Índice
- Introdução;
- Amostragem teórica;
- Sensibilidade teórica;
- Propósito teórico;
- Considerações finais;
- Referência.
Introdução
Com objetivo de descrever uma metodologia de geração de teorias, focada na coleta e organização dos dados e funcional para pesquisa qualitativa, a amostragem teórica funciona na contra-mão de uma pesquisa tradicional. Em vez do escopo de coleta ser delimitado de maneira prévia, ele é construído segundo a própria emergência da teoria a partir dos dados coletados.
Neste artigo, falarei sobre a amostragem teórica, conceito de Strauss e Glaser presente no livro The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research (1999).
Amostragem teórica
Na Teoria Fundamentada nos Dados de Anselm Strauss e Barney Glaser, a amostragem teórica (theoretical sampling) é o processo de coleta de dados que acontece na mesma etapa da análise e é guiado pela teoria que tende a emergir dos dados coletados anteriormente.
Sendo assim, trata-se de um processo constante e cíclico em que a teoria emergente gera a necessidade intencional de escolher grupos para coleta de dados com vistas a fundamentá-la.
Segundo os autores:
Theoretical sampling is the process of data collection for generating theory whereby the analyst jointly collects, codes, and analyzes his data and decides what data to collect next and where to find them, in order to develop his theory as it emerges (STRAUSS; GLASER, 1999, p.45).
O processo de coleta é, então, controlado pela teoria emergente. Se, inicialmente, os critérios para coleta de dados são baseados em uma perspectiva sociológica genérica e na própria concepção do problema ou da área a ser estudada, as primerias análises dos dados coletados já podem exigir a coleta de mais dados para fundamentar uma teoria que está somente em seu nascimento.
É interessante frisar que nem a análise dita nos parágrafos anteriores nem a coleta de dados são baseadas numa teoria prévia. Ou seja, a análise que é feita enquanto os dados são coletados é relativa à organização dos dados da pesquisa, sua relação ou correlação, aos conjuntos que se pode formar entre os dados, etc. Por isso, os conceitos iniciais que o pesquisador leva para o início da pesquisa são incipientes, são conceitos “locais” que servem para guiá-lo.
These concepts give him a beginning foothold on his research. Of course, he does not know the relevancy of these concepts to his problem – this problem must emerge – nor are they likely to become part og the core explanatory categories of his theory. His categories are more likely to be concepts about the problem itself, not its situation (STRAUSS; GLASER, 1999, p.45).
As categorias, por sua vez, emergem da própria prática analítica e comparativa do pesquisador em separar e torna visível o problema do fenômeno pesquisado. Desta forma, conceitos iniciais são relevantes para conduzir uma primeira coleta de dados, que será refeita até o saturamento das categorias que se manterem em seu valor explicativo de acordo com a teoria que emerge dos próprios dados.
Sensibilidade teórica
Este processo pede que o pesquisador tenha uma habilidade específica: sensibilidade teórica (ele precisa ser theoretically sensitive) para observar a teoria (e o próprio problema) surgindo dos dados. Strauss e Glaser afirmam que há três características de um pesquisador com sensibilidade teórica:
- habilidade de se questionar em diferentes momentos sobre sua teoria: para que serve? Como foi concebida? Quais tipos de modelos ela usa?;
- ela precisa de uma inclinação temperamental e pessoal;
- ela envolve a habilidade de um pesquisador em gerar insights teóricos dentro de sua área de pesquisa.
Esta sensibilidade pode ser perdida através de determinados processos específicos que a academia tende a inserir seus aspirantes a pesquisadores: quando são orientados a seguir somente uma teoria pré-concebida, de tal maneira que se limitam a um mundo teórica particular evitando (ou se incapacitando) de olhar ao redor e absorver outras formas de conceber um fenômeno. Segundo os autores, um pesquisador assim “becomes insensitive, or even defensive, toward the kinds of questions that cast doubt on his theory; he is preoccupied with testing, modifying and seeing everything from this one angle” (STRAUSS; GLASER, 1999, p. 46). Assim, a teoria dificilmente emerge dos dados, mas é gerada a partir das concepções anteriores ao próprio início do processo de coleta de dados e análise.
Propósito teórico
Assim, entende que a busca por novos dados que sejam relevantes para a geração da teoria fundamentada está alicerçada por uma intenção específica, por um propósito e relevância teórica (“theoretical purpose and relevance” (STRAUSS; GLASER, 1999, p. 48)).
Após cada início de análise, caberá ao pesquisador se perguntar “quais grupos ou subgrupos serão os próximos para coleta de dados?”, ou seja, para onde eu devo guiar minha coleta de dados tendo consciência de uma teoria que está em processo de emersão dos dados que eu já tenho? Este ato exploratório permite que a teoria ganhe vida de maneira original, estando sempre colada aos dados, próxima aos dados, atendendo aos requisitos de uma geração controlada.
O critério exposto para a nova coleta de dados pode parecer muito flexível, mas ele não tem como objetivo estabelecer verificações com os fatos. Ou seja, não se trata de um objetivo focado na verificação da teoria. Seu propósito está na geração da teoria fundamentada nos dados, desta forma, de uma teoria cujo processo de criação pode ser descrito e analisado. Porteriormente, a própria teoria pode ser verificada incansavelmente dentro de seus limites.
Ao mesmo tempo, este critério mostra uma vantagem em relação a rotinas de pesquisa pré-concebidas: evita que o pesquisador colete dados irrelevantes aos problemas que surgem dos dados iniciais, evita que identifique inúmeros problemas mas que não consiga conceitualizar e compreender nenhum deles. Permite, portanto, um aprofundamento teórico por meio da escolha intencional do caminho a ser explorado. A pesquisa, assim, tende a ser necessariamente rica, pois os dados mostrarão relevância aos problemas delimitados
Considerações finais
A amostragem teórica é uma maneira de conduzir a coleta de dados em conjunto com a análise, amplicando a exploração feita sobre os dados com fins de atingir uma descoberta específica: uma teoria fundamentada em dados. Trata-se de uma condução passível de ser vista como flexível em demasia, entretanto, ao evitar um roteiro pronto à coleta, ela mostra vantagens na riqueza de dados que são coletados conforme a teoria emerge dos próprios dados anteriores já coletados inicialmente.
Desta forma, em vez de focar na verificação ou de se situar na busca por uma explicação baseada em teoria já prontas, o uso da amostragem teórico permite que a originalidade de uma teoria emerge dos próprios dados, pois foca justamente me sua geração e nas possibilidades que o processo sensível de geração de teorias pode entregar a um pesquisador sensível teoricamente.
Referência
STRAUSS, A.; GLASER, B. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research. Editora : Aldine, 1ª edição, 1999.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.