O que importa aqui é um traço pelo qual possamos distinguir de modo seguro um conhecimento puro de um empírico.
Kant é considerado o maior filósofo da modernidade. As suas estruturas epistemológicas, que buscavam conciliar o raciocínio dedutivo e o conhecimento indutivo, são das maiores contribuições à humanidade na história da filosofia. Seu livro mais conhecido é o Crítica da Razão Pura e é ele que iremos abordar hoje. Na Crítica da Razão Pura, Kant tinha dois objetivos: mostrar os limites do conhecimento humano sobre o mundo – nossa capacidade de apreensão – e também agir como “árbitro” das especulações metafísicas a partir do seu sistema. Qual seria a legitimidade das investigações sobre Deus partindo do sistema Kantiano?
Kant foi um dos pais da chamada “Revolução Copernicana” na filosofia: Um antropocentrismo radical, nele personificado no seu Idealismo Transcendental. Para outros filósofos, o homem estava localizado dentro de um espaço e de um tempo, como comumente se imagina e como parece estar de acordo com o que a ciência nos diz. Já para Kant, os objetos só existem se o sujeito os percebe – Mas não exatamente como em Hume e seu “A árvore que cai na floresta só existe se a ouvirmos cair?”. Dessa forma, o mais importante, mesmo de uma escala cosmológica, é o que a mente humana percebe. Para isso, é preciso compreender como o filósofo define cognição.
Kant divide a cognição entre análise racional e percepção sensorial. A razão nos dá conceitos – verdadeiros ou falsos, passíveis de análise -, porém tautológicos, e a percepção, conteúdo imagístico fenomenológico. Tudo que passa pela percepção dos sentidos existe numa escala de espaço e tempo. Porém, essas condições básicas para a existência de um algo também não devem ser percebidas? Kant afirma que elas devem ser ‘pressupostas’ antes de perceber a realidade, e dessa forma possuem características ‘transcendentais’ por si mesmas. Porém, mesmo nesse conceito espaço e tempo estão presentes dentro da nossa mente, e não têm existência exata fora dela, são apenas ideias a priori e são condição necessária para todas as percepções possíveis, como já dito. Eles são “formas puras da intuição sensível” em que percebemos tudo como sendo localizado no espaço e no tempo. Leibniz sustentou que o espaço é produzido por nossas mentes – quase antecipando o argumento kantiano -, Newton declarou que o espaço era absoluto – complementando Leibniz para formar a argumentação do prussiano, que afirmou um espaço objetivo quando aplicado a objetos, como eles aparecem para nós, mas é subjetivo quando os objetos são considerados como coisas em si, independente de nossas percepções. Se existem bases necessárias à percepção, existiriam também à análise racional? Kant afirma que sim, e essa seria a lógica. Ou seja, mesmo as ciências estariam presas ao pensamento racional e aos axiomas fundamentais da lógica, mesmo as descobertas empíricas feitas com o método científico.
Disso surge o conceito de “juízos sintéticos a priori”, os enunciados científicos, que, por serem “infalíveis” dentro da empiria, são dotados de validez universal. Existem dois tipos de juízos: O analítico, que apenas, como o nome diz, analisa uma particularidade do objeto em questão, e o sintético, que analisa uma característica do objeto, mas que, ao analisá-lo ontologicamente, notamos que não está contida em-si-mesmo. Assim, como a ciência consiste na produção de conhecimentos novos sobre as coisas, conclui-se que seus enunciados são basicamente juízos sintéticos. Porém, suas descobertas, quando tomadas por leis gerais, são analíticas.
Já a forma de analisar a veracidade de um juízo – fundamental para a base da análise racional, a lógica – divide-se em a posteriori e a priori. Um juízo é verdadeiro a priori se é possível afirmá-lo dessa forma mesmo antes de ter-se a percepção sensorial do que está sendo analisado, já os a posteriori’s precisam passar pelo “teste” perceptivo para serem passíveis de falsificação ou confirmação. Juízos analíticos, dessa forma, são a priori, e os sintéticos, a posteriori.
Porém, a ciência nos mostra que nem sempre é assim. Por exemplo a lei da aceleração constante para corpos em queda. É algo que está contido no sujeito por-si-mesmo, mas conhecimento novo, dessa forma juízos sintéticos a priori. Como eles são possíveis?
A resposta a essa pergunta é dada pela inter-relação entre as três faculdades base que geram todo o nosso entendimento do mundo: a razão, o entendimento e a sensibilidade (percepção). As limitações aos objetos não seriam inerentes a eles, mas sim impostas pelo sujeito, dessa forma tornando possível o juízo sintético a priori. Estas seriam as “determinações transcendentais”. Assim, o caráter transcendental dado ao espaço e do tempo, para possibilitar a sensibilidade, é o que explica que eles sejam determinações universais e necessárias.
O entendimento é quando o ser recebe os fenômenos percebidos pela sensibilidade e submete-os a conceitos. Esses conceitos podem ser empíricos ou puros (categorias), onde as coisas, quando não entendidas a partir de conceitos empíricos, são dispostas em certas formas para tornarem-se inteligíveis ao sujeito. Kant diz que existem ao todo doze categorias, dispostas em quatro grupos: categorias de quantidade: unidade, totalidade, pluralidade; categorias de qualidade: realidade, negação, limitação; categorias da relação: inerência e subsistência, causalidade e dependência, e comunidade ou ação recíproca; finalmente, categorias da modalidade: possibilidade e impossibilidade, existência ou não existência, necessidade e contingência.
A causalidade é considerada a mais importante dessas categorias de relacionamento. São as conexões entre fenômenos, que dão ao mundo uma conexão causal. São elas que dão validez aos fenômenos científicos, por exemplo.
Em resumo, a sensibilidade recebe o que é percebido e impõe a elas forma do espaço-tempo, tornando-as em fenômenos. O entendimento, a partir de relações – categóricas ou não – dá ao mundo assume feição inteligível para nós, permitindo nosso conhecimento.
O que possibilita esse arranjo fino é, portanto, a razão. Kant afirma que o erro da Metafísica tradicional é a busca pela causa primeira, ao sair do particular e buscar um caso geral. É isso que Kant chama de uso regulativo da razão. Contudo, a razão pode passar, a partir desse sistema de busca pelo geral, a possibilidade – ou a certeza, de uma perspectiva racional- de um ser perfeito, que possua por si mesmo o máximo de todas as capacidades passíveis de atribuição pela mente. Ao usar a razão apenas para lidar com o que a experiência nos dá passamos a exercer um uso construtivo dos nossos processos racionais.
O existencialismo e demais correntes filosóficas que perguntam-se sobre Deus, alma, morta ou a cosmologia e suas noções de universo, estariam fadadas a sempre trabalhar com coisas que estão além do que a experiência pode nos fornecer. Dessa forma, seriam perguntas ilegítimas.
É possível notar uma influência Kantiana em muitos outros pensadores, mesmo que estejam em espectros interpretativos diferentes, como Schopenhauer e Wittgenstein – Principalmente o primeiro, de Tractatus Logico-Philosophicus.
Kant é, em suma, um filósofo muito complexo para caber em uma resenha simples. A leitura do livro completa é muito recomendada, e dele podem surgir novas considerações para as suas percepções de mundo, bem como uma análise diferente do trabalho do mesmo.
Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant
Clique abaixo e adquira a Crítica da Razão Pura!