre o próprio corpo, sobre a própria integridade e sobre a própria sexualidade. O país possui uma moral muito conservadora, e políticos se aproveitam disso para fazer proselitismo. Preconceito não é opinião, e discurso de ódio deve ser combatido, pois o Brasil é um dos países em que mais se mata negros e LGBTs no mundo todo. Temos muito a avançar nesse sentido se quisermos ter um país justo.

É importante, também, perceber que, por mais barulho que a marcha tenha feito, os manifestantes não apresentaram uma solução para os problemas denunciados. Isso demonstra que seu discurso é vazio e, portanto, a manifestação não teve muito sentido. Sim, as pessoas têm o direito de se manifestar, mas elas precisam saber o porquê de estarem ali fazendo o que se propõem a fazer, caso contrário estarão apenas servindo de massa de manobra para pessoas cujos interesses não são claros.

Uma proposta seria acabar com o financiamento privado de campanha (leia mais aqui). Uma empresa não doa milhões para um político sem esperar nada em troca, e este acaba preso às reivindicações dessa empresa. Afinal de contas, a quem o político serve? Uma das causas majoritárias da corrupção ultimamente tem sido justamente a procedência do dinheiro que financia os políticos. Esta proposta, aliás, faz parte de uma das reivindicações da Reforma Política (saiba mais clicando aqui). Com mais educação e participação popular na política nós podemos ter a chance de mudar nosso país.

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