O objetivo deste texto é apresentar as ideias centrais do artigo A Visão em Paralaxe, de Slavoj Zizek. Ele foi publicado pela New Left Review e reproduzido no Brasil num livro intitulado Contragolpes, de organização de Emir Sader.
A visão em paralaxe: o porco
Zizek explica o que se trata uma visão em paralaxe por meio do exemplo da tradução de porco para a língua inglesa atual: enquanto Pork se refere ao animal que é colocado no prato, é o alimento, já processado e pronto para o consumo; pig, por sua vez, é o animal em criação. O recorte de classes, segundo o autor, é claro: pig são os porcos dos fazendeiros saxões, desprivilegiados em relação aos conquistadores normandos, que utilizam o francês porc.
A “dimensão de paralaxe”, que Zizek toma como referência a elaboração do autor japonês Kojin Karatani, está exatamente na lacuna entre a produção e o consumo, no caso acima exposto.
Não se trata de diminuir, deduzir, destrinchar os dois conceitos até que se torne um só. Muito pelo contrário, Zizek argumenta que o que faz o trabalho de Karatani ser especial é o fato da análise começar a partir da oposição. Trata-se de não tentar deduzir dialeticamente opostos imiscíveis, mas de partir deles. A teoria do valor marxista é uma maneira elegante de explicar esta técnica.
Ao contrário das duas tendências da época, uma ricardiana, de argumentar que o valor de uma mercadoria advém do trabalho ao longo do processo produtivo, já uma segunda completamente relacional, pedestalizando a relação oferta x procura, a posição de Karl Marx em relação ao valor é uma tentativa de partir dos dois lados.
Não se trata de uma aliança dos opostos, nem de uma dedução, mas de estabelecer uma perspectiva de paralaxe. Com isso, o valor, em vez de ser unicamente criado durante todo o processo produtivo é, segundo o autor, somente potência, que é realizada na inserção do objeto no mercado (ou em qualquer processo de troca).
“Este salto mediante o qual é vendida e, assim, constituída efetivamente como mercadoria não é resultado de um autodesenvolvimento imanente do (conceito de) valor, mas um salto mortal comparável a um salto de fé kierkegaardiano, uma ‘síntese’ temporária e frágil entre valor de uso e valor de troca, comparável à síntese kantiana entre sensibilidade e entendimento. Em ambos os casos, dois níveis irredutivelmente externos um ao outro são reunidos”, afirma Zizek.
É aí que entra a noção de exploração marxista. Para Marx, “os trabalhadores não são explorados por lhes negarem o valor total de seu trabalho – os salários, em princípio, são “justos”, pois eles recebem o valor integral da mercadoria que vendem: sua força de trabalho. Em vez disso, são explorados porque o valor de uso dessa mercadoria não se refere por igual ao salário recebido, já que produz um novo valor maior do que seu próprio valor, e é esse valor que é apropriado pleos capitalistas”.
A visão em paralaxe: o salto de fé
Este salto de fé também é observado na própria linguagem. Concordando com Alfred Schuetz, Zizek diz que os significados compartilhados surgem a partir da crença na efetividade do significado no outro. Acreditamos que a palavra “pássaro” designa o objeto “pássaro” por que também acredito que assim é feito por todos, que todos também se utilizam dessa relação entre palavra e objeto, que todos designem o mesmo objeto pela mesma palavra. Sem esse salto de fé, para Zizek, a linguagem é impossível.
Segundo Zizek, “a ideia básica da visão em paralaxe é, portanto, que o próprio isolamento produz seu objeto”.
O autor ainda denuncia a crítica de orientação francesa por tentar reduzir a esfera econômica (esfera da produção material) a mais uma esfera social positiva e, desta forma, refazer a oposição economia x política de forma que uma não consegue ser analisada nos termos da outra sem a diminuição de sua importância estrutural. É essa tendência em desconsiderar a posição estrutural fundamental da esfera econômica (e determinante socialmente) que é praticada pela crítica de orientação francesa, que retiraria o lugar da crítica política marxista.
Apesar de partir do trabalho de Karatani, Zizek tece uma critica em relação ao sua solução para as questões de poder. Segundo Karatani, se o sufrágio universal, o voto secreto e a democracia parlamentar é a ditadura da burguesia, então a ditadura do proletariado pode ser correspondida em uma loteria. A votação por loteria passa a ser a solução encontrada em relação ao poder.
Haveria um centro de poder, mas vazio. Um lugar impossível de controle absoluto. Mas Zizek interrompe a análise de Karatani e se pergunta acerca da dizimação do próprio lugar do poder.
Zizek entende que este não seria este o objetivo da luta, pois abriria espaço e daria vazão à existência de líderes carismáticos, em que o poder “passa através e os guia magicamente”.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
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