Estrutura em linguística – Émile Benveniste

Ferdinand de Saussure, o pai da linguística, nunca utilizou o termo "estrutura" em seus escritos, no entanto, ele é considerado o precursor do estruturalismo em linguística, devido aos desenvolvimentos de linguistas no Circulo de Praga e acadêmicos franceses. Por fim, define-se estrutura como organização interna do sistema e a doutrina estruturalista como conjunto de ideias que ensina a predominância do sistema sobre os elementos e destaca a estrutura do sistema através das relações internas entre estes últimos.

Índice

Introdução

Apesar de Ferdinand de Saussure nunca ter utilizado o termo estrutura em seus escritos ou nas aulas que geraram o Curso de Linguística Geral, editado por seus alunos, o adjetivo estrutural e a designação de estruturalismo se tornaram fortes na passagem da primeira para a segunda metade do século XX[1].

Este artigo tem como objetivo, a partir da leitura de Émile Benveniste, passar pelos emaranhados históricos do uso da palavra em linguística e propôr uma descrição fiel ao uso geral do termo. Este uso, por sua vez, não é mais delimitado aos estudos linguísticos, mas segue para outras disciplinas como as ciências sociais, através dos trabalhos de Claude Lévi-Strauss. Para contribuir com uma descrição do significado do termo estrutura, utilizaremos o artigo “Estrutura” em linguística, publicado no livro Problemas de linguística geral, volume I.


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Do sistema à estrutura

O início do uso deste termo se deu através de um grupo de linguistas formado por R. Jakobson, S. Karcevsky, N. Trubetzkoy, que no fim dos anos 20, com objetivo de contrapor uma noção exclusivamente histórica da língua, colocaram em evidência a maneira sistêmica (considerada estrutural) retirada do Curso de Linguística Geral que “dissociava a língua em elementos isolados e se ocupava em seguir-lhes as transformações”[2]. A partir disso, Saussure ganhou fama de precursor do estruturalismo moderno, mesmo ele (com dito acima) nunca ter utilizado o termo estrutura, sendo adepto da noção de sistema. A língua, diz Saussure, é “um sistema de signos distintos correspondentes a ideias distintas”[3].

O sistema da língua é superior aos seus elementos, aos signos, separados. O todo tem primazia sobre as partes, portanto, as relações que unem os significantes e os significados entre si, assim como as que unem os signos entre si, são fator essencial para a concepção de sistema (e para a noção de estrutura).

Antoine Meillet e Maurice Grammont, filósofo e linguista franceses respectivamente, além de discípulos diretos de Saussure, são testemunhas da força da noção de sistema em seus ensinamentos:

Quando Meillet diz que ‘cada língua é um sistema rigorosamente organizado, em que tudo se liga’, é para atribuir a Saussure o mérito de o haver mostrado no sistema do vocalismo indo-europeu […] Igualmente Grammont louvava Saussure por haver mostrado ‘que cada língua forma um sistema no qual tudo se liga, em que os fatos e os fenômenos se comandam uns aos outras, e não podem ser nem isolados nem contraditórios’.[4]

O reconhecimento de que Saussure havia ensinado a noção de sistema como central na linguística geral é evidenciado pelos textos de seus alunos, entende Benveniste. Mais tarde, o termo estrutura seria utilizado nas “proposições redigidas em francês que três lingüistas russos, R. Jakobson, S. Karcevsky, N. Trubetzkoy, enviavam em 1928 ao 1.° Congresso Internacional de lingüistas em Haia com vistas a estudar os sistemas de fonemas”[5].

Em 1929, publicaram um conjunto de teses já utilizando este termo no 1° Congresso dos filólogos eslavos, que inaugurava Círculo linguístico de Praga. É possível ver um uso do termo relacionado às relações recíprocas internas ao sistema: “Não se pode determinar o lugar de uma palavra num sistema lexical a não ser após haver estudado a estrutura do dito sistema”[6]. Benveniste também ressalta a existência de artigos escritos em língua francesa pelos linguistas Bohuslav Havránek e Vilém Mathesius, ambos tchecos, com a presença da palavra estrutura.

Benveniste declara que o uso de Trubetzkoy permite esclarecer a noção de estrutura em relação a de sistema: a proposição de que toda língua tem um sistema é fundamental, porque a presença deste é condição necessária para a existência da estrutura. O sistema é o local em que se deve encontrar a estrutura:

Cada sistema, sendo formado de unidades que se condicionam mutuamente, distingue-se dos outros sistemas pela organização interna dessas unidades, organização que lhe constitui a estrutura […] Encarar a língua (ou cada parte de uma língua – fonética, morfologia, etc.) como um sistema organizado por uma estrutura que é preciso desvendar e descrever é adotar o ângulo “estruturalista”.[7]

André Lalande, filósofo francês, e Viggo Bröndal, linguista dinamarquês e então diretor do periódico Acta Linguistica, também expressaram a relação entre o uso do termo e do objetivo de descobrir relações próprias, organizações internas dos sistemas. Lalande esclarece que o termo estrutura deve ser usado “para designar, por oposição a uma simples combinação de elementos, um todo formado de fenômenos solidários tais que cada um depende dos outros e não pode ser o que é a não ser pela sua relação com eles”[8] , o que traça um paralelismo entre a linguística estrutural e a psicologia da Gestalt. Já Bröndal entendeu que o periódico que dirigia deveria alinhar suas pesquisas à importância que a noção de estrutura havia ganho em linguística.

Louis Hjelmslev, substituto de Bröndal na direção do Acta Linguistica, definiu, mais uma vez, a noção de estrutura. Neste momento, da seguinte maneira:

Compreende-se por lingüística estrutural um conjunto de pesquisas que se apóiam numa hipótese segundo a qual é cientificamente legítimo descrever a linguagem como sendo essencialmente uma entidade autônoma de dependências internas ou, numa palavra, uma estrutura…[9]

Assim, termina Benveniste, iniciou-se os usos dos termos estrutura e estrutural. Deste modo, foi o início da noção que se vê tão naturalizada nas letras e nas ciências humanas. Este emprego geral foi dissipador de infinitas propostas e programas de pesquisa. Em geral, tal termo foi utilizado em língua francesa, apesar de ser amplamente aplicado por pesquisadores de diversas nacionalidades.

A descrição canônica de Benveniste

Benveniste, após traçar o caminho do uso inicial do termo, propõe uma descrição dirigida ao emprego da palavra na linguística europeia de língua francesa:

O princípio fundamental é que a língua constitui um sistema do qual todas as partes são unidas por uma relação de solidariedade e de dependência. Esse sistema organiza unidades, que são os signos articulados, que se diferenciam e se delimitam mutuamente. A doutrina estruturalista ensina a predominância do sistema sobre os elementos, visa a destacar a estrutura do sistema através das relações dos elementos, tanto na cadeia falada como nos paradigmas formais, e mostra o caráter orgânico das mudanças às quais a língua é submetida.[10]

O autor, assim, organiza e condensa as formas e usos do termo já citados ao longo deste artigo e extrai uma definição pós-uso, que não pretende nortear um programa, mas entender uma prática.

Considerações finais

É partir desta noção de estrutura, feita primeiramente na teoria linguística, que as ciências sociais vão retirar seu fundamento inicial de pesquisa estrutural com a ideia de uma disposição de elementos relacionados, às vezes simples, com poucos elementos gerando poucas relações, outras vezes de maneira complexa, com vários elementos e várias relações. Tais elementos, podemos usar a noção de posição social como exemplo, são dispersos em suas relações, mas se organizam a partir de um conjunto de relações irredutível. Este conjunto é reduzido das relações totais do sistema. Este conjunto é a estrutura.

Referências

[1] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral. Tradução de Maria da Glória Novak e Luiza Neri; revisão do Prof. Isaac Nicolau Salum. São Paulo: Ed. Nacional, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976, p.97.

[2] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.98.

[3] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução: Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blinkstein. 32ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2010, p.17.

[4] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.99.

[5] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.100.

[6] Travaux du Cercle liguistique de Prague, I, Praga, 1929, p. 10. IN BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.101.

[7] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.102.

[8] Lalande, Vocabulaire de phílosophie, III, v. Structure. IN BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.103.

[9] Acta linguistica, IV, fasc. 3 (1944) IN BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.103.

[10] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.104.

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