As escolas e o bolsonarismo

A tragédia que aconteceu nesta quarta-feira em Santa Catarina se junta a outras tantas, como o ataque em São Paulo, em março deste ano; em Monte Mor, fevereiro deste ano; Ipaussu, em dezembro do ano passado; ou até Aracruz, em novembro do ano passado.


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Há uma onda de violência em escolas, de ataques planejados que se assemelham aos casos estadunidenses, mas há também uma coincidência temporal: logo após a intensificação máxima do bolsonarismo e da naturalização da violência enquanto forma de resolver conflitos interpessoais, os números de ataque subiram, se concentraram neste início de ano e parecem pipocar sem muita ordem.

Antes de continuar esta coluna, preciso citar Chico Alves:

A patologia é tão grave que alguns políticos bolsonaristas propõem solucionar a barbárie lançando mão de ainda mais barbárie: sugerem armar os professores e colocar funcionários armados nas escolas.

Aliás, o bolsonarismo é, sem dúvida, um dos fatores que potencializaram esse clima de violência no país, com seu discurso de ódio. Mas seria simplificar muito a questão atribuir exclusivamente a Jair Bolsonaro tamanha culpa, como querem alguns.

O que esta citação nos traz de interessante? Primeiramente, o assassino de Santa Catarina é bolsonarista e promulgador de ideias armamentistas. A solução já incitada anteriormente, de armar professores ou de inserir profissionais de segurança armada dentro das escolas, seria um contrassenso, sendo que o próprio responsável pelo atentado era armamentista. Um coro pelo armamento ou pelo aumento de rondas escolares não parece ser o caminho e ainda guarda uma hipocrisia gigante da parte dos políticos bolsonaristas, que parecem não perceber o óbvio: o autor do atentado era bolsonarista e armamentista. Esta pessoa é o resultado do fanatismo pelo armamentismo.

É evidente que, como Chico Alves, também entendo que não há uma relação direta entre o bolsonarismo e o ataque às escolas, mas isso é óbvio. A relação é muito mais profunda e não está no nível da consciência. Há uma relação de violência e desforra distribuída na própria cultura, que está interpelando indivíduos em sujeitos. Esta relação não é escondida por transtornos mentais, surtos, ápices de raiva… Trata-se de uma relação anterior e mais profunda, uma relação que permite a existência das expressões violentas de uma pessoa supostamente instável psicologicamente. A invasão de escolas e o assassínio são práticas sociais por excelência, estão distante de uma emergência imprevisível que poderia atribuída a uma mente, a um indivíduo isolado.

É evidente que a participação de profissionais da saúde e principalmente da psicologia é extremamente necessária, mas eu acredito que não se trata de um problema individual – inclusive, a recorrência nos últimos anos tende a confirmar minha tese. Trata-se de um problema que se expressa em âmbito individual após se consolidar em âmbito coletivo, ou seja, após se cristalizar na própria estrutura de nossa cultura e, assim, constituir indivíduos em sujeitos.

Considero importante este tipo de olhar porque tende a retirar esta discussão de um campo vulgar de julgamento moral ou condenação psiquiátrica. Reduzir este tipo de evento a um problema psiquiátrico tende a desmoralizar a própria psiquiatria, que passa a ser uma figura de explicação que carrega consigo o fatalismo: só se explica aquilo que individualmente já aconteceu. O problema em si é escamoteado: a mudança em nossa cultura é esquecida e os últimos dez anos de revide conservador é anulado.

É justamente por isso que eu acredito que esta é uma posição conservadora: a única postura progressiva possível é a da admissão de que o problema está muito além dos indivíduos, é a da admissão de que a história recente do país é extremamente relevante para se entender o presente, é a da consciência de que uma análise reduzida a um indivíduo tende a cancelar o problema social em prol de um controle individual.

A postura conservadora, por ser individualista, não dá conta de compreender problemas que participam da ordem social. É por isso que eu imagino que qualquer abordagem sobre este problema precisa de um enfoque social.

A partir deste olhar, deixarei como finalização desta coluna um vídeo da jornalista Cynara Menezes em que se questiona se há realmente possibilidade de não politizar o ataque de Santa Catarina:


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