Janta Filosófica #46: O precariado no Brasil a partir de Ruy Braga

As Jantas Filosóficas acontecem todas as segundas-feiras às 19:30hs no canal do Colunas Tortas.

Da série “Janta Filosófica“.

Nesta quarta-feira, 25 de maio, excepcionalmente, a Janta Filosófica mudou seu horário, mas o conteúdo segue nosso fio condutor sobre a noção de precariado com a ajuda de Ruy Braga e seus textos sobre o assunto.

Desta vez, aproveito para retomar o que já acumulamos até o momento e ainda complemento com uma situação específica do aplicativo Mary Help, que está no centro da precarização do trabalho doméstico nos moldes contemporâneos, submergido na ideologia do empreendedorismo.


Receba tudo em seu e-mail!

Assine o Colunas Tortas e receba nossas atualizações e nossa newsletter semanal!


O vídeo:

O áudio:

Veja ou escute a Janta Filosófica acima! A seguir, um trecho transcrito:

Ao longo das últimas semanas, estamos exibindo pílulas concretas sobre a oposição entre capital e trabalho focadas principalmente na situação do precariado de entregadores de app, motoristas de app. Enfim, situações de trabalho em que o empregador não necessariamente mantém um vínculo formal empregatício com seu empregado e, de certa forma, nem esmo existe enquanto pessoa para o empregado.

Neste modelos que conversamos, a relação se dá através do aplicativo, pelo aplicativo e para o aplicativo.

Primeiramente, considero interessante entendermos a noção de precariado. Eu abro aspas pro Ruy Braga, sociólogo da USP autor de livros como A política do precariado, A rebeldia do precariado e Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. Segundo o autor:

O conceito sociológico de precariado data dos anos 80. É uma expressão que surge na Itália, com o setor do movimento social autonomista, que começa a fazer uma análise de trabalho atípico. Tenta entender o porquê de as novas gerações, quando entram no mercado de trabalho, não encontrarem as mesmas políticas de bem-estar, sejam públicas ou privadas, que as gerações anteriores haviam experimentado, em especial no tocante à estabilidade. As novas gerações na Itália estavam situadas num mercado de trabalho com mais instabilidade, uma trajetória sócio-ocupacional entrecortada por períodos de desemprego, mais ou menos longos, ou de subemprego.[1]

Mas há um diferença em relação ao precariado observado na Europa com o brasileiro. Ruy Braga explica que

Aquilo que na Europa, por conta da institucionalização de direitos, de garantias, conquistas, lutas sociais, era regra, ou foi grande durante muito tempo e enfraqueceu, no caso brasileiro sempre foi a exceção. No Brasil, entre a proteção trabalhista e a realidade das empresas havia um gap muito grande. Existe uma diferença muito grande entre a lei e a realidade das relações de trabalho no País, que são muito precárias. Sempre foram. Quando a economia brasileira passa por uma transição, adentra na globalização, o precariado se desloca para o setor de serviços, com características que são muito próprias, por exemplo, uma presença esmagadora das mulheres e dos não brancos – mestiços, negros. Também há uma presença muito forte dos jovens, que são mais qualificados que a geração anterior, seja profissionalmente, seja em escolaridade.[2]

Uma diferença, então, de um precariado que, num contexto de pouca proteção trabalhista, se move para o setor de serviços e se submete a jornadas de trabalho mais longas que os empregados CLT e que a força de trabalho disponível há 10 anos, por exemplo. Que, mesmo com diploma de ensino superior, ocupam empregos que não exigem especialização para sua execução. Isso é importante porque, num país capitalista de periferia como o nosso, a obtenção do diploma é mais relacionada com a colocação no mercado de trabalho que com crescimento intelectual. O primeiro reflexo de um diploma no bolso seria um emprego com salário superior. Mas, ainda assim, o precarizado não forma uma classe específica, mas é considerado parte da classe trabalhadora por Ruy Braga:

É uma parte precarizada da classe trabalhadora, aquela que está mais distante do acesso aos regimes de welfare, de segurança. E ele é composto pela parcela da classe trabalhadora que está sempre oscilando entre o aumento da exploração econômica, pela diminuição de salários, eliminação de benefícios, precarização do ponto de vista dos contratos, e a ameaça da exclusão social via desemprego. Esta é a parte fundamentalmente importante para entender o que é precariado num país como o Brasil. A massa da população que está entrando no mercado de trabalho não tem condições de dar um salto. Os que conseguem são minoria branca, bem qualificada, que vem de universidade pública ou das melhores universidades privadas do país, a classe média tradicional. E os que não conseguem emprego precisam sobreviver, então aumenta o subemprego, o emprego precário, aumentam as formas degradantes de trabalho, onde o precariado se acantona. E as reformas apontam para uma enorme ampliação desta massa precarizada de trabalho.[3]

Gomes e Thedim-Costa salientam que a precarização atinge não só os mais vulneráveis, mas todo o conjunto da sociedade. E ela aparece a partir de termos novos como “novas formas de trabalho”, que escondem a fragilidade estrutural promovida pelo mercado de trabalho aos trabalhadores:

Essa figura semântica – que aparentemente revela um avanço nos parâmetros tradicionais de exercício profissional – esconde, no entanto, a diminuição de postos de trabalho e a fragilidade dos novos arranjos laborais como a oferta de empregos de tempo parcial ou duração eventual; as limitações na absorção da força de trabalho jovem, inclusive qualificada; a instabilidade e irregularidade ocupacionais; o subemprego e o desemprego recorrente, duradouro e sem perspectivas de inclusão no mercado formal; as dificuldades de inserção da mão-de-obra não-qualificada e os rendimentos decrescentes para boa parcela das populações já empobrecidas.[4]

A deterioração econômica e o retrocesso social coincidem com a ausência do Estado em áreas essenciais relacionadas ao trabalho e à proteção social. Nesse panorama, a legitimidade de um Estado que, orientado pela lógica da ordem econômica vigente, se abstém de revisar as regulações contratuais e salariais anteriores e não consegue cumprir seu papel na mitigação das desigualdades e fragilidades sociais, assim como na correção das injustiças, é questionada. Um Estado que, diante do grande número de pessoas no “exército industrial de reserva” criado pelo desemprego em massa, oferece, no melhor dos casos, opções temporárias de reinserção negociadas com as empresas, por meio de incentivos financeiros e isenções de encargos sociais.

Neste contexto, o senso de solidariedade entre trabalhadores tende a diminuir. No bojo de uma sociedade líquida, a desagregação se torna regra e a força dos sindicatos trabalhistas diminuem de tal maneira que

as negociações coletivas voltam-se prioritariamente para os trabalhadores do quadro funcional das empresas e as reivindicações têm como foco central a manutenção do emprego e o posicionamento frente às propostas de redução da jornada de trabalho, com a conseqüente diminuição de salário, como alternativa de incorporação, sob contratos precários, de mão-de-obra desempregada. Os próprios interesses dos trabalhadores terceirizados, submetidos às mais desfavoráveis formas de contratação e de condições de trabalho, raramente são contemplados.[5]

Por sua vez, Kelen Leite afirma que a precarização aconteceu sobretudo em países em que a organização sindical era frágil:

Principalmente para países com fraca organização sindical, uma precarização do emprego e das condições de trabalho, tendo como referência as necessidades das próprias empresas. Tal processo também foi marcado pelas intensas e numerosas deslocalizações de parques industriais, pois o capital foi ao encontro de melhores e maiores possibilidades de exploração da força de trabalho, buscando países e regiões com salários mais baixos, fraca regulamentação trabalhista e movimento sindical menos organizado, produzindo, no interior das economias e das regiões mais desenvolvidas economicamente, grandes e graves problemas no tocante ao emprego.[6]

O trabalhador precariado é aquele cuja natureza do contrato é frágil, instável, flexível. É aquele trabalho cujos rendimentos são instáveis e que recebe menos direitos que seus colegas assalariados, protegidos pela CLT.

Gostou? As Jantas acontecem todas as segundas-feiras às 19:30hs no canal do Colunas Tortas no YouTube.

Já conhece o clube de membros do canal? Veja aqui!

Referências

[1] Exploração e desemprego definem precariado, diz sociólogo Ruy Braga. Estadão. Disponível em <<https://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-vida/exploracao-e-desemprego-definem-precariado-diz-sociologo-ruy-braga>>.

[2] Exploração e desemprego definem precariado, diz sociólogo Ruy Braga…

[3] Exploração e desemprego definem precariado, diz sociólogo Ruy Braga…

[4] GOMEZ, C. M.; THEDIM-COSTA, S. M. DA F.. Precarização do trabalho e desproteção social: desafios para a saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 411–421, 1999.

[5] GOMEZ, C. M.; THEDIM-COSTA, S. M. DA F.. Precarização do trabalho e desproteção social: desafios para a saúde coletiva…

[6] Leite, K. C. (2020). TRABALHO PRECÁRIO: precariado, vidas precárias e processos de resistências. Política &amp; Trabalho: Revista De Ciências Sociais, (51), 108–125. https://doi.org/10.22478/ufpb.1517-5901.0v51n0.50733

Deixe sua provocação! Comente aqui!