A lógica de produção e consumo capitalista tende a gerar a dissolução dos laços sociais e esta dissolução geraria ausência de empatia e altruísmo. Esta é provocação de nosso seguidor Bruno Brito, feita na Janta Filosófica A cidade, a mudança, a mistura e a festança.
É possível compreender, através de trabalhos como A corrosão do caráter de Richard Sennett para além dos próprios trabalhos de Zygmunt Bauman, que uma mudança de época reconfigurou as relações de trabalho (e, de maneira mais ampla, reorganizou as relações sociais, lhes deu novos valores). A vida pensada à longo prazo não faz mais sentido quando a rapidez da modernidade introduz o movimento enquanto signo corrente na experiência cotidiana.
O capitalismo de consumo, pautado nos postos de trabalho de produção e estruturado sobre eles gera possibilidades de construção de laços de maneira mais simples. Nem que sejam laços para oposição, não necessariamente para harmonia. Quando se trata do consumo no centro da sociedade, a coerção de classe é mais difícil.[1]
De certa forma, é possível perceber em vários ambientes de trabalho a construção de uma forma, de um laço, de um contrato de individualização. Os profissionais autônomos que trabalham como pessoas jurídicas, o home office, elementos que entrincheiram cada trabalhador em seu limite espacial e dificultam o engajamento, por exemplo, do ponto de vista da organização de classe.
O estabelecimento de laços não se limita à classe, mas na esfera do trabalho, este tipo específico de laço tende a ser simples, quase intuitivo. Entretanto, numa sociedade do espetáculo, com uma ideologia que consegue penetrar todos os cantos da vida, a produção de um selfmade man a partir da ideologia do empreendedorismo também insere o desejo da individualização, do isolamento, da competição.
A possibilidade de se criar sindicatos fortes no início do século estava ligada ao fato de não haver uma ideologia que destruía a consciência trabalhadora. Existe um espaço, portanto, que a ideologia não toca. O espaço da vida cotidiana, dos sensos comuns.[2]
Mas após a entrada da ideologia em todas as esferas da vida, este senso comum, este espaço de possível liberdade ou de possível criação contra hegemônica deixou de ser facilmente encontrado. Não há esfera da vida imaculada pela ideologia e, se esta ideologia assume características individualizantes, é próprio de nossa época uma resistência necessária no nível do sujeito. Mas uma resistência a quê? Bauman contribui:
O mercado é explícito e brutalmente incapaz de reparar os danos que causa. Ele cria problemas, mas não consegue resolvê-los. Não consegue resolvê-los. Para isso, é necessário um outro tipo de instituição. O mercado é poder puro liberado de qualquer limitação. Poder significa a habilidade de realizar coisas.[3]
Não é a estruturação de uma sociedade com base no consumo que irá resolver os problemas causados justamente por sua lógica. O consumo, por si só, não é um problema, mas o ímpeto ao consumo, a injunção ao consumo, “o desejo insaciável de continuar consumindo”[4], este sim é um fenômeno de nossa época que se impõe à realidade social e individual.
Funcionamos como acumuladores de experiências, “Desde o paleolítico os humanos perseguem a felicidade… mas os desejos são infinitos. As relações humanas são sequestradas por essa mania de apropriar-se do máximo possível de coisas”[5].
Mas existe uma solução? Novamente, Bauman:
A única solução radical que vejo é a consolidação de uma forma de vida, que tornará o sistema existente fora de uso. Quer dizer, encerrar-se o ceticismo de alguém contrair empréstimo para adquirir automóvel ou em nível de estados, de recorrerem ao endividamento para reduzirem os tributos para os muito ricos e adotar-se uma forma de vida que proporcionará – em algum grau – segurança para todos. Assim, em ambiente semelhante, os especuladores não poderão fazer muito.[6]
No entanto, o antagonismo da especulação na narrativa da miséria e sua possível superação através de movimentos locais tende a ser um caminho longo e coberto por barreiras que, sem organização, não serão superadas.
Referências
[1] A sociedade individualizada. Canal do Colunas Tortas, 2022. Acesso em 21 jun 2022. Disponível em <<https://www.youtube.com/watch?v=Z3evVmt4ma8&ab_channel=ColunasTortas>>.
[2] Idem.
[3] Zygmunt Bauman: “O mercado é brutalmente incapaz de reparar os danos que causa”. Colunas Tortas, 2016. Acesso em 21 jun 2022. Disponível em <<https://colunastortas.com.br/zygmunt-bauman-o-mercado-e-brutalmente-incapaz-de-reparar-os-danos-que-causa/>>.
[4] “Não se pode escapar do consumo, revela Zygmunt Bauman”. Colunas Tortas, 2014. Acesso em 21 jun 2022. Disponível em <<https://colunastortas.com.br/nao-se-pode-escapar-do-consumo-revela-zygmunt-bauman/>>.
[5] Idem.
[6] Zygmunt Bauman, “seus netos continuarão pagando os 30 anos da orgia consumista”. Colunas Tortas, 2015. Acesso em 21 jun 2022. Disponível em <<https://colunastortas.com.br/zygmunt-bauman-seus-netos-continuarao-pagando-os-30-anos-da-orgia-consumista/>>.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.