O relativismo cultural, cujo conteúdo afirma que, uma vez que cada cultura tem seu próprio código ético, a Ética não pode ter fundamentos objetivos e, consequentemente, não pode ser universal, é hoje oficial e institucionalizado. Talvez por isso o espaço para debatê-lo é pequeno, e aos indivíduos de cada nação cabe apenas aceitar os valores morais das outras, por mais que estes sejam, por vezes, atrozes. O raciocínio é o seguinte: culturas diferentes têm códigos morais diferentes, de modo que não há verdades morais universais.
Chamar um costume de ‘correto’ ou’ incorreto’ implicaria podermos julgar tal costume por algum padrão independente do que é certo e errado. Mas não existe tal padrão. Todo padrão é limitado culturalmente. (JAMES RACHELS, Os elementos da Filosofia Moral)
A partir desta limitação, restar-nos-ia apenas ser tolerantes, mas não críticos, de costumes que não pertençam a nossa sociedade. Quando, porém, as normas de uma sociedade favorecem a intolerância (como no caso das invasões do exército nazista), os relativistas culturais argumentam que as normas de uma cultura reinam supremas dentro dos limites da cultura.
Um grande “salto lógico”
Afirmar que não podemos encontrar um padrão moral a partir do qual possamos questionar os costumes de diversas culturas, simplesmente porque estes são historicamente diferentes, é um grande salto lógico: no argumento da diferença cultural, a conclusão não se deriva das premissas, pois tenta derivar uma conclusão substantiva a partir do mero fato de que as pessoas discordam.
Consequências do relativismo cultural
Segundo James Rachels em “Os elementos da Filosofia Moral”, há alguns aspectos necessários que derivam do relativismo cultural e da valorização da simples tolerância:
1. Nós não poderíamos mais dizer que os costumes das outras sociedades são moralmente inferiores aos nossos
2. Nós não poderíamos mais criticar o código de nossa própria sociedade
3. A ideia do progresso moral é posta em dúvida
Todos estes aspectos têm sua base no fato de que, para os relativistas, não há algum padrão transcultural a partir do qual se possa pôr em questão alguns costumes. No primeiro aspecto, por exemplo, não poderíamos dizer que é condenável a excisão feminina, prática de remoção do clitóris presente entre alguns povos da Ásia e do Oriente médio. Já no terceiro aspecto, não poderíamos afirmar que condição do sexo feminino é hoje superior à condição deste no séc. XIX.
“Tolerância” não deve significar que todas as práticas são permissíveis
Para Rachels, há também três razões pelas quais a mera tolerância ainda é, apesar de tudo, endossada pelas pessoas.
A primeira é a de que é compreensível o receio em interferir em costumes de outros grupos.
Os europeus e seus descendentes nos Estados Unidos têm uma história vergonhosa de destruição de culturas nativas em nome da cristandade e do esclarecimento (…) Há, porém, uma diferença e ter a) julgar uma prática cultural como deficiente e b) pensar que nós devemos anunciar tal fato, fazer pressão diplomática e enviar tropas. (JAMES RACHELS, Os elementos da Filosofia Moral)
A segunda é a de que devemos ser tolerantes para que possamos viver em paz.
Mas nada que concirna à tolerância requer de nós sustentar que todas as crenças, todas as religiões e todas as práticas sociais são igualmente admiráveis. (JAMES RACHELS, Idem)
Por fim, a terceira é a de que as pessoas não querem demonstrar desrespeito pela sociedade que é criticada.
Condenar uma prática particular não é dizer que a cultura no seu todo é desprezível. Afinal, a cultura pode ainda ter muitos aspectos admiráveis. (JAMES RACHELS, Ibidem)
A existência de um padrão transcultural
O autor acredita que é possível encontrar padrões transculturais, fatos objetivos, que tanto guiam nossas críticas como subsistem aos códigos morais de cada sociedade, uma vez que há valores partilhados por todas as culturas. Geralmente, o critério é a sobrevivência da mesma, e por isso a proteção aos jovens, a honestidade e a proibição do homicídio são praticamente unânimes em todas as sociedades.
Existem algumas regras morais que todas as sociedades têm que adotar porque tais regras são necessárias para que a sociedade exista. (…) As culturas podem diferir em relação ao que elas consideram exceções legítimas às regras, mas esse desacordo existe em face de uma grande plataforma de acordo. Portanto, nós não devemos superestimar a extensão em que as cultuas diferem. Nem toda regra moral pode variar de sociedade para sociedade. (JAMES RACHELS, Ibidem)
Possibilidades frente à insuficiência da “mera tolerância”
É claro que, tendo em vista o desenvolvimento histórico de cada nação, as diferenças de códigos morais são inevitáveis, mas nem por isso devem ser soberanas, principalmente no que concerne a práticas “menos benignas”, ou seja, que afetam negativamente certos grupos de pessoas.
A relativização da Ética falha quando ignora alguns fatores universais que devem ser combatidos para um melhor desenvolvimento, harmonia e emancipação das sociedades, de modo que, embora não haja um “bem” e um “mal” inscritos na natureza, estes podem ser ao menos delineados com base nestes critérios.
Questionar esta posição dá-nos abertura para questionar nossos próprios costumes impostos pela tradição, uma vez que uma das proposições sensatas do relativismo cultural é a de que nosso próprio código moral é apenas mais um dentre outros, e portanto não necessariamente superior.
Além disso, dá-nos também abertura para buscarmos quais devem ser os princípios que devem reger a Ética, que, se baseada em fatos objetivos (como a necessidade de se diminuir o sofrimento, por exemplo), deve ser universal.
Acredito que a palavra segue sendo meu ponto fraco.