Sem Data

Afinal, a verdade é que eu estava com medo. E quando nós o confrontamos damos um passo bem grande adiante.

Gostaria de pedir desculpas aos leitores por ter estado um tempo sem escrever. Eu adoraria poder compartilhar os acontecimentos diariamente. No entanto, para manter um diário deve-se compreendê-lo, não deixar escapar as nuances, os fatos minúsculos, embora pareçam ninharias, e sobretudo classificá-los.

É preciso dizer como vejo a mesma rua de forma diferente a cada tempo que passa. As pessoas de sempre, outras, mal posso reconhecer. O meu livro de cabeceira, isto sim é que mudou.

Caro Leitor, não caberia determinar o alcance exato e a natureza dessa mudança. Por exemplo, se eu tenho um caderno de desenhos, contendo inúmeros rabiscos de tinta fresca, seria como tentar dizer que antes não havia desenho algum. O que não deixa de ser óbvio! Bem, você enxerga um losango… Agora, se você acha que o losango é tridimensional, que se trata de arte futurista ou que foi apenas um esboço estúpido enquanto falava ao telefone. Pode ser, não há concretude pelo desenho e não há o que dizer.

Aí está o grande perigo de manter um diário: você tenta exagerar o todo ou persegue partes, forçando encontrar a verdade absoluta delas. E a precisão muda. Posso olhar uma escultura de uma forma, ou um quadro ou um retrato, mas depois de outra observação, seja ela um minuto após, dias ou até mesmo anos, será diferente! Por isso gosto de ir aos museus ou em exposições. Quando reparo em algo que não via antes… Putz!

E podemos recuperar a impressão também. Ou ainda, essa perspicácia pode escapar pelos dedos… Como algo que está claro, visível, mas vemos só a sujeirinha do fundo.

É claro que na escrita acontece de forma natural, desde que eu não possa escrever nada transparente sobre as questões de domingo e anteontem porque eu gosto de sair na quinta-feira e no domingo, e sexta é dia de relaxar. E eu tenho a sensação de déjà vu, estou longe em ritmo devagar quase parando…

Esses casos poderiam ser chamados de evento? Talvez.

O que aconteceu comigo não deixou vestígios.

Eu vi várias coisas que me chatearam, mas eu não sei se eu olhei o mar ou a concha ou a areia ou o bêbado caído na calçada. A concha era lisa por dentro, áspera e redonda por fora, além de estar totalmente seca. Fiz questão de manter meus dedos bem juntos e molhados sobre ela, não me importando em ficar com as mãos coladas. Esses últimos dias não foram fáceis, muito mais complicados; apareceram pessoas que a gente gosta de conhecer, que nos levam a ter a esperança e outras que revelaram tudo o que há de mais mesquinho, inseguro e egoísta do ser humano. E também houve uma série de coincidências e de coisas que não compreendo porque ainda não as vivi. Mas eu não vou me manter a dedicar e escrever tudo isso.

Afinal, a verdade é que eu estava com medo. E quando nós o confrontamos damos um passo bem grande adiante. É engraçado como não estamos dispostos a acreditar em qualquer coisa louca; mesmo a gente querendo saber como é que é. As alterações dizem respeito a objetos. Então, no papel branco da minha mesa de cabeceira a gente tenta uma espécie de palavras cruzadas.

Ponha para fora.

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