Os corpos dóceis – Michel Foucault

O corpo dócil é formado, na filosofia de Michel Foucault, através de técnicas de disciplina estabelecidas pela arte das distribuições espaciais, controle da atividade regular, organização das gêneses cronológicas e composição das forças em combinação. Para isso, a disciplina cria técnicas e encobre o corpo social através de variadas instituições, como o exército e a escola.

 Da série “A disciplina em Foucault”.

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Índice

O corpo dócil

O corpo dócil é um novo tipo de elemento compreendido pela sociedade capitalista em desenvolvimento, um tipo que remonta aos manuais do século XVII sobre a figura ideal de um soldado. Michel Foucault se empenha em descrever o corpo do soldado através dos detalhes de sua postura, da separação milimétrica de cada imperativo de movimentação e estática:

O soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia; e se é verdade que deve aprender aos poucos o ofício das armas – essencialmente lutando – as manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa parte, de uma retórica corporal da honra.[1]

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É por isso que, segundo a descrição de Louis de Montgommery[2], o soldado está sempre com postura ativa e alerta, cabeça direita, estômago levantado, ombros largos, braços longos, dedos fortes ventre pequeno, coxas grossas, pernas finas e pés secos, tudo para favorecer sua agilidade e força; O soldado deve marchar de acordo com a cadência de passos que lhe dê o máximo de graça e gravidade.

A figura do soldado ilustra o novo tipo de homem que, tempos mais tarde, seria objeto de esperança à tecnologia de poder disciplinar: o homem adestrado, milimetricamente construído, formado a partir de um trabalho minucioso, detalhado, demorado e recorrente. Um corpo dócil.

É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. Os famosos autômatos, por seu lado, não eram apenas uma maneira de ilustrar o organismo; eram também bonecos políticos, modelos reduzidos de poder: obsessão de Frederico II, rei minucioso das pequenas máquinas, dos regimentos bem treinados e dos longos exercícios.[3]

Chamamos de disciplinas o nome dos métodos que permitem controle minucioso das operações do corpo e o impõe constante assujeitamento a uma relação de docilidade-utilidade. São métodos de docilização dos corpos, de produção de indivíduos frágeis perante os desígnios do poder mas, diferentemente das práticas do poder soberano que incutiam medo, aptos a assumirem responsabilidades produtivas individuais.

O corpo dócil é um corpo útil e disciplinado, acima de tudo, produtivo. Os conventos, exércitos e oficinas são locais antigos de aplicação de métodos disciplinares, mas, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, se tornaram “fórmulas gerais de dominação”[4].

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula, e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”.[5]

Corpos que passaram a ser alvos de técnicas minuciosas, muitas vezes íntimas que definem o investimento político ao corpo, nova pedra bruta a ser lapidada, novo elemento a ser detalhadamente esquadrinhado e, portanto, objeto de uma nova microfísica do poder, que desde o século XVII alcançou o corpo social inteiro. Entretanto, esse alcance não foi determinado pelo Estado, mas apropriado por ele. As disciplinas são técnicas que se escondem em boas intenções, em motivações econômicas, em justificativas morais: elas ficam escondidas e, justamente por isso, pedem uma descrição.

Descrever as disciplinas que atacaram e constituíram os corpos dóceis é entender como esses elementos foram parte de uma mudança do regime punitivo, no limiar da época contemporânea, ao regime disciplinar, que opera nas instituições disciplinares da sociedade capitalista. o corpo é visto em detalhe, como vasto território a ser explorado, controlado e constituído. Marcado pelo poder. “A disciplina é uma anatomia política do detalhe”[6].

A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da escola, do quartel, do hospital ou da oficina, um conteúdo laicizado, uma racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo do ínfimo e do infinito.[7]

O olhar detalhado das disciplinas sobre os corpos depende de um conjunto de técnicas, processos e um saber específico do corpo, de modos de descrição, de receitas para aperfeiçoamento além de métodos de coleta e análise de dados. “E desses esmiuçamentos, sem dúvida, nasceu o homem do humanismo moderno”[8]. Esses conjuntos de técnicas podem ser separadas em quatro grandes grupos, tratados a seguir.

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A arte das distribuições

Primeiramente, a disciplina distribui os corpos no espaço utilizando quatro tipos de técnicas:

1) “A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação de um local heterogêneo a todos os outros e fechado em sim mesmo […] Houve o grande ‘encarceramento’ dos vagabundos e dos miseráveis; houve outros mais discretos, mas insidiosos e eficientes”[9].

Os colégios, em que o regime de internato aparece cada vez mais como modelo de educação, ou o exército e sua massa incontida, que precisa ser acalmadas para que não pilhem os locais de passagem e nem agridam os moradores. por fim, a fábrica também entra no eixo de um espaço de distribuição de corpos, uma cidade fechada que só está disponível para indivíduos selecionados por tempo limitado, sempre em constante vigilância.

2) A disciplina trabalha os corpos sob o “princípio da localização imediata ou do quadriculamento. Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo. Evitar as distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas; analisar as pluralidades confusas, maciças ou fugidias. O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quando corpos ou elementos há a repartir”[10].

Os indivíduos são separados racionalmente para que se comportem, para que não vadiem, não desertem e não aglomerem-se. Neste espaços, as presenças e ausências passam a ser observadas com cuidado, assim como o monitoramento de indivíduos, facilidade em encontrá-los, o estabelecimento de comunicações úteis entre os vigilantes e silêncio entre os vigiados: cada um é observado em seu espaço individual, cada indivíduo tem a atenção necessária à boa gestão dos corpos. “A disciplina organiza um espaço analítico”[11].

A cela do convento como procedimento arquitetural e religioso entra em cena: local de solidão do corpo e da alma. Local de aprimoramento do corpo e da moral, com fins à utilidade e docilidade.

3) A partir disso, a “regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil”[12].

Foucault exemplifica com Rochefort, comuna francesa com um porto militar, local de circulação de pessoas e transmissão de doença. O hospital marítimo, então, deve cuidar de todos os doentes, mas, ao mesmo tempo, deve ser um filtro, coletar dados, separar doentes e doenças, detalhar sua identidade, separar leitos, registrar toda informações relevante para o controle. Aqui, a vigilância média entra em contato com controles de outro tipo: “militar sobre os desertores, fiscal sobre as mercadorias, administrativo sobre os remédios, as rações, os desaparecidos, as curas, as mortes, as simulações”[13].

4) “Na disciplina, os elementos são intercambiáveis, pois cada um se define pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que o separa dos outros. A unidade não é portanto nem o território (unidade de dominação), nem o local (unidade de residência), masa posição na fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação, o ponto em que se cruzam uma linha e uma coluna”[14].

A posição que a disciplina coloca dados indivíduo não é fixa nem isolada. Ao individualizar os corpos, a disciplina os distribui e os faz circular em meios as relações de poder.

Por exemplo, nos colégios dos jesuítas, as classes eram organizadas com uma massa de alunos em disposições binárias: uma classe de até trezentos alunos era dividia em grupos de dez, cada grupo com seu responsável, o decurião. Os grupos eram separados de tal forma que havia sempre um grupo rival, o que incitava um clima de guerra. Binarismo aplicado para a organização de massas.

É papel da disciplina organizar grandes multidões em multiplicidades organizadas, construir “quadros vivos”. Arrumar, observar, controlar, regularizar, inspecionar e constatar, todos verbos que passaram a ser importantes nos trabalhos das instituições disciplinares. O quadro faz um papel de duplo no século XVIII:

O quadro, no século XVII, é ao mesmo tempo uma técnica de poder e um processo de saber. Trata-se de organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo; trata-se de lhe impor uma “ordem”.[15]

O quadro tem funções diferentes para seus tipos possíveis de registro: para a economia, permite a medida de quantidades e análise de movimentos, para a taxinomia, caracteriza e constitui classes. Já na forma de repartição disciplinar, o quadro tem como função tratar a multiplicidade por si mesma, retirar dela o maior número de informações possível, relacioná-las e observar o maior número de efeitos possível na aglomeração organizada. Com o quadro, é possível caracterizar o indivíduo como indivíduo e colocá-lo em ordem em uma multiplicidade dada.

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O controle da atividade

Sob o domínio das disciplinas, o corpo é um elemento com atividades coordenadas e controladas através de cinco técnicas:

1) O controle do horário: “as comunidades monásticas haviam sem dúvida sugerido seu modelo estrito. Ele se difundiria rapidamente. Seus três grandes processos – estabelecer as cesuras, obrigar a ocupações determinadas, regulamentar os ciclos de repetição – muito cedo foram encontrados nos colégios, nas oficinas, nos hospitais”[16].

Cada minuto deve ser cronometrado e cada ação deve ser feito em seu respectivo momento. Chegar ao trabalho pela manhã, lavar as mãos antes de trabalhar, oferecer o trabalho a Deus, fazer sinal da cruz para, pro fim, iniciar a jornada de trabalho. Não se trata apenas de controlar a ordem das ações através de uma marcação cerrada do tempo a cada quadriculamento:

Procura-se também garantir a qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo o que possa perturbar e distrair; trata-se constituir um tempo integralmente útil […] O tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exercício.[17]

O tempo pago ao trabalhador deve ser empregado em tarefas pré-determinadas com aplicação útil e focada.

2) O controle externo do ritmo através da elaboração temporal do ato: “o ato é decomposto em seus elementos; é definida a posição do corpo, dos membros, das articulações. para cada movimento é determinada uma direção, uma amplitude, uma duração; é prescrita sua ordem de sucessão. O tempo penetra o corpo, e com ele todos os controle minuciosos do poder”[18].

Desta forma, a marcha de uma tropa é definida através de um programa, de um ritmo coletivo e obrigatório. É o programa que que define a elaboração do próprio ato e o impõe ao indivíduo, traduzindo um controle anátomo-cronológico do comportamento.

3) Controle de movimento através do momento em que o corpo e o gesto são postos em correlação: “o controle disciplinar não consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos definidos; impõe a melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, que é sua condição de eficácia e de rapidez”[19].

Assim, toda a combinação de micro movimentos é colocada em questão e organizada para resultar num fluxo total de gasto de tempo menor e rapidez maior. “Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente”[20].

4) A disciplina favorece a articulação corpo-objeto, definindo cada uma de suas relações:

Leve a arma à frente. Em três tempos. Levanta-se o fuzil com a mão direita, aproximando-o do corpo para mantê-lo perpendicularmente em frente ao joelho direito, a ponta do cano à altura do olho, apanhando-o batendo com a mão esquerda, o braço esticado colado ao corpo à altura do cinturão. No segundo, traz-se o fuzil com a mão esquerda diante de si, o cano para dentro entre os dois olhos, a primo, a mão direita o apanha pelo punho, com o braço esticado, o guarda-mato apoiado sobre o primeiro dedo, a mão esquerda deixa o fuzil e cai ao longo da coxa, a mão direita o eleva, com o fecho para fora e em frente ao peito, com o braço direito meio esticado, o cotovelo colado ao corpo, o polegar estendido contra o fecho, apoiado ao primeiro parafuso, o cão apoiado sobre o primeiro dedo, o cano a prumo.[21]

O gesto global, no exemplo acima, é decomposto em duas séries paralelas de elementos do corpo que serão postos em jogo e do objeto manipulado, para depois serem colocadas em correlação uma com a outra segundo um conjunto de gestos simples (como dobrar, apoiar).

5) O princípio da utilização exaustiva é o ponto de produtividade e moralidade: “princípio da não-ociosidade; é proibido perder um tempo que é contado por Deus e pago pelos homens”[22].

A disciplina organiza uma economia dos movimentos que coloca em jogo uma utilização que cresce ao longo do tempo, isso significa que seus esforços estão em diminuir os espaços entre os instantes disponíveis para a movimentação, extrair mais utilidade do tempo. É através deste tipo de técnica que um novo tipo de corpo nasce e substitui o corpo mecânico: o corpo natural, composto por forças duráveis e suscetível a operações microscopicamente delimitadas e ordenadas, que depende de seu tempo, de suas condições internas e de todos os seus elementos constituintes.

O corpo, tornando-se alvo dos novos mecanismos do poder, oferece-se a novas formas de saber. Corpo do exercício mais que da física especulativa; corpo do treinamento útil e não da mecânica racional, mas no qual por essa mesma razão se anunciará um certo número de exigências de natureza e de limitações funcionais.[23]

Assim, este conjunto de técnicas de controle disciplinar inserem o indivíduo numa rede de técnicas contemporâneas de classificação e enquadramento, de individualização e de calculo da multiplicidade total dos corpos em jogo. O corpo, que deve ser dócil em todas as mínimas operações, passa a ser visto através de olhares que não só o individualizam analiticamente, mas também naturalmente, como organismo individual.

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A organização das gêneses

A época clássica também foi período de desenvolvimento de uma nova técnica para apropriação do tempo dos indivíduos, para reger as relações do tempo em relação aos corpos e as forças. Era necessário pensar em maneiras de capitalizar o tempo, torná-lo suscetível de utilização e controle através da organização das durações. As disciplinas organizam o espaço, decompõe as atividades e fazem parte das técnicas de adição e capitalização do tempo. Isso, a partir de quatro processos:

  1. O processo de divisão do tempo em segmentos, sejam sucessivos ou paralelos. Exemplo: “isolar o tempo de formação e o período da prática; não misturar a instrução dos recrutas e o exercício dos veteranos”[24].
  2. O processo de organização das sequências através de um esquema analítico:

    No século XVI, o exército militar consistia principalmente em uma pantomima de todo ou de parte do combate, e em fazer crescer globalmente a habilidade ou a força do soldado. No século XVIII a instrução do “manual” segue o princípio do “elementar” e não mais do “exemplar”: gestos simples – posição dos dedos, flexão da perna, movimentos dos braços – que são no máximo os componentes de base para os comportamentos úteis, e que além disso efetuam um treinamento geral da força, da habilidade, da docilidade.[25]

  3. O processo de finalizar os segmentos temporais e fixar-lhes um momento de prova, de exame, com função de indicar se o indivíduo avaliado atingiu o nível esperado para sua aprendizagem.
  4. O processo de estabelecimento de séries de séries: “prescrever a cada um, de acordo com seu nível, sua antiguidade, seu posto, os exercícios que lhe convêm; os exercícios comuns têm um papel diferenciador e cada diferença comporta exercícios específicos”[26]. O fim de uma série marca o início de outra e assim em diante.

O tempo disciplinar, assim, passara a se impor à prática pedagógica através da distinção entre o tempo de formação e o tempo adulto, do ofício adquirido. Ele impôs programas que se desenrolam fase a fase, cada uma com exercícios de dificuldade correspondente ao grau de evolução do período na série. O tempo da iniciação, controlado por um mestre e superado através de uma prova, foi substituído pelo tempo controlado através de séries múltiplas e progressivas.

Os procedimentos disciplinares revelam um tempo linear cujos momentos e integram uns nos outros, e que se orienta para um ponto terminal e estável. Em suma, um tempo “evolutivo” […] As técnicas disciplinares, por sua vez, fazem emergir séries individuais: descoberta de uma evolução em termos de “gênese”.[27]

Uma macro e uma microfísica do poder foram responsáveis por integrar as práticas das dominações e exercícios de controle com uma dimensão temporal, unitária e cumulativa. Antes do exercício adquirir essa forma estritamente disciplinar, ele já era encontrado nas práticas militares, religiosas, universitárias e cerimoniais. Inclusive, a introdução do tempo através de uma organização linear aconteceu tardiamente no exército e na escola com origem na organização religiosa: a ideia de um programa escolar de organização a partir de séries que se dividem com segmentações de idade e conhecimentos testados por uma avaliação apareceu primeiramente, assiná-la Foucault, num grupo religioso chamado Irmãos da Vida Comum[28].

Nas dependências do grupo protestante, os exercícios cotidianos eram colocados num nível de minuciosidade e complexidade, guiados pelo tema da perfeição conduzida pelo mestre exemplar que guia autoritariamente seus alunos série a série através do aumento gradativo das dificuldades dos exercícios. Esses exercícios fabricavam o indivíduo singularmente, desenvolviam aptidões através de ações microscópicas, mas, apesar de individualizadas, eram sempre úteis ao coletivo.

“Sob sua forma mística ou ascética, o exercício era uma maneira de ordenar o tempo aqui de baixo para a conquista da salvação”[29]. Assim, é possível economizar tempo da vida, acumular o tempo útil e exercer o poder sobre os corpos a partir de um tempo organizado. O exercício, desta forma, foi o elemento de sujeição de uma tecnologia política do corpo e da duração.

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A composição das forças

A separação dos indivíduos em grandes corpos coletivos não traduz automaticamente uma diferença qualitativa do grupo e da soma das partes. Foi necessário que as disciplinas atendessem a uma nova exigência: a construção de uma máquina que elevasse seus efeitos ao máximo através da articulação das partes que a compõem.

“A disciplina não é mais simplesmente uma arte de repartir os corpos, de extrair e acumular o tempo deles, mas de compor forças para obter um aparelho eficiente”[30]. Para satisfazer este objetivo, é necessário observar três novos atributos da prática disciplinar:

  1. O corpo passa a ser um elemento de articulação com outros corpos: “Sua coragem ou força não são mais as variáveis principais que o definem; mas o lugar que ele ocupa, o intervalo que cobre, a regularidade, a boa ordem segundo as quais opera seus deslocamentos”[31].
  2. As séries cronológicas estabelecidas pela disciplina devem se combinar na formação de um termo composto: “O tempo de uns deve-se ajustar ao tempo de outros de maneira que se possa extrair a máxima quantidade de forças de cada um e combiná-la num resultado ótimo… Não há um só momento de vida de que não se possa extrair forças, desde que se saiba diferenciá-lo e combiná-lo com outros”[32].
  3. Um sistema preciso de comando para controlar as combinações de força deve se estabelecer: “a ordem não tem que ser explicada, nem mesmo formulada; é necessário e suficiente que provoque o comportamento desejado”[33].Um sinal deve bastar para que o mestre da disciplina indique a injunção necessária que seu assujeitado deve prontamente reagir de acordo com um código estabelecido. Esta técnica de treinamento deve maximizar a eficiência da resposta e reduzir o esforço necessário ao aprendizado.

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Considerações finais

Os corpos, em seu processo de docilização e em sua utilidade dócil, são alvos de quatro tipo de individualidade produzidos pela disciplina:

  1. Uma individualidade celular, pautada pela repartição espacial dos corpos;
  2. Uma individualidade orgânica, pautada pela codificação das atividades;
  3. Uma individualidade genética, pautada pela acumulação do tempo;
  4. Uma individualidade combinatória, pautada pela composição das forças.

Para isso, a disciplina produz quatro grandes técnicas:

  1. Constrói quadros;
  2. Prescreve manobras;
  3. Impõe exercícios;
  4. Organiza táticas, forma mais elevada da prática disciplinar, na medida em que constrói, com os corpos localizados em seus espaços, suas atividades já codificadas e aptidões formadas, aparelhos que maximizam o produto das diferentes forças precisamente combinadas.

É possível que a guerra como estratégia seja a continuação da política. Mas não se deve esquecer que a “política” foi concebida como a continuação senão exata e diretamente da guerra, pelo menos do modelo militar como meio fundamental para prevenir o distúrbio civil.[34]

A paz social nas sociedades modernas, de certa forma, existe através da presença do exército como dispositivo de ordem, mas também através da constituição de corpos dóceis através das disciplinas, de suas técnicas e de seus atributos.

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Referências

[1] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. 20ª ed. São Paulo: Vozes, 1999, p.117.

[2] MONTGOMMERY, Louis de. La Milice Française IN FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. 20ª ed. São Paulo: Vozes, 1999, p.117.

[3] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.118.

[4] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.118.

[5] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.119.

[6] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.120.

[7] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.121.

[8] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.121.

[9] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.122.

[10] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.123.

[11] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.123.

[12] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.123.

[13] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.123.

[14] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.124.

[15] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.125.

[16] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.127-128.

[17] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.128-129.

[18] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.129.

[19] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.129-130.

[20] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.130.

[21] Ordonnance du 1er janvier 1766, título X1, art. 2 IN FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. 20ª ed. São Paulo: Vozes, 1999, p.130.

[22] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.131.

[23] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.132.

[24] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.134.

[25] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.134.

[26] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.134.

[27] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.136.

[28] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.137.

[29] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.137.

[30] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.138.

[31] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.138.

[32] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.139.

[33] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.140.

[34] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão… p.141.

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4 Comentários

  1. Eu amei esse resumo. É o que irá ser cobrado na minha prova específica de segunda fase da UFPR para psicologia. Espero que dê tudo certo! Obrigada, me ajudou a organizar a obra dele em tópicos e enteder mais e um pouco mais aprofundado também.

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