A ordem do Discurso, de Michel Foucault

A Ordem do Discurso, de Michel Foucault, é a transcrição de sua conferência inaugural no Collège de France, de 1970.

Nela, o filósofo costura os caminhos metodológicos de suas pesquisas anteriores acerca do discurso (História da Loucura na Idade Clássica (1961), O Nascimento da Clínica (1963) e As Palavras e as Coisas (1966)) e aponta para caminhos de observação das relações de poder, introduzindo sua perspectiva genealógica de maneira explícita.

Discurso em Michel Foucault

Ao longo desta aula, Foucault compreende que há ligações entre o discurso e o desejo. O autor declara que é necessário realizar uma arqueogenealogia da própria vontade de verdade presente no Ocidente desde Platão que é determinante na permanência e no exercício do poder que um discurso pode fundamentar.

Essa vontade de verdade, presente nas filosofias do Ocidente, exerce certa forma de coerção sobre os discursos, que precisam se referir ao verdadeiro para se legitimarem. Há, então, uma função coercitiva e restritiva em relação aos discursos, ou seja, uma forma específica de construir um arquivo no Ocidente que passa pela verdade e que poderia ser visto tanto no fato de que a Antiguidade Clássica valorizada discursos belos ditos por sujeitos detentores de status social elevado, enquanto a coerência interna passou a ser valorizada ao longo do tempo até chegar na modernidade.

Este arquivo poderia dar conta de explicar duas formas de existência do discurso no Ocidente: uma forma restrita a uma sociedade de iniciados e uma forma doutrinária, disseminada entre os não iniciados. Entretanto, mesmo a forma amplamente disseminada ainda assim era restrita por limites, supressões, interdições e fronteiras.

A sexualidade e a política, por exemplo, são dois temas sempre polêmicos e recheados de interdições nas sociedades ocidentais. É justamente a presença da interdição que mostra o quão potentes esses temas são em nossas vidas. A loucura é outro exemplo de discurso que, desde a Idade Média, não pode circular entre os demais discursos: justamente pela sua exclusão, demonstra-se que este discurso prevê certa liberdade ao seu praticante, que estando forma da norma ou dos ditâmes da razão, encontra-se num espaço de exploração e de busca por uma verdade de si.

Ao mesmo tempo, o poder da interdição está localizado nos hospitais psiquiátricos, nas famílias e está sob as mãos de médicos e piscólogos, que são os responsáveis pela escuta legítima do louco, na medida em que todo o restante da sociedade os rejeita.

Com base nisto, é possível dizer que há três formas de exclusão do discurso em nossa sociedade: a palavra proibida, a segregação pela loucura e a vontade de verdade. Essas três formas afetam dois grandes tipos de discursos: os discursos do dia a dia, discursos do cotidiano, comentários sobre livros e bate-papos casuais; e os discursos “eternos”, eternizados materialmente em livros, obras e ditos de forma a gravarem “em pedra” uma consideração supostamente original e definitiva sobre um tema ou assunto.

A análise preconizada por Foucault estabelece quatro movimentos:

  • um de inversão, que valoriza a pesquisa sobre a vontade de verdade em vez de valorizar uma verdade oculta que seria encontrada pelos enunciados científicos.
  • uma descontinuidade, que consideraria a história dos discursos como uma história propriamente arqueológica, ou seja, baseada na prática discursiva e não na cronologia histórica;
  • uma especificidade, que entende as regularidades do discurso em vez de entendê-lo como parte de uma evolução linear e progressista;
  • uma exterioridade, que entende os limites, portanto, as fronteiras do discurso.

Comentários sobre A Ordem do Discurso:

Segundo Simone Aparecida de Sousa[1]:

A contribuição de Michel Foucault para a Análise do Discurso é de suma importância, pois num estilo literário envolvente o autor reflete conceitos, analisa posicionamentos, na obra A ordem do discurso percebe-se que o enfoque, segundo o autor do discurso, não se encontra no sujeito, nem no enunciado, mas nas formulações discursivas.


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Segundo Caius Brandão[2]:

A ordem do discurso
A ordem do discurso, de Michel Foucault. Edições Loyola.

Portanto, não é trivial a tese de que Foucault tenha feito exatamente isto – lutar contra uma forma de poder, ao colocar em pauta a ‘ordem do discurso’ em sua aula inaugural no Collège de France. Se o papel da Universidade é manter certa classe social no poder; e se é verdade que a instituição deva que ser atacada em seu âmago para ser destruída, então, cogitar a subversão da ordem do discurso parece ter sido mesmo a melhor estratégia para questionar o papel de uma instituição de ensino. Tanto a Universidade, quanto a família, o manicômio e a prisão são instituições que foram alvo da genealogia do poder que Foucault desenvolve ao longo da sua vida de trabalho. Para ele, essas lutas contra o poder são apenas regionais… e as únicas possíveis.

Para Genilda D’Arc Bernardes[3]:

A importância dessa obra deve-se ao fato de ela constituir um elo de ligação entre História da loucura, As palavras e as coisas, Arqueologia do saber (todos da década de 1960, com análises voltadas para as condições de possibilidades das ciências humanas) e as que se seguiram ao maio de 68, centradas na apreciação da microfísica do poder. Com Vigiar e punir, Foucault busca desvendar a relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam, delineando artifícios que moldam e controlam os discursos na sociedade. Para o autor, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar”.

Resumo

Livro:A ordem do discurso
Publicação:1971;
Autor:Michel Foucault;
Precedido por:A arqueologia do saber (1969);
Seguido por:Isso não é um cachimbo (1973).

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Discurso em Michel Foucault

Referências

[1] SOUSA, Simone Aparecida de. Discurso, autor e sujeito dentro da obra A Ordem do Discurso de Michel Foucault: uma análise metadiscursiva. Acesso em 5 abr 2022. Disponível em <<https://bit.ly/36ZotBZ>>.

[2] BRANDÃO, Caius. A ordem do discurso, de Michel Foucault. Acesso em 5 abr 2022. Disponível em <<https://bit.ly/3jcdTKo>>.

[3] BERNARDES, Genilda D’Arc. A ordem do discurso (Michel Foucault). Sociedade e Cultura, V. 7, N. 2, JUL./DEZ. 2004, P. 247-250.

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