Da série Contos de uma São Paulo Privada
Os detetives da Kakudaikyō, empresa de investigação criminal Japonesa que atuava em São Paulo, Thiago, Katherine e Sil, tiveram que esperar pelo fim da pandemia que estava ocorrendo na Rua Direita naquela madrugada de terça para quarta. Além das sirenes das ambulâncias de três empresas emergenciais distintas estacionadas no calçadão, os veículos anfíbios da Recon, grupo de segurança privada, cantavam os pneus, indo de um lado para o outro.
Três funcionários da Zincagem, grupo privado do corpo de bombeiros, haviam morrido com a explosão de varias caixa de celulares dentro do edifício 27, depois que uma mensagem anônima denunciou um inicio de incêndio.
Por isso os veículos da Recon circulavam a partir do quarteirão formado pelas Ruas Benjamin Constant, Praça da Sé, Quintino Bocaiuna e Senador Feijó e indo se estendendo pelas ruas próximas.
Qualquer pessoa avistada por eles eram atingidas pelos holofotes de luzes azuis, que causavam fortes náuseas e imobilizavam o individuo por alguns segundos. Os guardas privados pegavam os suspeitos ainda confusos com o efeito das luzes e os prensavam nas paredes, e em circunstancias mais rudimentares, penduravam de cabeça para baixo por alguns minutos.
– Eles vão ficar fazendo esse showzinho à madrugada inteira – Disse Thiago com desdém. Ele e seus outros dois colegas estavam no saguão destruído do edifício 27. O local estava apenas iluminado pelo verde limão dos óculos de visão noturna, pois todo aquele quarteirão tinha a luz desligada. A pericia da Zincagem havia concluído que o incêndio havia sido iniciado por um galão de gasolina.
O que havia restado dos corpos dos guardas já havia sido retirado, mas o cheiro de queimado ainda os assustava, pois naquele odor forte com certeza havia a essência das vidas carbonizadas daquelas pessoas misturado.
Averiguando o Caos Inerente
Thiago investigava alguns destroços agachado com dificuldade, devido ao seu excesso de peso – Katherine , o que você achou nas nuvens digitais publicas a respeito dessa pocilga aqui?
– Bem, apenas alguns relatórios imobiliários do histórico do prédio. O local foi comprado há sessenta anos por um grupo de três comerciantes locais, que o usavam como armazém para suas dispensas e materiais. Dorian Salomé, dono de um bar, Brenda Ivania, proprietária de uma loja de utensílios domésticos e Camila Jimena, dona de uma fabrica de fraldas – A moça magra de cabelo verde lia o resumo de sua busca em seu tablet – Mas parece que o edifício esta sofrendo por uma disputa legal e foi lacrado há alguns anos. Os herdeiros de cada comerciante brigam pela posse do conteúdo.
Thiago se levantou com um pouco de dificuldade, sendo auxiliado por Sil, que estava ao seu lado analisando pedaços de caixas de plástico. O rapaz moreno e forte deu um puxão que fez Thiago ficar de pé em apenas uma ação de Sil.
-Obrigado… – Sem jeito, Thiago batia a poeira do joelho – O que tinha dentro dessas caixas Sil? Se esses desgraçados da empresa de luz não ligarem logo a energia desse quarteirão, vai ser muito difícil continuar o nosso serviço, mesmo faltando menos de meia hora pra amanhecer.
– Sim, ainda mais que os óculos de visão noturna não vão servir pra nada. Enfim, Essas caixas continham umas coisas muito estranhas… – Sil coçou o cabelo loiro e redondo com uma bola de futebol.
– O que, por exemplo? – Questionou Katherine
Sil passou por todo o saguão carbonizado e subiu a escada de mármore que ficava no fundo, que tinha os seus seis primeiros degraus negros. Voltou trazendo três pedaços de caixas azuis de plástico e as jogou na frente de Thiago, fazendo uma nuvem de cinzas subir rapidamente no verde dos óculos de visão noturno.
– O! Mais delicado – Thiago abanava a poeira.
– Foi mal. Então, na etiqueta desta caixa ta marcado “240 fraldas descartáveis” – Também ventilando a poeira, Sil fazia esforço para ler um adesivo quase apagado que estava grudado no lado do outro resto de caixa – E nessa aqui “300 tampas de garrafas Pet”…nossa, nem sabia que garrafa Pet já teve tampa.
– Pararam de serem usadas há muito tempo, antes do lacre a vácuo de alumínio, pois demoravam mais ou menos 150 anos para se decompor na natureza – Katherine assustou a dupla de detetives, que a olharam acuados. Mostrou para eles o Tablet, do qual puxou rapidamente as informações sobre os produtos.
– O que mais tinha nas caixas lá de cima Sil? – Disse Thiago ainda olhando para Katherine.
– Trezentos e poucos bonecos de plástico do Papai Noel, Latas de Alumínio organizadas por quilos…
-Interessante… Assim como fraldas descartáveis, a pesquisa assimilou algumas palavras chaves desses materiais, e o período de decomposição foi o mais relacionado entre elas – Katherine disse enquanto digitava rápido no aparelho.
– Toda essa porcaria vale muita grana, sabiam disso? – Katherine estralou os dedos fechando e abrindo a mão, antes de voltar a digitar.
-Claro! Isso é uma mina de ouro para qualquer um que queira trabalhar com reciclagem, ou pelo menos vender isso pra alguma multinacional – Thiago coçou a barriga por baixo da camisa listrada em três cores.
– Mas então por que alguém tacaria fogo nisso tudo? – Questionou Katherine.
Os três ficaram quietos por alguns minutos.
Quando o sol já estava cegando os óculos de visão noturna, receberam a noticia de uma ocorrência que havia ocorrido a poucos quilômetros dali.
Legado tostado e quebrado
Três picapes avançaram contra uma blitz realizada na Rua Santo Antonio, próximo ao viaduto nove de julho, as quinze para as seis da manhã. Houve uma troca de tiros, uma delas conseguiu ser derrubada. Os três indivíduos que estavam dentro do veiculo “reagiram” e foram mortos pela Recon.
Os detetives foram recebidos apenas pela confusão daquela ocorrência. Os corpos faziam um caminho irregular até o veiculo capotado. Um rastro que misturava sangue e vidro. Caixas azuis iguais àqueles restos que Sil havia mostrado dentro do edifício 27 estavam espalhadas pela rua. Dentro delas havia garrafas de vidro marrom, agora esparramadas em pedaços, brilhando com a luz ainda inocente do sol da manhã.
– Cada caixa continha vinte e uma dessas garrafas. Algumas caíram das outras picapes – Katherine fotografava os corpos.
– Se esses carniceiros não tivessem atirado primeiro e perguntado depois, teríamos uma chance de saber algo. Mas… Às vezes esqueço o talento da Recon – Thiago olhou feio para alguns daqueles homens com seus uniformes pretos e colete creme, segurando seus fuzis, fazendo cara de nada muito parecida com um gato pego em flagrante.
– Pelo menos agora já temos uma pista de quem foi o mandante – Sil batia no chão, fazendo uma batida acompanhada pelos pedaços de caco de vidro.
– Sim, temos três grupos de herdeiros que sabiam o conteúdo do local. E apesar do plástico e fraldas queimadas, eu tenho certeza de que não tinha uma única caixa de garrafas lá dentro na hora do incêndio – Thiago respondeu por Sil, que teve de engolir sua resposta, bem menos completa.
– No fim, acho que a Recon ajudou a gente derrubando esses caras. – Katharine fechou o Tablet.
E como Thiago havia deduzido, não havia nenhuma caixa de garrafa.
Depois de Noves dias de intensa investigação e depoimentos, foi descoberto que a herdeira de Dorian Salomé, Arleth Salomé Yuriko, planejou o furto das garrafas e o incêndio. Elas seriam vendidas para uma empresa em Omã, por um total que ultrapassava os nove dígitos.
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