10 princípios fundadores da pesquisa participante – Carlos Brandão

Esses dez princípios guiam o entendimento de o que é uma pesquisa participante, em que é fundamentada e quais são seus objetivos no interior de uma comunidade. De certo, a pesquisa participante é aquela em que o protagonista está naqueles que geralmente são fonte de dados: os participantes. Enquanto protagonistas, há uma nova relação que se constrói: em vez de sujeito-objeto, sujeito-sujeito.

Aqui, os dez princípios da pesquisa participante (BRANDÃO, 2006) e, entre parênteses, minhas observações:

1) O ponto de origem da pesquisa participante deve estar situado em uma perspectiva da realidade social, tomada como uma totalidade em sua estrutura e em sua dinâmica. (os fenômenos, portanto, tendem a ser observados como parte de uma estrutura que está, ao mesmo tempo, dentro e fora do local da pesquisa).

2) Deve-se partir da realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais e coletivos do processo, em suas diferentes dimensões e interações. (partir da realidade concreta dos participantes é, ao mesmo tempo, dividir o protagonismo da pesquisa com os participantes e, portanto, assumir que são “cossujeitos da nossa investigação“, mas também é delimitar o fenômeno e o problema àquilo que está marcado na própria experiência destes. Desta forma, as ações relacionadas à resolução do problema são coladas com as própria necessidades e dores dos participantes).

3) Os processos e as estruturas, as organizações e os diferentes sujeitos sociais devem ser contextualizados em sua dimensão histórica, pois é o fluxo e a integração orgânica dos acontecimentos de tal dimensão, aquilo que em boa medida explica uma realidade social. (novamente, é necessário a compreensão que um locus específico de um fenômeno específico não é uma realidade isolada do todo. A função da totalidade é criar condições para que se entenda a integração entre uma mazela local e o sistema geral que lhe comporta).

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4) A relação tradicional de sujeito-objeto entre investigador-educador e os grupos populares deve ser progressivamente convertida em uma relação do tipo sujeito-sujeito, a partir do suposto de que todas as pessoas e todas as culturas são fontes originais de saber e que é da interação entre os diferentes conhecimentos que uma forma partilhável de compreensão da realidade social pode ser construída através do exercício da pesquisa. O conhecimento científico e o popular articulam-se criticamente em um terceiro conhecimento novo e transformador. (Aqui, temos a descrição central da mudança no eixo de pesquisa que separada uma pesquisa tradicional e uma pesquisa participante: a relação sujeito-sujeito não é uma mera criação teórica, mas uma prática que pede o protagonismo dos participantes para a delimitação do fenômeno, do problema, das expectativas e da proposta concreta de solução. No fim da pesquisa, a autonomia é sistematizada em prática coerentes e cotidianas de tal maneira que a presença do pesquisador não nem mais necessária).

5) Deve-se partir sempre da busca de unidade entre a teoria e a prática, e construir e reconstruir a teoria a partir de uma sequência de práticas refletidas criticamente. A pesquisa participante deve ser pensada como um momento dinâmico de um processo de ação social popular. Ela se insere no fluxo desta ação e deve ser exercida como algo integrado e, também, dinâmico. As questões e os desafios surgidos ao longo de ações sociais definem a necessidade e o estilo de procedimentos de pesquisa participante. O processo e os resultados de uma pesquisa interferem nas práticas sociais e, de novo, o seu curso levanta a necessidade e o momento da realização de novas investigações participativas. (práxis enquanto palavra-chave para compreender os rumos de uma pequisa participante. Uma pesquisa, portanto, que se interessa pela prática e tem como consequência um acúmulo de conhecimento e não o contrário).

6) A participação popular deve se dar, preferencialmente, através de todo o processo de investigação-educação-ação. De uma maneira crescente, de uma para outras experiências, as equipes responsáveis pela realização de pesquisas participativas devem incorporar e integrar agentes assessores e agentes populares. O ideal será que em momentos posteriores exista uma participação culturalmente diferenciada, mas social e politicamente equivalente e igualada, mesmo que entre pessoas e grupos provenientes de tradições diferentes, quanto aos conteúdos e aos processos de criação social de conhecimentos. (a participação não é limitada e nem acessória. Não é uma participação instrumental que serviria para pontos específicos da pesquisa. A própria pesquisa como um todo é baseada na participação, daí também a necessidade de uma introdução de si na comunidade a ser pesquisada, da aceitação dos participantes para que a pesquisa possa acontecer enquanto participativa).

7) O compromisso político e ideológico do(a) investigador(a) é com os setores populares e com as suas causas sociais. Mesmo em uma investigação ligada a um trabalho setorial e provisório, o propósito de uma ação social de vocação popular é a autonomia de seus sujeitos na gestão do conhecimento e das ações sociais dele derivadas. É, também, a progressiva integração de dimensões de conhecimento parcelar da vida social, em planos mais dialeticamente interligados e interdependentes. (o compromisso, portanto, não é ligado a uma instituição ou outra, mas aos próprios participantes da pequisa e ao objetivo emancipatório da resolução de questões sociais).

8) Deve-se reconhecer o caráter político e ideológico da atividade científica e pedagógica. A pesquisa participante deve ser praticada como um ato político claro e assumido. Não existe neutralidade científica em pesquisa alguma e, menos ainda, em investigações vinculadas a projetos de ação social. No entanto, realizar um trabalho de partilha na produção social de conhecimentos não corresponde, em princípio, a pré-ideologizar partidariamente os pressupostos da investigação e a aplicação de seus resultados. Na maior parte dos casos, a pesquisa participante é um momento de trabalhos de educação popular realizados junto com e a serviço de comunidades, grupos e movimentos populares. É do constante diálogo não doutrinário de parte a parte que um consenso sempre dinâmico e modificável deve ir sendo também construído. (nenhuma ciência é neutra, na medida em que seu direcionamento, seus objetos privilegiados e sua própria epistemologia são particulares e dependentes de relações que estão para além de um conceito pífio de “verdade”. A produção do conhecimento é ligada, aqui, às necessidades da própria ação social dependente das necessidades dos próprios participantes da pesquisa).


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9) A investigação, a educação e a ação social convertem-se em momento metodológicos de um único processo dirigido à transformação social. Mesmo quando a pesquisa sirva a uma ação social local e limitada a uma questão específica da vida social, é o seu todo o que está em questão. E é a possibilidade de transformação de saberes, de sensibilidades e de motivações populares em nome da transformação da sociedade desigual, excludente e regida por princípios e valores do mercado de bens e de capitais, em nome da humanização da vida social, que os conhecimentos de uma pesquisa participante devem ser produzidos, lidos e integrados como uma forma alternativa emancipatória de saber popular. (ou seja, a pesquisa, mesmo que local, é imersa num contexto de pedagogia política que reafirma a presença do local no regional, no nacional e no global).

10) No que as aproxima, as alternativas de pesquisa participante da tradição latino-americana sonharam inovar, no todo ou em parte, as abordagens conhecidas e há muito praticadas como ações sociais com base em conhecimentos científicos, através do aporte de novas alternativas de trabalho junto a grupos e a comunidades populares. Seus ganhos teóricos e ideológicos possivelmente foram e seguem sendo maiores do que as suas realizações práticas. Essas novas abordagens motivavam-se a ser algo mais do que outras metodologias de acumulação e de aplicação de conhecimentos oriundos de investigações sociais voltadas a processos de promoção e/ou desenvolvimento social. (o sonho é a realização prática no contexto latino-americano, subalterno num economia global e produtor de um povo distante da emancipação).

Referência

C. R. Brandão. A pesquisa participante e a participação da pesquisa: um olhar entre tempos e espaços a partir da América Latina, pp. 34-37. IN C. R. Brandão, D. Streck (Orgs.). Pesquisa participante: a partilha do saber (pp. 13-48). Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2006.

*(as numerações foram colocadas por mim).

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