A constituição do sujeito moderno, por Michel Foucault – DROPS #51

FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 242-244.

Terminarei então dizendo que, por um lado, vemos nascer com o pastorado cristão uma forma de poder absolutamente nova. Vemos também – será esta a minha segunda e última conclusão -, vemos também se esboçar, a meu ver, o que poderíamos chamar de modos absolutamente específicos de individualização. A individualização no pastorado cristão vai se efetuar de acordo com um modo que é totalmente particular e que pudemos apreender justamente através do que dizia respeito à salvação, à lei e à verdade. É que, de fato, essa individualização, assim assegurada pelo exercício do poder pastoral, já não vai ser definida pelo estatuto de um indivíduo, nem por seu nascimento, nem pelo brilho das suas ações. Vai ser definida de três maneiras.


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Primeiro, por um jogo de decomposição que define a cada instante o equilíbrio, o jogo e a circulação dos méritos e dos deméritos. Digamos que não é uma individualização de estatuto, mas de identificação analítica. Em segundo lugar, é uma individualização que vai se dar não pela designação, pela marcação de um lugar hierárquico do indivíduo. Ela não vai se dar, tampouco, pela afirmação de um domínio de si sobre si, mas por toda uma rede de servidões, que implica a servidão geral de todo o mundo em relação a todo o mundo, e ao mesmo tempo a exclusão do egoísmo como forma central, nuclear do indivíduo. É portanto uma individualização por sujeição. Enfim, em terceiro lugar, é uma individualização que não vai ser adquirida pela reação com uma verdade reconhecida, [mas] que, ao contrário, vai ser adquirida pela produção de uma verdade interior, secreta e oculta. Identificação analítica, sujeição, subjetivação – é isso que caracteriza os procedimentos de individualização efetivamente utilizados pelo pastorado cristão e pelas instituições do pastorado cristão. É portanto toda a história dos procedimentos da individualização humana no Ocidente que está envolvida na história do pastorado. Digamos ainda que é a história do sujeito.

Parece-me que o pastorado esboça, constitui o prelúdio do que chamei de governamentalidade, tal como esta vai se desenvolver a partir do século SVI. Ele preludia a governamentalidade de dias maneiras. Pelos procedimentos próprios do pastorado, por essa maneira, no fundo, de não fazer agir pura e simplesmente o princípio da salvação, o princípio da lei e o princípio da verdade, por todas as espécies de diagonais que instauram sob a lei, sob a salvação, sob a verdade, outros tipos de relações. É por aí portanto que o pastorado preludia a governamentalidade. E preludia também a governamentalidade pela constituição tão específica de um sujeito, de um sujeito cujos méritos são identificados de maneira analítica, de um sujeito que é sujeitado em redes contínuas de obediência, de um sujeito que é subjetivado pela extração de verdade que lhe é imposta. Pois bem, é isso, a meu ver, essa constituição típica do sujeito ocidental moderno, que faz que o pastorado seja sem dúvida um dos momentos decisivos na história do poder nas sociedades ocidentais. Pronto. Agora terminamos com o pastorado. Da próxima vez, vou retomar o tema da governamentalidade.

 – Michel Foucault.

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