Microfísica do Poder, por Michel Foucault: resumo

Microfísica do Poder – Michel Foucault

Microfísica do Poder, de Michel Foucault
A Microfísica do Poder foi lançada em 1979 e já se tornou parte da grade curricular de filosofia pelas universidades brasileiras. (Clique aqui e adquira o livro).

A Microfísica do Poder não é uma obra de Michel Foucault, mas sim uma coletânea de textos do autor organizada por Roberto Machado, filósofo brasileiro.

Tal coletânea aborda as diferentes formas de poder no início da obra de Foucault, tomando como mote a medicina, a psiquiatria e as prisões: são textos que versam sobre a relação da analítica foucaultiana com Nietzsche e vão até resoluções de problemas cotidianos, como na discussão pós-Maio de 68 entre Foucault e militantes maoístas sobre o que fazer com os policiais que reprimiram estudantes violentamente no evento em questão.

O objetivo é mostrar como o poder se movimenta em seus detalhes, nas instituições, sua relação com a produção da verdade, com a caracterização dos normais e dos anormais, a forma como o poder se liga às práticas contemporâneas da ciência.

Mais importante que isso, o livro conduz ao olhar específico das mudanças que a própria analítica do poder teve em sua carreira. A microfísica do poder de Michel Foucault, inicialmente, teve como base um olhar para a relação de poder enquanto confronto, baseado na oposição entre soberania e disciplina. Para Michel Foucault, o modelo soberano de poder não daria mais conta de explicar as relações de poder na modernidade por ser centralizador e por buscar a figura de um sujeito que exerce poder de maneira privilegiada. Já o modelo disciplinar busca a prática do poder em sua objetividade, de maneira empírica, independentemente de quem o pratica ou se sua prática é centrada no Estado ou não.

Daí a necessidade de construir uma analítica que dê conta de lidar tanto com o poder soberano como com o poder disciplinar nascente. Segundo Marcos Cesar Álvarez:

O sistema Soberano-Lei, com sua obsessão acerca de quem detém o poder, de como esse é adquirido, arrebatado ou compartilhado, não daria conta da análise dos mecanismos de poder disciplinares, já que esses se exerceriam a partir de inúmeros pontos e de relações desiguais e móveis.[1]

Entretanto, com os desenvolvimentos de seus trabalhos nos anos 70 e 80 do século XX, Michel Foucault entende que não se deve simplesmente abandonar o modelo analítico da lei pelo modelo de poder baseado em estratégias, compreende que não há uma substituição histórica automática de um modelo jurídico de poder (soberano) por um modelo agonístico (baseado na relação de força), além de compreender que a observação do poder deve exceder o binômio soberania-disciplina e adicionar um terceiro termo, o da governamentalidade.

Aos poucos, a visão sobre o poder tende a considerar que a condução das condutas tem um papel relevante para se compreender a formação da modernidade e dos Estados-nação modernos. Este olhar é a base de uma complementação à disciplina: se, em Vigiar e Punir, o corpo individual era alvo do poder e, assim, objeto da analítica do poder; em História da Sexualidade e nos cursos no Collége de France subsequentes o corpo não é reduzido ao seu aspecto individual, pois o olhar genealógico passa pela observação do poder que é aplicado sobre a população, de maneira global. Trata-se do corpo-especíe como alvo de um tipo de poder.

Ao mesmo tempo, trata-se, também, de um olhar para o sujeito que governa seu corpo a partir de uma ética específica, seja ela resultante dos desígnios da estratégia dominante de poder ou não.

A introdução da noção de governamentalidade, caracterizada como o conjunto heterogêneo de instituições, de procedimentos, de análises, de cálculos e de táticas voltados para o exercício de uma nova forma de poder que teria por alvo a população, como saber privilegiado, a economia política e como instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança, possibilitará a Foucault dar conta de um poder ao mesmo tempo individualizador e totalizante, reinserir o problema da formação do Estado moderno, a partir de então visto evidentemente não como o centro irradiador dessas transformações mas como o resultado complexo de articulações entre o poder político e o poder pastoral ao longo de séculos de transformações.[2]

E, para além do poder, tal mudança no olhar sobre as relaçõe de poder irá também desencadear uma nova forma de olhar para o sujeito e aos processos de constituição de si, processos em que o sujeito é governado, governa-se e, em última instância, se constrói enquanto sujeito numa prática não só externa, mas também própria de poder sobre o próprio corpo.

É também nos textos da Microfísica do Poder que Michel Foucault mostra as relações entre saber e poder a partir de reflexões que complementam A Ordem do Discurso. As pesquisas genealógicas de Foucault não pretendem substituir ou superar suas pesquisa arqueológicas, pois, na verdade, há uma guinada em relação ao poder para que, após a descrição das condições de possibilidade, seja possível compreender as técnicas e tecnologias exteriores ao discurso que contribuíram para sua manutenção ou ruptura, legitimação ou descrédito. Segundo Gimbo:

Conhecimento, como instância discursiva, produz-se na diástole entre dito e não-dito, entre a interdição e a licença da palavra. Tal dinâmica revela como o saber é indissociável de uma luta política constante, que há uma vontade, um desejo, que pulsa de forma muda na história do saber. O saber não é apenas dominação, como tantas vezes será levantado contra uma certa leitura vulgar de Foucault, pois a palavra “poder” não traz em si uma conotação exclusivamente negativa. Poder designa, apenas, que há em todo saber uma luta, um jogo de dominação e resistência.[3]

Um jogo que define uma partilha, um movimento em que o saber consegue definir o que está dentro e o que está fora, como no caso da loucura, em que a estratégia discursiva da razão tende a definir aquilo que estaria fora e, portanto, dentro do campo da loucura.

Ao mesmo tempo, cabe ao discurso a distinção entre o verdadeiro e o falso, pois

O objetivo de tal investigação – em sintonia com os trabalhos de história da ciência na tradição francesa – fora, precisamente, explicitar como determinadas partilhas entre verdadeiro e falso não se encontram de antemão e definitivamente fundadas, conhecendo transformações epistemológicas que podem ser recuperadas e conhecidas. Tal limitação à posições fundacionistas definitivas deixara entreaberto a possibilidade para uma outra investigação sobre a relação entre verdade e história. Uma história que coloque em primeiro plano o valor da verdade, isto é, a ideia de que a verdade é em si mesma um valor absoluto para o pensamento.[4]

Para Foucault, a tradição filosófica foi responsável por dissimular o exercício do poder na prática discursiva ao operar com uma concepção de linguagem enquanto representação.

No Colunas Tortas, nós elaboramos uma série completa de vídeos abordando cada capítulo da Microfísica do poder. O vídeo abaixo é o primeiro da série:

Resumo

Livro:Microfísica do poder
Publicação:1978
Autor:Michel Foucault; Roberto Machado é organizador
Precedido por:História da sexualidade I – A vontade de saber (1976)
Seguido por:História da sexualidade II – O uso dos prazeres (1984)

Referências

[1] ALVAREZ, Marcos César. Punição, discurso e poder: textos reunidos. Tese (Livre Docência) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013, p. 80.

[2] ALVAREZ, Marcos César. Punição, discurso e poder: textos reunidos… p. 83.

[3] GIMBO, F. S. Da ordem do discurso ao discuro da ordem: da relação entre saber e poder em Foucault. Sapere Aude7(13), p. 135.

[4] GIMBO, F. S. Da ordem do discurso ao discuro da ordem: da relação entre saber e poder em Foucault… p. 138.

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