Qual a utilidade da crítica ao “pós-modernismo”?
A pergunta acima só pode ter uma resposta clara quando se define exatamente onde está esse pós-modernismo a ser criticado. Por que estou falando disso? Acho que preciso me explicar antes de começar esse artigo: Diego Grossi, no dia 20 deste mês, publicou um texto no site do Partido Comunista Brasileiro (PCB) intitulado “Quem são os pós-modernos e por quais motivos lutam contra eles os marxistas”, você pode ler o artigo aqui, inclusive.
Este artigo parece ter a pretensão de denunciar os “pós-modernistas”, que são anticomunistas disfarçados de progressistas. Diego Grossi enumera dez considerações críticas sobre este grupo, mas nenhuma dessas críticas parecem fazer sentido e eu vou explicar o porquê.
A tentativa de Grossi é mostrar a pauta do pós-modernismo como uma pauta grande, relevante. Repito, como algo que de fato é discutido em espaços de relevância, mas seu próprio texto o trai.
Como?
O texto de Diego Grossi é o oposto daquilo que ele critica. Por ser o oposto, depende daquilo que critica para fazer sentido. Não só do objeto criticado, mas das regras que possibilitam o nascimento do objeto criticado. Eu quero dizer: o texto de Diego Grossi é uma faceta do discurso da internet, o qual eu trato em minha coluna há tempos.
Diego Grossi escreve seu texto para dialogar com um público específico: militantes que passam boa parte de seu tempo na internet, que foram criados pela internet e que saíram dela para montar coletivos políticos em universidades. A crítica de Diego Grossi é destinada, na realidade, aos militantes de internet: a glória de publicar um texto tão irrelevante no site do PCB é, talvez, o fato de parte dos militantes do PCB também sejam oriundos deste mesmo lugar e estejam atuando nos mesmo lugares que os militantes identitários: nas universidades.
Este texto, que não é honesto na hora de dizer para quem fala, critica militantes identitários que são sujeitos no discurso da internet e tem como público outros militantes que foram constituídos por esse mesmo discurso, apesar de tomarem posições diferentes dentro dele.
Primeiramente, é necessário notar que Diego Grossi tenta classificar o pós-modernismo como algo em pauta em algum setor importante de debate, como algo de fato relevante, por isso cita erroneamente eventos da década de 60 e 70 (embora ele não especifique quais) como primeiras aparições de “grandes manifestações pós-modernistas” e coloca a queda da URSS como o instante de grande difusão do pós-modernismo.
O autor do texto admite que não é consenso a definição de pós-modernismo, ao mesmo tempo e arbitrariamente, decide assumir uma postura clara sobre o que é pós-modernismo, anulando a própria afirmação anterior, que passa a ser somente uma frase pra encher a linguiça de seu péssimo artigo. O objetivo do autor não é discutir o pós-modernismo, a pós-modernidade, nada disso. É discutir o discurso da internet, mas como sua linha de análise é medíocre, não consegue encontra a especificidade deste discurso, daí de tentar generalizá-lo para um público que ele tira de sua imaginação, “oriundo das camadas médias” (como ele sabe? Há pesquisas sobre isso no Brasil?); daí sua tentativa de fazer uma contextualização histórica sobre algo que não tem uma tradição filosófica, uma tradição de análise da história, mas sim que é um fenômeno que mistura a tecnologia, a rapidez e a mídias sociais.
A mediocridade de seu texto se estende quando começa a de fato caracterizar a militância pós-modernista:
Vem sendo frequente nos meios militantes influenciados pelo pós-modernismo expressões como “não me silencie” ou “não roube meu protagonismo”
E depois:
Algumas características que permitem identificar a manifestação do fenômeno pós-modernista nos meios militantes aparecem “originalmente” como fundamentações teóricas e ideológicas que dão sustentação à premissa principal sobre uma suposta superação da modernidade, como: a) negação da ciência (nítida na acusação de que a ciência seria “uma invenção da sociedade ocidental patriarcal opressora” ou no apontamento de que qualquer debate teórico seria “academicista”); b) a contestação sobre a existência de verdades universalmente válidas (muito presente, de forma implícita, na sacralidade da “vivência”, em que cada um teria a “sua verdade”, que não poderia ser cientificamente constatada ou refutada enquanto uma “verdade única”); c) o culturalismo, mecanismo excelente de negação da realidade objetiva em prol das questões subjetivas; d) a redução na realidade aos discursos produzidos sobre a mesma (assim, por exemplo, buscaram combater uma opressão estrutural mudando os discursos ao pretenderem apagar o gênero das palavras usando uma letra “neutra”, o “x”, no lugar de vogais tidas como masculinas e femininas – de alunos/alunas para “alunxs”)
Agora eu pergunto, de que Grossi está falando? De um conjunto de autores, de líderes políticos, de movimentos relevantes e de linhas filosóficas? Não, essa descrição acima é exatamente a descrição dos militantes de internet, conforme já dito.
Entendam, não há mal em criticar algo que se diz ser o pós-modernismo, mas a falta de rigorosidade e honestidade neste texto horrível é digna de riso. Grossi parece ter vergonha de admitir que seu texto é, na verdade, um status de Facebook.
Seus enunciados são direcionados ao Facebook. É lá que esse texto pertence. Grossi, a partir desse texto, parece fazer parte da camada de militantes formados pela internet que descobriram ontem a existência da ciência e resolveram defendê-la a todo custo dos malvados “pós-modernistas”.
Reparem, como eu já disse em outros textos, o fato do militante ser constituído pelo discurso da internet não implica em sua atuação ser somente na internet, tanto que coletivos identitários são formados por jovens universitários também constituídos pelo discurso da internet.
As posição que se assume neste discurso permite determinadas práticas sociais que não são limitadas ao ambiente da internet. O nome “discurso da internet” só foi algo que utilizei para falar sobre este jeito infantil, pedante, pomposo, agressivo e narcísico de se comunicar, juntamente com as regras que eu venho tentando decifrar nos outros textos a respeito da militância da internet que eu tenho produzido, você pode vê-lo no fim deste artigo, quando os indico.
Dito isso, é necessário entender de vez que o artigo de Diego só existe porque há uma militância identitária de grupos LGBT, negros e femininos formada pela internet que tomou espaço nas universidades. Este texto pomposo e que parece ser “bombástico” não tem a menor relevância fora destes lugares específicos, preenchidos por jovens criados na internet, que se relacionam diretamente com ela.
É difícil compreender se Diego escreveu seu texto escamoteando sua irrelevância, portanto, se é desonesto, ou se realmente acredita que vale de algo. Qual é seu objetivo? Conseguir seguidores virtuais do setor a que pertence no discurso da internet (ou seja, do setor que se acha detentor de uma verdade objetiva, encontrada a partir da ciência, da razão e todo esse blá blá blá iluminista que já não tem a menor relevância prática em nenhum círculo de discussão)? Não: se fosse assim, o discurso da internet seria só uma ferramenta que os sujeitos pegam e utilizam, mas ele não é só isso: se trata de um conjunto de enunciados, técnicas e posições que permitem a enunciação e a tomada de posição dos sujeitos.
Toda sua tentativa de contextualização histórica sobre o pós-modernismo não vale merda nenhuma, já que seu objeto de crítica (que se revela ao longo do texto) são fedelhos que vivem em universidades e na internet. Por isso é relevante para o texto medíocre de Grossi citar a vivência, apropriação cultural, roubo de protagonismo, silenciamento e aquilo que gosta de chamar de egoísmo coletivo. É por isso que, para ele, é relevante dizer que os pós-modernos se esquivam de debates e acusam seus críticos de conservadores, pois esses debates em que há esquivas de pós-modernos são debates universitários e debates da internet.
Agora eu posso responder a pergunta que iniciei o artigo: a utilidade da crítica ao “pós-modernismo” – levando em conta que essa crítica é parte do discurso da internet, levando em conta que o papel da autoclassificação como marxista em textos como esse tem função identitário também – é disputar a internet com a escolha estratégica dos militantes de coletivos LGBT, negros, e de mulheres.
Este texto tem uma circulação definida: a própria internet (e quando digo que a circulação será na internet, não quero dizer nela como um todo, mas sim no locais em que o discurso da internet se faz valer, como nos grupos de Facebook, em posts de blog, em rodas de discussão de universitários que descobriram a existência do comunismo a partir de memes e que se identificaram como comunistas quando se posicionaram contra as práticas dos coletivos identitários acima mencionados).
A disputa que este texto trava com outras escolhas estratégicas dentro do discurso da internet (e nos espaços de circulação específicos deste discurso) tem também uma utilidade implícita: a própria reprodução do discurso. Este tipo de texto medíocre representa a atualização do discurso da internet, sua sobrevida. Não é mais que um conjunto de enunciados regidos pelas regras do discurso próprio da internet.
Quando o discurso da internet se forma, ganha suas regras, estabelece relações, ele também dispersa posições. São posições diferentes que estão no mesmo saco a partir de suas regras de formação. Essas regras permitem a emergência de conceitos que se chocam, teorias que se opõem e jeitos de validar a argumentação que não se misturam.
Dentro das posições possíveis de se assumir no discurso da internet, uma delas é a do salvaguarda da ciência, da materialidade do mundo, da objetividade que o iluminismo forneceu aos sujeitos e que estes sujeitos ignoram na medida em que são pós-modernistas.
A concepção de sujeito desta escolha estratégica o põe como aquele que deve se esforçar para, através de métodos eficientes, identificar a verdade que se localiza na matéria, fugir da mera aproximação subjetiva.
Isto não é uma guerra de princípios filosóficos. O humanismo da posição que supostamente carrega a herança do iluminismo é uma identidade também e funciona como tal. Funciona como limite à concepção (que é universalizante) da vivência. Se encontra a objetividade do mundo na medida em que a vivência é a aproximação subjetiva à realidade, na medida em que o local de fala impede que a objetividade independa do sujeito que a encontra.
Este é o corte que classifica a identidade “comunista” ou “marxista”, como o autor diz. Este corte tem valor identitário e, como tal, de consumo. A identidade do que Grossi chama de “marxista” é feita em contraposição aos pós-modernistas e sua pompa científica funciona como ferramenta de disputa contra os conceitos de local de fala, vivência e academicismo, que retirariam a possibilidade da verdade de qualquer um que domine o método científico.
A função do método científico e da exaltação da ciência como conhecimento privilegiado feita por este setor do discurso da internet é ter espaço dentro da exclusividade de consumo que as escolhas estratégicas comuns, que se baseiam na opressão, formam. Páginas do Facebook medíocres como “Irracionalismo Moderno – Decadência Filosófica”, “Racionalismo Formal – Decadência Filosófica”, “Pós-Moderno” e diversas outras, fazem parte do mesmo campo enunciativo dentro do discurso e dizem exatamente a mesma coisa que este texto de Grossi, no entanto, são mais claras ao mostrar sua dependência do discurso da internet, já que sua produção de conteúdo depende da criação de memes.
Essa briga que o artigo de Grossi publicado pelo PCB parece travar é somente entendida em sua completude quando se participa do discurso da internet, é só lá que seus conceitos tem uma dinâmica com sentido específico.
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Leituras obrigatórias
Quer entender o que eu penso sobre o conceito de apropriação cultural? Veja aqui.
Clique aqui para ver minha crítica ao conceito de academicismo.
Você também pode ver minha crítica ao conceito de desconstrução aqui.
O lugar de fala é relevante? Veja aqui o que escrevi sobre.
Já sou velho, mas olho para o mundo a partir de seu ineditismo, nunca sob o ranço interminável dos anciãos.
Achei engraçado como há a percepção do texto criticado nesse artigo ser classificado como “Artigo de Internet” mas o grande problema desse argumento é que ele tende á ser circular, não só pelo fato da sua crítica ser feita NA INTERNET também, mas por esquecer que a internet não passa da representação de micro-escala da realidade, e não querer ver como a Pós-modernidade é uma ideologia, no sentindo marxista/zizekista da palavra, é o espectro que revela os pensamentos permitidos e aceitáveis dentro da sociedade, porém este disfarçado de crítica-á-ideologia, tornando ele um ato CONTRADITÓRIO, como grande parte que é presente na estrutura ideológica capitalista liberal, como conceitos errôneos de liberdade, propriedade e coerção.
Todo marxista que critica a pós-modernidade à critica por ela ser “social-democrata”, “isentona” e participante de ideologias liberais muitas e muitas vezes. O problema nesse processo INTEIRO é que uma das poucas ideologias que não são citadas ou abraçadas dentro da pós-modernidade é o próprio Marxismo, por mais incrível que pareça aos olhos de afirmantes do “Marxismo Cultural” (que não existe, só é outra palavra pra descrever a “pós modernidade”).
Não só o marxismo deixou de fazer parte das ideologias pós-modernismo, e eu nem digo o porque, mas por desconsiderar ele por completo mostra como o pós-modernismo não serve como representante nem de uma suposta esquerda Libertária nem de uma ortodoxa, nem representante de uma esquerda em si.
A pós modernidade é o manifesto da “Pura Ideologia” que o Zizek se refere. Eles SABEM que existe uma outra alternativa ideológica (visto que a pós-modernidade é representada pelas causas pequenas-burguesas, como causa LGBT, feminismo liberal e movimento negro com certa análise historica coerente, mas também perdido e raso) mas escolhem esta de qualquer.
Eles sabem o que estão fazendo, e continuam fazendo mesmo assim.
Honestamente a unica diferença entre esse texto e um status de facebook também é o tamanho.
O autor perde 60% do texto atacando o autor do outro com adjetivos pejorativos sem qualquer tipo de embalsamento, tece toda sua argumentação em torno de um único ponto (um ponto falso alias. O autor do texto que ele critica abordou isso, ele só não tem a mesma opinião que você) e termina com um monte de floreio sofista.
Esse texto poderia ser resumido praticamente em duas sentenças: “pós moderno de internet” é diferente de “pós moderno da academia” e Eu não gosto do Diego Grossi
Concordo, li o texto criando expectativa e quando me dei conta, já tinha acabado. Não entendi a crítica ao discurso do Diego Grossi. Estava ansioso pra caralho pra pegar aquela frase reveladora que trouxesse a tal crítica ou pelo menos um posicionamento, porém só deu pra concluir que o autor não curte muito textos no Facebook… Uma explicação mais clara ajudaria :/
Obrigado, me senti contemplado.
Não vou, também, perder meu tempo com esse idiota inscrito no livro da idiotice chamado de Diego Grossi.
Tu és um pós moderno que acha que vai mudar o mundo fazendo cirandinha. Tu tens é que cortar cana pra deixar de ser um pequeno-burguês.
“daí sua tentativa de fazer uma contextualização histórica sobre algo que não tem uma tradição filosófica, uma tradição de análise da história, mas sim que é um fenômeno que mistura a tecnologia, a rapidez e a mídias sociais.”
Possui tradição filosófica e análise histórica sim, fonte: https://theanarchistlibrary.org/library/lupus-dragonowl-against-identity-politics
Ótimo texto, contemplou a questão que foi feita no título e no início dele, embora poderia ser um pouco mais ousado, apontando quem são os ACADÊMICOS conhecidos que falam contra os pós-modernos e quais são as respostas TEXTUAIS que estes próprios autores (eu ia dizer “personagens”) ditos pós-modernos podem oferecer às críticas lançadas a eles. Acho que é um pouco covarde lançar críticas somente à “internet” (tal como foi definido no texto) e não se introduzir no debate real que OCORRE dentro da academia. .. Acho que nem preciso indicar bibliografia, porque os própios grupos e páginas “anti-pós-modernismo” do Facebook oferecem isso (além desses textos horríveis como o do Diego, é claro).