FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 9ª edição, 2012, p. 249. Grifos nossos.
Esse gesto que fazia a loucura desaparecer num mundo neutro e uniforme da exclusão não assinalava um compasso de espera na evolução das técnicas médicas, nem no progresso das idéias humanitárias. Ele se revestia de seu sentido exato neste fato: que na era clássica a loucura deixou de ser o signo de um outro mundo, tendo-se tornado a paradoxal manifestação do não-ser.
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No fundo, o internamento não visa tanto suprimir a loucura, ou escorraçar da ordem social; sua essência não é a conjuração de um perigo. Ele apenas manifesta aquilo que a loucura é em sua essência: uma revelação do não-ser. E manifestando essa manifestação, por isso mesmo ele a suprime, pois a restitui à sua verdade de nada. O internamento é a prática que melhor corresponde a uma loucura sentida como desatino; nele a loucura é reconhecida como sendo nada. Isto significa que de um lado ela é imediatamente sentida como diferença, donde as formas de julgamento espontâneo e objetivo que se pede, não dos médicos, mas dos homens de bom senso, a fim de determinar o internamento de um louco.
Por outro lado, o internamento não pode ter por finalidade outra coisa que uma correção (isto é, a supressão da diferença ou a realização desse nada que é a loucura na morte). Donde esses desejos de morrer que se encontram tão frequentemente nos registros do internamento sob a pena dos guardiães e que não são, para o internamento, signo de selvageria, desumanidade ou perversão, mas estrito enunciado de seu sentido: uma operação de aniquilamento do nada. O internamento desenha, na superfície dos fenômenos e numa síntese moral apressada, a estrutura secreta e distinta da loucura.
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