BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento.
Para quem duvidasse de que o fato de “saber se fazer servir”, de acordo com o discurso burguês, é uma das componentes da arte de viver burguesa, basta evocar os operários ou os pequenos empregados que, tendo entrado por ocasião de um grande evento em um restaurante chique, implicam com o chefe de sala ou com os garçons – que, “imediatamente, se dão conta do tipo de pessoas que têm de enfrentar” – como que para destruir simbolicamente a relação de serviço e conjurar o mal-estar em que ela os coloca.
O operário que, na vitrine, vê um relógio de dois milhões, ou que houve falar de um cirurgião que teria gasto três milhões com a festa de noivado do filho, tem inveja não desse relógio, nem dessa festa, mas dos dois milhões que ele teria aplicado de um modo completamente diferente, por ser incapaz de conceber o sistema de necessidades em que a melhor coisa a comprar com dois milhões seria um relógio desse valor.
Quando “existem tantas coisas que são prioritárias”, como se costuma dizer, “é preciso que alguém seja maluco”, efetivamente, para pensar em um relógio que custa dois milhões; no entanto, nunca se sentirá verdadeiramente “no lugar” daqueles que estão situados no outro extremo do mundo social. A loucura de uns é a necessidade primordial dos outros.
E não somente porque o valor marginal desses dois milhões varia segundo o número de milhões possuídos: um grande número de despesas que, segundo se diz, são ostensivas, nada têm a ver com um desperdício e, além de serem elementos indispensáveis de certo estilo de vida, são quase sempre – como a festa de noivado – uma excelente aplicação que permite acumular capital social.
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