A Ideologia Alemã – Karl Marx: resumo

Até agora, os homens formaram sempre ideias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mútuas em função das representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam. Estes produtos do seu cérebro acabaram por os dominar; apesar de criadores, inclinaram-se perante as suas próprias criações. Libertemo-los portanto das quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. Revoltemo-nos contra o império dessas ideias. Ensinemos os homens a substituir essas ilusões por pensamentos que correspondam à essência do homem, afirma um; a ter perante elas uma atitude crítica, afirma outro; a tirá-las da cabeça, diz um terceiro, e a realidade existente desaparecerá. [1]

Capa da primeira edição russa de A Ideologia Alemã, de Karl Marx.
Capa da primeira edição russa de A Ideologia Alemã, de Karl Marx, lançado em 1932.

Em A Ideologia Alemã, Marx segue com as críticas iniciadas em Teses sobre Feuerbach, atacando simultaneamente o materialismo feuerbachiano e o idealismo hegeliano. O materialismo de Feuerbach pode ser compreendido por sua frase “o pensamento nasce do ser e não o ser do pensamento”. O pensamento, dessa forma, seria o produto da natureza e as instâncias sociais não passariam disso: conceitos como religião e liberdade seriam abstrações humanas materializadas apenas em suas instituições. Porém, utilizava do idealismo, ou, ao menos, da metafísica em algumas explicações sobre a ética da religião: a ideia é fundir a religião ao materialismo e à filosofia: “as épocas da humanidade não se distinguem senão por transformações de natureza religiosa. Não há movimentos históricos profundos senão aqueles que vão até o coração humano. O coração não é uma forma de religião, apesar de essa ter também o seu lugar no coração: é a essência da religião” (Starcke — Ludwig Feuerbach, pág. 168).


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É dessa tentativa de conciliar uma fé metafísica com um absoluto materialismo de que parte a crítica leninista a Feuerbach: “Mas a filosofia, a ciência das ciências, que, pretendia-se, paira acima de todas as ciências particulares das quais e a síntese, não foi apenas, para Feuerbach, uma barreira intransponível, um tabernáculo inviolável, mas ele próprio, como filosofo, ficou a meio-caminho, materialista por baixo, idealista por cima; não soube acabar com Hegel pela critica, mas a rejeitou simplesmente como inutilizável, enquanto que ele mesmo, tendo em vista a riqueza enciclopédica do sistema de Hegel, não realizou nada de positivo, não elaborou mais do que uma pomposa religião do amor e uma moral pobre, inoperante” (Lénin).

Para a crítica marxista, clique aqui e leia a resenha do Teses sobre Feuerbach.

Já o idealismo hegeliano pode ser definido enquanto um idealismo objetivo: a seu ver, a razão absoluta representada na história, é uma realidade que “se exterioriza” de maneira imediata na natureza, para voltar a si mesma dessa transformação sob a forma de espírito, ou seja, a ideia cria o real, e retorna enquanto metafísico. A ideia em si é o “demiurgo” (criador) da natureza e da história: o pensamento absoluto revela assim as leis do mundo como um vir-a-ser (não compreendido aqui exatamente como o Devir deleuziano); a realidade reflete as etapas do desenvolvimento dialético-lógico. Você pode também clicar aqui e ter uma imersão maior ao pensamento hegeliano.

Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, criticam o absolutismo da ideia ou o absolutismo da matéria: aprofundam o seu conceito de práxis, e criticam que as revoluções que ocorriam na Alemanha eram puramente ideológicas, como discussões em torno do Espírito Absoluto e conceitos subjetivos como “gênero”, “único”, e “homem”. Criticam os “jovens hegelianos” (filósofos alemães que procuravam tirar conclusões radicais da filosofia de Hegel, de suas bases fenomenológicas e dialéticas, para assim fundamentar a necessidade da transformação burguesa, incluídos entre eles nomes como Strauss e Stirner). Chamam esses hegelianos de esquerda de “carneiros que se julgam lobos, que balem de modo filosófico as representações da burguesia alemã”.[2]

Marx busca apresentar um oposto a Hegel adicionando elementos do materialismo de Feuerbach. A dialética é conservada, sendo um “movimento interno de produção da realidade cujo motor é a contradição”, porém, a contradição estabelecida agora em condições históricas reais, é a Luta de Classes. Nesse caso, a ‘extração’ de mais-valia do trabalhador e a sua alienação ocorrem em planos materiais, do trabalho, não sendo, portanto, uma alienação ou uma história do espírito. A existência seria, dessa forma, a relação do homem com seu meio. Ou: o trabalho exercido sobre a natureza e a sua subsequente divisão.

A ideologia consiste em separar a produção de ideias das condições históricas sobre as quais são produzidas, assumindo assim um poder superior e exterior à ação material dos homens, estabelecendo-se enquanto um poder espiritual autônomo, ou seja, não como resultado do pensamento de determinados homens que o produziram em seu trabalho espiritual, mas como entidades autônomas com existência a priori, descobertas por tais homens.

Em suma, o desenvolvimento do conceito de práxis e alguns temas que serão abordados mais extensamente em seu magnum opus (O Capital) são abordados aqui e a leitura é recomendada tanto como introdução ao materialismo histórico como aprofundamento à teoria marxista.

Você pode baixar A Ideologia Alemã de Karl Marx aqui.

Referências:

[1] MARX, Karl. A Ideologia Alemã. Edição e tradução de domínio público. 1932, p. 1.

[2] MARX, Karl. A Ideologia Alemã… p. 35.

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