Num episódio específico do podcast Inteligência Ltda, comandado por Rogério Vilela, o youtuber Paulo Kogos foi interpelado pelo também youtuber Nando Moura acerca de sua participação no processo político de golpe no 8 de janeiro e sobre suas opiniões sobre a pandemia.
Ambos entraram em franco debate ausente de qualquer civilidade, por meio de xingamentos, jocosidades e ironias. Há algo de importante nisso e que irei tentar discorrer ao longo desta coluna: a expressão da direita é a forma da conquista. Utilizarei este episódio triste da internet brasileira como mote para falar sobre a falta de identificação das classes populares com a esquerda e a identificação fabricada por grupos como o MBL, pastores evangélicos e políticos latifundiários.
No debate que será nosso mote, Nando Moura, basicamente, praticou bullying com Paulo Kogos, o interrompendo, o rebaixando e guiando a conversa com uma postura agressiva e intransigente. Kogos, no auge de sua ingenuidade e pouca habilidade social, não conseguiu fazer o óbvio diante de sua fraqueza social: ir embora e deixar o incivilizado ser incivilizado sozinho.
A direita das redes sociais não tem conteúdo, ela tem forma. A forma da direita é o bate-boca, é o debate em que um deve falar mais alto que o outro. A direita brasileira conquista seu público justamente por isso.
Há uma distância considerável entre a forma e o conteúdo num debate político: o conteúdo pede tempo de estudo, pede uma argumentação com início meio e fim; já a forma pede uma retórica bem feita, em que a vitória é garantida quando o outro não consegue mais falar.
Este tipo de estratégia é comum não só de Nando Moura, mas também do MBL, dos membros do Brasil Paralelo, dos deputados de direita em plenário… Enfim, esta estratégia ultrapassa os limites das redes.
Não se trata de diálogo. É necessário compreender que a direita militante não dialoga, ela trava batalhas retóricas e isso revela um pouco de nossa própria cultura.
A cordialidade brasileira somada à pessoalidade que nossa cultura insere nos variados assuntos (mesmo que objetivos) tem resultados interessantes do ponto de vista da comunicação: o outro só é digno de ser escutado se eu gosto dele e, para gostar dele, eu preciso me identificar com ele. É complicado escutar o conteúdo que o outro fala sem uma identificação com a forma. É complicado escutar o conteúdo do outro quando o outro não expressa aquilo que eu mesmo expressaria.
A falta de conhecimento político para a geração de debates é com certeza um ponto que deve ser entendido como projeto da própria educação brasileira: uma educação ideológica voltada à fabricação de sujeitos que não devem se rebelar, que precisam se disciplinar tanto em relação ao corpo como em relação ao discurso. O sujeito político brasileiro é fabricado para 1) desacreditar na política (e entender “política” como “política institucional”) e 2) desacreditar na intelectualidade.
A fórmula é: na medida em que nunca me tornarei intelectual, na medida em que, historicamente, os intelectuais se aproveitam de mim e de minha classe social, então as palavras estranhas do intelectual são formas de me enganar. Eu não me identifico com elas e, assim, não garanto qualquer generosidade na minha escuta.
A empatia depende de identificação. Simplesmente, o outro ser um humano, não é o suficiente para gerar qualquer empatia na realidade cotidiana de uma sociedade de classes.
O intelectual é quase como a figura de um colonizador para uma população que se vê desescolarizada, excluída das instituições de ensino e dependente de subempregos. Não há diálogo possível.
Aqui, entra a figura do militante de direita que, ao perceber esta realidade, se situa num campo correlato: ressignifica a palavra diálogo, a transformando num momento em que “dois falam”. Ou seja, o diálogo como um momento em que dois sujeitos falam e escutam se transforma num momento em que dois falam sem necessariamente se escutarem. A forma é a da conquista, “ganho o debate conquistando o tempo da fala e lhe calando”.
Calar o intelectual é quase como um tesão particular para uma população oprimida por bacharéis. Tesão que é expresso em tirinhas comuns de jornais em que um matuto corrige um bacharel arrogante por meio de seu conhecimento prático que se iguala ou supera o conhecimento formal do formado. Um exemplo está na história abaixo:
A valorização do conhecimento informal somada a astúcia do matuto em se mostrar superior através de sua humildade é a arma perfeita para travar uma luta no campo ideológico contra a opressão de classe. O formado, necessariamente, seria um rico colonizador. A única postura correta do formado seria a da submissão ao matuto. Este tipo de conto é genial pela luta que trava, pela resistência que permite, mas é limitado do ponto de vista prática de um Estado-nação com sujeito políticos.
Além de criar um estereótipo do bacharel arrogante (que, na prática, passa a ser arrogante por não ser matuto), limita as ferramentas de resistência às relações interpessoais. Este é o ponto que a direita brasileira conseguiu compreender de um jeito eficiente.
O esquerdista, para a direita, é arrogante por ser distante da população e, ao mesmo tempo, esta direita se porta como possibilidade política de, no espaço pública, humilhar o intelectual esquerdista e “botá-lo” em seu lugar.
O tipo de debate visto no Inteligência Ltda é a forma geral da direita brasileira: grita mais alto, fala de maneira mais agressiva, não se importa com o conteúdo e tem total preocupação com a forma, com o silêncio do outro. O momento que antecede o silêncio é entendido como diálogo e o silêncio em si é entendido como vitória.
E, por fim, de maneira mais triste: o silêncio do Kogos representa justamente o capacitismo próprio da direita. O menino ingênuo, que já se declarou austista, é engolido por um incivilizado que fala grosso. Não há diálogo, pois, para a forma de comunicação da direita brasileira, o outro é um objeto que emite sons, não um sujeito que fala.
Já sou velho, mas olho para o mundo a partir de seu ineditismo, nunca sob o ranço interminável dos anciãos.