A interpelação em Louis Althusser – DROPS #16

ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1980, p. 97-101.

Mas o reconhecimento de que somos sujeitos e que funcionamos nos rituais práticos da vida quotidiana. mais elementar (aperto de mão, o facto de você ter um nome, o facto de saber, mesmo se o ignoro, que você «tem» um nome próprio, que o faz ser reconhecido como sujeito único, etc.) dá-nos apenas «consciência» da nossa prática incessante (eterna) do reconhecimento ideológico, – a sua consciência, isto é, o seu reconhecimento – mas de maneira nenhuma nos dá o conhecimento (científico) do mecanismo deste reconhecimento. Ora é a este conhecimento que é preciso chegar, se quisermos, embora falando na ideologia e do seio da ideologia, esboçar um discurso que tente romper com a ideologia para correr o risco de ser o começo de um discurso científico (sem sujeito) sobre a ideologia.


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Portanto, para representar porque é que a categoria de sujeito é constitutiva da ideologia, que só existe pela, constituição dos sujeitos concretos em sujeitos, vou empregar um modo de exposição particular: suficientemente «concreto» para que seja reconhecido, mas suficientemente abstracto para que seja pensável e pensado, dando lugar a um conhecimento.

Direi numa primeira fórmula: toda a ideologia interpela 0s indivíduos concretos como sujeitos concretos, pelo funcionamento da categoria de sujeito.

Aqui está uma, proposição que implica que distingamos, por agora, os indivíduos concretos (por um lado, e os sujeitos concretos por outro, embora a este nível o sujeito concreto possa existir assente num indivíduo concreto.

Sugerimos então que a ideologia «age» ou «funciona» de tal forma que «recruta» sujeitos entre os indivíduos (recruta-os a todos), ou «transforma» os indivíduos em sujeitos (transforma-os a todos) por esta operação muito precisa a que chamamos a interpelação que podemos representar-nos com base no tipo da mais banal interpelação policial (ou não) de todos 0s dias: «Eh! você».

Se supusermos que a cena teórica imaginada se passa na rua, o indivíduo interpelado volta-se. Por esta simples conversão física de 180 graus, torna-se sujeito. Porquê? Porque reconheceu que a interpelação se dirigia «efectivamente» a ele, e que «era de facto ele que era interpelado» (e não outro). A experiência prova que as telecomunicações práticas da interpelação são de tal maneira que, ‘praticamente, a interpelação nunca falha a pessoa visada: chamamento verbal, assobio, o interpelado reconhece sempre que era a ele que interpelavam. Fenômeno estranho, que apesar do grande número dos que «têm a consciência tranquila», não se explica apenas pelo «sentimento de culpabilidade».

Naturalmente, para comodidade e clareza da exposição do nosso pequeno teatro teórico, somos obrigados a apresentar as coisas dentro de uma sequência, com um antes e um depois, portanto dentro de uma sucessão temporal. Indivíduos passeiam. Algures (normalmente nas costas destes) ouve-se a interpelação: «Eh! Pst!». Um indivíduo (90% das vezes é o chamado) volta-se, crendo-desconfiando-sabendo que é a ele que chamam, portanto reconhecendo que «é efectivamente ele» que é visado pela interpelação. Mas, na realidade, as coisas passam-se sem a mínima sucessão. A existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos como sujeitos são uma única e mesma coisa.

Podemos acrescentar: o que assim parece passar-se fora da ideologia (muito precisamente, na rua) passa-se de facto na ideologia. O que se passa de facto na ideologia parece portanto passar-se fora dela. É por isso que aqueles que estão na ideologia se julgam por definição fora dela: um dos efeitos da ideologia é a denegação prática do carácter ideológico da ideologia, pela ideologia: a ideologia nunca diz «sou ideológica». É preciso estar fora da ideologia, isto é, no conhecimento científico, para poder dizer: estou na ideologia (caso excepcional) ou (caso geral): estava na ideologia. É sabido que a acusação de se estar na ideologia só é feita relativamente aos outros, e nunca relativamente ao próprio (a menos que se seja verdadeiramente spinozista ou marxista, o que neste ponto corresponde exatamente à mesma posição). O que equivale a dizer que a ideologia não tem exterior (a ela), mas ao mesmo tempo que é apenas exterior (para a ciência e para a realidade).

 – Louis Althusser.

“A interpelação em Lousi Althusser”. Veja aqui:

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