Por Rodrigo Barros, em colaboração com o Colunas Tortas.
Os conceitos de arquipolítica, parapolítica, metapolítica, ultrapolítica e pós-política se tornaram presentes nas análises e nos discursos de filósofos, cientistas políticos, sociólogos e demais comentadores e observadores dos cenários políticos – tanto nacionais como internacionais.
Meu objetivo com esse texto é tentar explicar, de forma acessível, quais os sentidos desses conceitos.
De início podemos dizer que esses conceitos são provenientes de uma mescla de teorias políticas: as do filósofo francês Jacques Rancière e do também filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Žižek. Ambos são sujeitos bastante atuantes dentro e fora da academia, cabendo ao segundo inclusive o título de “intelectual pop star”. Os trabalhos dos dois possuem referências diversas e interdisciplinares, sendo essa mescla capitaneada pelo Žižek, uma vez que Rancière é seu precursor.
Para Žižek, tais conceitos sintetizam as renegações (ou perversões, no sentido psicanalítico) da política em nosso tempo; seriam manifestações políticas predominantes em nossa sociedade e que, paradoxalmente, evitam a política por excelência — ou seja, evitam os conflitos que de fato importam, direcionando as atenções para uma outra cena e causando assim a despolitização. Comecemos então por descrever cada um deles.
Arquipolítica: designa os comunitarismos políticos, que procuram definir o social como um campo homogêneo, unificado e fechado, sem contradições, caracterizado por traços identitários fortes, tradições rígidas e mitos de fundação. Nos comunitarismos é comum a analogia da sociedade como um corpo orgânico que, para funcionar satisfatoriamente, cada parte pré-definida deve exercer suas funções sem questionamentos.
A dissidência é vista como sinal de doença ou invasão de corpos estranhos que ameaçam a totalidade da comunidade, tornando a extirpação necessária. Os movimentos neoconservadores da Europa, que buscam preservar identidades nacionais que estariam ameaçadas pela presença de estrangeiros, ilustram bem essa manifestação.
Parapolítica: aqui tratam-se das formas que almejam reduzir a política para o campo da democracia representativa, onde os conflitos são aceitos desde que sejam reformulados no âmbito da competição por votos e pela nomeação de representantes reconhecidos para ocupar o poder temporariamente. Seriam as maneiras de tentar domesticar a política pela lógica do consenso no Estado de Direito, dentro de regras claras, evitando que os antagonismos irrompam de modo que possam ser perigosos.
Encontramos a base teórica para isso em diferentes teóricos de diferentes correntes e escolas (Habermas, Rawls, Laclau e Mouffe). Os movimentos reformistas, que acreditam que mudanças graduais e consensuais são possíveis, poderiam exemplificar a parapolítica.
Metapolítica: ao contrário da parapolítica, a metapolítica não acredita que os antagonismos sociais possam ser resolvidos por meio dos representantes atuantes nas instituições do Estado de Direito — essas não seriam de fato relevantes. O importante não é o que acontece nas assembleias, mas na cena da economia. É a economia que determina o que realmente importa em todos os outros campos do social. Não é a toa que os modelos socialistas do passado (como o próprio stalinismo) são vistos como exemplos dessa metapolítica.
As opiniões e divergências de grupos são secundárias, o que importa é entender campo econômico e intervir, por meio de um líder, para que as reais mudanças aconteçam e as leis da História sejam seguidas (como nos moldes do materialismo dialético vulgar). A repressão política torna-se justificável para garantir que o objetivo maior e racional seja alcançado.
Ultrapolítica: a mais potente forma de renegação, já que trata da própria militarização da política nos moldes do conceito de política de Carl Schmitt, com o sendo uma guerra aberta dos aliados contra os inimigos ao ponto não somente de vencê-los, mas de eliminá-los completamente. Não haveria regulação alguma entre esse embate.
Os movimentos fascistas ou populistas que adotam os lemas de “nós contra eles” personificam bem esse tipo, criando símbolos chauvinistas e bodes expiatórios. Eles buscam condensar a variedade ideológica em apenas dois polos que devem se digladiar a todo custo.
No Brasil temos o a vivência diária da ultrapolítica na polarização de “coxinhas e mortadelas”, do Lula contra o Bolsonaro, não importando os meios para se garantir a vitória.
Pós-política: esse tipo adentra acompanhado do discurso da pós-ideologia, muito difundido por autores como Fukuyama, que defende que as ideologias não seriam mais presentes no nosso mundo, pois o mesmo teria superado tais embates ao final da Guerra Fria. Então não caberiam mais disputas políticas a respeito do econômico, do político e do social; no lugar disso caberia encontrar gestores e tecnocratas inteligentes, responsáveis e neutros (imparciais, sem ideologias) para gerenciar a sociedade; uma elite formada por déspotas esclarecidos. A pós-política também se anuncia como “nem de direita e nem de esquerda”, com um posicionamento difuso, mesmo quando claramente defende um ponto ideológico.
Um exemplo escancarado do que nos referimos aqui é a figura de João Dória, que mesmo representando um programa neoliberal, se apresenta como um gestor neutro e não como um político. Mas antes que se confunda, a pós-política não é exclusiva da direita política, tendo movimentos da esquerda aderido a essa lógica ao renunciar as pautas classistas e se concentrar em demandas rasas que seriam possíveis de se resolver com “boa gestão”.
Esses tipos não necessariamente existem isolados, de forma autônoma. Muitos grupos e atores políticos incorporam mais de um tipo em suas práticas, como o fascismo que faz a junção da arquipolítica com a ultrapolítica; a volksgemeinschaf do Terceiro Reich sintetizava bem a militarização da política e o sentido de comunidade pura que deveria ser preservada contra os corpos invasores.
Obviamente que essa “dissecação” de conceitos desperta questionamentos amplos, como o que é a política propriamente dita pra Rancière e para Žižek. Pretendemos fazer um texto futuro destinado a isso, mas as obras originais estão referenciadas e podem ser consultadas. Resta adiantar que a definição de política não é consenso entre eles.
Referências
RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. Paris: Editora 34, 1996.
ŽIŽEK, Slavoj. O sujeito incômodo: o sujeito ausente da ontologia política. São Paulo: Boitempo, 2016.
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