Desencantos em algumas questões têm me perturbado frequentemente. Sinto o pesar dos 60 anos. Os ângulos convexos e côncavos do espelho, ao refletir minha imagem, ditam a verdade. Não há como negar. A pele nunca mais será a mesma. Linhas tortuosas fazem parte da minha configuração facial.
Por um instante, gostaria de ser como o personagem Dorian Gray que não envelhece com os passar dos anos. Entretanto, não seria capaz de vender minha alma para tal vaidade.
É impressionante como as nuances são afloradas quando se envelhece. Parece até jogo de mau gosto da vida ordinária. São nos pequeninos gestos e planos diferenciados que tenho reparado substancialmente. Como gosto! É um prazer carnal de minha vivência. Inicia-se desde o despertar da pálpebra e estende-se ao fechar da mesma. Não há período certo. Mas, na maioria das vezes é no hábito noturno que se intensifica.
Por isso, gostaria de tratar algumas percepções sobre gosto estético, comida, artes, intervenções urbanas, as interações entre os seres e claro, música. Cada microcosmo junto forma a totalidade. Sou condizente ao que Kant formalizou no século XVIII. O começo se dá pela distinção entre o belo e o feio. Cabe perfeitamente a todas essas condições que gostaria de tratar, mesmo o filósofo tendo remetido ao campo da Arte. Os seres humanos são assim: somos atraídos pela beleza, pela virtude e desprezamos a feiura e a violência.
A meu ver, todo objeto e todas as emoções possuem um lado bom e ruim – ou belo e feio como propõe Kant -, depende do plano.
Partiremos para o princípio da estética. Ela procura compreender as contingências implícitas nos fatos respeitantes a arte e a crítica e quanto a natureza dos juízos circunscritos à própria arte. A estética, de forma generalista alarga a sua análise à natureza, e talvez, a um contexto mais vasto da percepção e da consciência sensorial.
O “belo” como tema central, postula o objetivo estético último que consiste numa participação ou associação com aquilo que é belo. Esta teoria manifestou-se de inúmeras vezes e colhe a sua mais forte influência nas teorias clássicas da imitação e da forma, tendo especial sucesso quando lida com a natureza e a mais ampla dimensão cosmológica que se reclamava para a arte.
Em um segundo ponto, a teoria da experiência estética determina que a estética se define por uma singular experiência mediada, cuja evidência é suprida pelos sentidos, que podem ser entendidos de duas maneiras: como formas complementares de percepção ou como modificações da nossa consciência sensorial básica (tato, olfato, paladar, visão, audição).
A teoria depende, assim, de conceitos como atitude estética, percepção estética, e de intuições estéticas, sendo particularmente bem sucedida ao tratar de emoções e significados próprios que atribuímos às belas-artes. [Belo] é o termo genérico que descreve a revelação da ordem e da harmonia no universo. Michelangelo, Botticcelli, Picasso, Durchamp, Pasolini, Da Vinci que o digam.
Mais, essas duas exposições são somatizadas a uma terceira linguagem estética que define as sensações com maior rigor: a linguagem do gosto. Usamos a palavra “gosto” com diferentes significações. Seja o intuito de emitir juízos de valor; que dada pessoa tem bom ou mau gosto equivale a definir o modo como ela apela ao espectador. [Gosto] significa que reajo a algo de uma forma que é controlada pelo objeto, mas a reação que esse estímulo desencadeia em mim é específica da minha pessoa, é particular. Se não gosto de comédia fico indiferente às piadas, do mesmo modo que se não aprecio música, apenas escuto barulho.
A palavra “gosto” assume então um duplo significado: não só denomina o sentido que é despertado pelo contato com a língua, como se aplica a outro sentido que reage às propriedades estéticas das coisas. A experiência estética, por sua vez, é antes uma questão de experiência imediata. Naturalmente que quero perceber um poema, um quadro, ou uma composição musical. No entanto, a experiência pessoal que daí advém, ou as sensações suscitadas não se prendem apenas com uma questão de entendimento cognitivo. Admitindo que o gosto consiste num juízo sensorial, espera-se, então, que origine enunciados verdadeiros ou falsos, por analogia com o que se verifica com os restantes juízos sensoriais.
As ações corriqueiras, como por exemplo, as refeições, são banalizadas pelo ritmo de vida que temos. Tanta correria do dia a dia que mal prestamos a ter um “tempo” para nos alimentarmos adequadamente ou ao menos mastigar devagar os alimentos. Gosto de não me preocupar com tempo na hora em que a fome aperta. Uma prosa divertida no intervalo do trabalho apreciando a fumaça fresquinha do café. De reparar a manteiga que derrete toda no pão de sal ou no pão de queijo quentinho… É disso que pondero, Amigo Leitor! Uma reunião semanal com amigos. O almoço de domingo, por mais que tenha comida simples, pode se transformar em um grande banquete. Não precisaria necessariamente de castiçais, taças de cristal, prataria, bordados feitos à mão e vestimenta adequada como manda a etiqueta.
A estética nasce como discurso do corpo. Esse território totaliza a vida sensível como indica o filósofo alemão Alexander Baumgarten. Tudo aquilo que emerge da banalidade da inserção biológica do mundo. A experiência exige a mobilização sensorial e fisiológica do corpo humano; ela é uma atividade sensorial, prática, intelectual e emocional; é um ato de percepção e, portanto, existe sempre em função de um “objeto”, cuja materialidade, condições de aparição e de descrição histórica e social não são diferentes.
Joguemos para a música.
A palavra “música” vem do grego e significa “arte das musas”, que na mitologia grega representaram seres celestiais, divindades que inspiravam as artes e as ciências. Dentre os seres celestiais, eram nove: 1) Calíope – da poesia épica; 2) Clio – da história; 3) Erato – da poesia amorosa; 4) Eutírpe – da poesia lírica e da música chamada a que “dá pra fazer” e representada pela flauta dupla; 5)Melpômene – da tragédia; 6) Polínia – dos hinos sacros; 7) Tália – da comédia; 8) Terpsichôre – da dança e do coral chamada “a bailarina” e representada com lira e o plectro; 9) Urânia – da astronomia. Apesar desses vários pontos, a música pra mim é a coisa mais significativa que o Homem pôde inventar. Para uns, é o canal estreito para o encontro com Deus.
Na Antiga Grécia, a música sempre esteve vinculada a vida da sociedade e infiltrou-se em suas atividades profanas e religiosas, coletivas e particulares. Há poucos restos de obras conservadas, não se sabe decifrá-los com segurança e os processos de execução musical foram perdidos. Apenas sabe-se certamente que se trata de uma cultura musical totalmente diferente dos tempos de hoje.
Graças às pesquisas da escola de Delfos, exemplos dessa música nos três gêneros melódicos: diatômico, cromático e enarmônico, foi descoberto e transcrito para as anotações modernas. Seguem-se as descobertas: um fragmento enarmônico e um coro de tragédia Orestes de Eurípides (408 a.C.); dois hinos délficos a Apolo (130 a. C.); dois prelúdios para cítara à Musa (início da era cristã); um fragmento do epitáfio de Sicilo (século I); hinos ao Sol e a Nêmesis (século II) e alguns fragmentos vocais e instrumentais.
A melodia é o quinto elemento proposto pelo mestre Aristóteles para caracterizar a tragédia grega. Ele a considerava importante porque o acompanhamento instrumental fazia parte do teatro. Por mais de um milênio a música serviu de intermediário entre um ato e outro, com exceção do melodrama que se estendeu até o século XIX e que não teve ligação com a estrutura dramática.
Desde os primórdios a arte da música é exaltada e sentida pelos homens. Tal recepção chega a ser quase sobrenatural já que por muitas das vezes entramos num túnel do tempo… Uma determinada música nos faz permanecer em um espaço-tempo passado, presente ou por que não o futuro? Um melodia calma, assim como o sabor do chocolate ou o cheiro dum perfume nos propõe nostalgia e, em certas ocasiões, temos a noção do que esta por vir…
A música tem o poder de nos fazer entrar em um universo de idas e vindas do próprio sentir humano; nos oferecem raiva, rancor, moléstia, tristeza e, também, amor, felicidade, carinho e solidariedade.
Preciso de uma pausa, Amigo Leitor. Todas essas questões banais me deixam sem fôlego. Como o ser humano gosta de complicar, não é mesmo? Creio que é trivial discutir tais indagações. O momento econômico presente e sua política atroz radicalizam as interações humanas e suas consequências. Pela efemeridade dos acontecimentos as relações pessoais tornaram-se simbólicas.
Temos por exemplo, os canais de comunicação entre as pessoas. Seja através de telefonia móvel, seja pelas redes sociais. Há um emotion, ou uma placa que carrega um símbolo próprio para determinada situação. O raciocínio estendido é trocado por frases curtas ou, simplesmente, por poucas palavras quando o símbolo não explicita o significado real. Várias vezes me deparei com essas situações, e também fui vítima. Funciona como uma praga que se alarga facilmente. Me sinto parte do mecanismo da Revolução Industrial e olha que dois séculos já se passaram.
O capitalismo transforma-nos em robôs de semblantes iguais. Repare, disse igual, não parecido. A publicidade está aí para isso! O marketing, a ferramenta mais poderosa da publicidade não lhe oferece necessidade. Ele cria uma necessidade irrisória só para você comprar. E você compra, instintivamente ou por impulso, e ainda faz propaganda de graça. Não te culpo, Amigo Leitor. Acontece com todos. O mecanismo de controle deu certo. Louco não é aquele que vive em hospício. Louco é quem luta contra o sistema. O mundo passa por uma crise. Creio que o fim não será triste. O Capitalismo vai afundar nele mesmo. Tomara! O destino gosta de debochar de todos nós. Calma, Amigo Leitor! Espero não estar pegando pesado demais.
Estou quase no fim de minhas tortas ponderações. A rua é o lugar onde se encontram pessoas das mais variadas personalidades que acaba por ocasionalidade ou não, terem algum tipo de relacionamento social. Percebo que são nos espaços urbanos, o local físico apropriado das diferenças sociais que em sua macroambiência, ou seja, a cidade vista como um todo abraça a sociedade justamente por ser “ponto de encontro” dos indivíduos e das relações estabelecidas entre eles. O que dá continuidade ao que tratei anteriormente.
As intervenções urbanas fazem jus às interações humanas. Um grupo circense relevando sua arte, bandas se apresentando, teatro rolando ou cinema na praça, tudo ao ar livre são alguns exemplos que ocorrem para além de levar cultura, reforça medidas sociais. Não pretendo analisar esse fato psicologicamente porque aí sim nossa conversa renderia não um caldo, mas um banquete completo. Por tudo o que tentei explicitar, Amigo Leitor, é para mostrar o quanto de [Belo] há na simplicidade das coisas.
Muito obrigado!