Análise do discurso – Michel Foucault

A noção Foucaultiana do discurso afirma que "o discurso é uma representação culturalmente construída pela realidade, não uma cópia exata." (...) No entanto há uma grande gama de críticas sobre essa teoria social – o quanto se nega a realidade material, se ela não permite agência, se algo precede o discurso, etc.

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O que é discurso em Michel Foucault?

O que é discurso para Michel Foucault? O discurso é um conjunto de enunciados regidos pelas mesmas regras. Essas regras, por sua vez, são encontradas na investigação sobre as condições de existência dos enunciados. A regularidade encontrada nas condições materiais de existência dos enunciados (suas condições de possibilidade) indicam este conjunto de regras.

O discurso não é um conhecimento, nem mesmo uma retórica ou um atributo da fala. Discurso é uma noção que se situa num nível pré-epistemológico, pré-conceitual, é justamente aquilo que fornece a base para a existência de uma ciência, de uma cultura, de uma visão, de uma disciplina, etc. Em conjunto com as relações de poder, os discursos fornecem as bases da existência da realidade social.

É possível enumerar alguns elementos do discurso:

  • O discurso constrói o conhecimento, portanto, regula através da produção de categorias de conhecimento e conjuntos de textos o que é possível de ser falado e o que não é (como as regras concedidas de inclusão/exclusão). Assim ele re/produz poder e conhecimento simultaneamente.
  • O discurso define o sujeito, moldando e posicionando quem ele é e o que ele é capaz de fazer.
  • O poder circula pela sociedade e, ao mesmo tempo hierarquizado, não é simplesmente um fenômeno que vai de cima para baixo.
  • É possível examinar regimes de poder através da desconstrução histórica de sistemas ou regimes como geradores de opiniões, significados e como discurso. Isso faz com que possamos ver como e por que algumas categorias do pensamento e linhas de argumentação se tornam geralmente verdades enquanto outras maneiras de pensar, ser e agir são marginalizadas.

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No entanto, há uma grande gama de críticas sobre essa teoria social – o quanto se nega a realidade material, se ela não permite agência, se algo precede o discurso, etc [2].

Essas críticas podem ser superadas rapidamente, pois, segundo Foucault, o discurso não é um tipo de ente metafísico, constituído a priori dos outros elementos da sociedade, no entanto, há uma precedência: um discurso não está sozinho na história e segue as relações já postas pelos saberes e pelas instituições já estabelecidas, que lhe dão uma determinada positividade. Na análise do discurso de Foucault, essa positividade desempenha o papel de um a priori histórico[3].

O discurso é justamente o conjunto de enunciados, sob uma dada formação discursiva, praticados ao longo do tempo, regidos pelas mesmas regras. A formação discursiva[4] é a regularidade existente na dispersão do conjunto de enunciados estudados (caso não encontre um sistema, uma regularidade na dispersão dos enunciados, então não há um discurso).

Essa regularidade, por sua vez, é feita por regras. As chamamos de regras de formação[5], pois são as orientações que os enunciados se enquadram para pertencer a uma dada formação discursiva (e ao discurso, consequentemente). A análise do discurso foucaultiana trata o discurso sempre sob uma prática discursiva, sempre em sua realidade, no fato dos enunciados ditos, não na possibilidade abstrata de um enunciado se realizar.

Sendo assim, com apoio do livro Arqueologia do Saber:

Pode-se então, agora, dar um sentido pleno à definição do “discurso” que havia sido sugerida anteriormente. Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apóiem na mesma formação discursiva; ele não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência. O discurso, assim entendido, não é uma forma ideal e intemporal que teria, além do mais, uma história; o problema não consiste em saber como e por que ele pôde emergir e tomar corpo num determinado ponto do tempo; é, de parte a parte, histórico – fragmento de história, unidade e descontinuidade na própria história, que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua temporalidade, e não de seu surgimento abrupto em meio às cumplicidades do tempo.[6]

Sendo que a formação discursiva é definida como:

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipo de de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva.[7]

A análise do discurso para Foucault

Transformar essa forma de compreensão da análise do discurso de Foucault em método para ser aplicada em análises textuais significa fazer perguntas como:

  1. O que está sendo representado aqui como verdade e como norma?
  2. Como isso é construído? Quais evidências são usadas? O que foi deixado de fora? O que está em primeiro plano e o que está em segundo plano?
  3. Quais interesses estão sendo mobilizados e quais não estão?
  4. Como isso tem se manifestado?
  5. Quais identidades, ações, práticas são possíveis/ou desejáveis/ou requeridas por esse modo de pensar/falar/compreender? O que é proibido? O que é normalizado e o que se torna patológico?

Em uma pesquisa, alcançar o discurso é definir os enunciados que lhe compõe e a formação discursiva que os organizam. A formação discursiva é um conjunto heterogêneo de enunciados, isso significa que a análise do discurso de Foucault busca dados de diversas fontes, diversos meios de distribuição, diversas esferas do conhecimento e diversas formas de enunciação. Sendo assim, buscar um discurso não é delimitar um conjunto de jornais, revistas, documentos, áreas do conhecimento ou sujeitos específicos, mas sim a união de todos esses dados na busca da regularidade que os ligam.

Para isso, é possível utilizar metodologias qualitativas e extenso recolhimento de dados documentais, além de técnicas de entrevistas. Não necessariamente uma hipótese da existência de um discurso se concretizará na análise, ou seja, é possível, no início da pesquisa, considerar que há um discurso específico que forma um objeto, mas perceber que não há, nos dados, relação suficiente para se delimitá-lo. Isto não significa que a pesquisa foi em vão, já que é possível encontrar as regras da existência de um enunciado específico e, em pesquisas subsequentes, imergir na definição de um outro discurso, diferente daquele imaginado no momento inicial da investigação.

Michel Foucault não criou um método ou uma metodologia de análise do discurso, nem mesmo utilizava os mesmo métodos de maneira universal em todas as suas pesquisas. Para o autor, a produção do método acontece segundo as necessidades do próprio objeto e a disposição dos dados. Métodos são concebidos como ferramentas que tem um uso particular e não necessariamente servem para qualquer pesquisa. Desta forma, a análise feita em História da Loucura, por exemplo, não é um modelo para outras pesquisas, mas somente uma referência do que pode ser feito. O conjunto de livros de análise do discurso de Michel Foucault servem como exemplo da criação e da utilização de ferramentas e métodos de análise, mas não como modelo unificado.

Apesar de lidar com grandes períodos, o autor também não é um historiador, na medida em que não aplica uma teoria da história em seus estudos. A arqueologia do saber produz uma história arqueológica, que é uma história composta por séries de enunciados que os descrevem em seu próprio jogo. A história é concebida como acontecimento e é marcada por rupturas e continuidades presentes nas estratégias do próprio desenrolar das relações de poder engendradas e dos tipos de saber constituídos.

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Referências

[1] M. Foucault, A Arqueologia do Saber (Londres: Routledge, 1972/1995 ed, trans R. Sheridan); ver também M Foucault, ‘Politics and The Study of Discourse’ in The Foucault Effect: Studies in Governmentality , Graham Burchell, Colin Gordon and Peter Miller (Chicago: University of Chicago Press, 1991), 53-72.

[2] Nancy Hartsock ‘Foucault on Power: A Theory for Women?’ in Feminism/ Postmodernism, Linda Nicholson(Londres:Routledge 1990), 1557-175; Paul Sawicki Foucault e o feminismo(e no interior do próprio feminismo); Feminism Interpretaion of Foucalt, Susan Hekman(Pensilvania: Universidade da Pensilvania, 1996); David Hoy, ‘’Foucalt and Critical Theory’’; The Later Foucalt, Jermy Moss (Londres, Sage, 1998), 18-32.

[3] FOUCAULT, Michel. O A Priori Histórico e o Arquivo IN: A Arqueologia do Saber. 8ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p.155.

[4] FOUCAULT, Michel. As formações discursivas IN: A Arqueologia do Saber. 8ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p.47.

[5] FOUCAULT, Michel. As formações discursivas IN: A Arqueologia do Saber. 8ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p.47.

[6] FOUCAULT, Michel. A Descrição dos Enunciados IN: A Arqueologia do Saber. 8ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p.143.

[7] FOUCAULT, Michel. As formações discursivas IN: A Arqueologia do Saber. 8ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p.47.

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