Foucault e a loucura – DROPS #2

A loucura não existe, mas os loucos existem. A loucura, enquanto substância, enquanto qualidade própria, não passa de uma positividade discursiva que se transforma ao longo do tempo e classifica certos tipos de inadequados como próximos ao sagrado, desatinados, furiosos, insanos e doentes mentais.

Índice

Introdução

 

A loucura não pode ser encontrada no estado selvagem. A loucura só existe em uma sociedade, ela não existe fora das normas da sensibilidade que a isolam e das formas de repulsa que a excluem ou a capturam.[1]

 

Segundo Michel Foucault, a loucura é aquilo que, ao longo do tempo, se transforma, se adequa, se desfaz e se reúne: como aquilo que não será compreendido numa visão meramente positivista ou biologicista, mas que precisa do entendimento das práticas sociais e, portanto, das percepções de cada época para se compreender seu estatuto, sua concepção e as práticas que eram concretamente aplicadas sobre o corpo louco.

Yoshida compreende que “longe de fornecer respostas à loucura na sociedade, Foucault problematiza como se deu a sua construção histórica, associando-a à transformação da percepção da sociedade”[2], mas é necessário compreender que o termo percepção não é relacionado à subjetividades dos indivíduos, mas à própria construção da percepção de época. Percepção é entendida como aquilo que é social, aquilo que é prática.

É por isso que “Foucault não fala o que é a loucura, entretanto, fala da loucura, pois relata o que ela é a partir dos discurso de saberes sobre esse objeto vindos de determinadas épocas (no caso, a Idade Média, O renascimento e a Idade Clássica)”[3], como salienta Providello e Yasui. A loucura, enquanto essência, não existe, mas o discurso acerca da loucura, retrospectivamente, define do que ela é feita após definir quem é o louco.

A loucura, então, existe em retrospectiva. O historiador Paul Veyne é cirúrgico em compreender essa movimento retrospectivo de interpretação:

Para Foucault, como para Duns Scot, a matéria de loucura (behaviour, microbiologia nervosa) existe realmente, mas não como loucura; só ser louco materialmente é, precisamente, não o ser ainda. É preciso que um homem seja objetivado como louco para que o referente pré-discursivo apareça, retrospectivamente, como matéria de loucura; pois, por que o behaviour e as células nervosas de preferência às impressões digitais?[4]

Ou seja, a loucura é o resultado da análise retrospectiva do louco. É importante compreender que as alterações de nível biológico existem de fato, não se nega tal fato, mas há um salto entre a observação de um fenômeno biológico específico e a designação de doença menta. Tanto “doença” como “mental” são frutos de uma sociedade:

Uma frase como “as atitudes para com os loucos variaram consideravelmente através da história” é metafísica; é verbal representar-se uma loucura que “existiria materialmente” fora de uma forma que a informa como loucura; no máximo, existem moléculas nervosas dispostas de uma determinada maneira, frases ou gestos que um observador vindo de Sirius constataria serem diferentes dos dos outros humanos, eles próprios diferentes entre eles. Mas o que aí existe não é outra coisa que formas naturais, trajetórias no espaço, estruturas moleculares ou behaviour: são matéria para uma loucura que ainda não existe nesse estádio.[5]

A loucura não existe, ao mesmo tempo que, na realidade social, ela de fato existe. Não existe enquanto natureza, as existe no nível das práticas sociais, no nível do discurso e no nível das relações de poder. No fundo, para Michel Foucault, traçar uma história da loucura é realizar o empreendimento de uma história do outro. Haddock-Lobo apresenta este entendimento da seguinte maneira:

Caberia analisar como esta história que Foucault empreende em História da loucura pode ser entendida, nos termos do próprio filósofo, como uma “História do Outro”, ou seja, uma história que se preocupa em pensar não mais o Mesmo, mas antes todos os outros que teriam sido excluídos pelo pensamento ocidental.[6]

O louco é o outro e a loucura é o “Fora”, é o espaço excluído da razão. Justamente neste espaço do fora se situa o louco na modernidade, já que é completamente esquadrinhado pelo saber psiquiátrico e destituído de falar sua verdade, na medida em que a razão tomou as rédeas da loucura para excluída da produção de verdade. O louco não fala a verdade, nem mesmo a verdade da loucura. O louco erra. A loucura é o mar do erro, o espaço do “fora” que artistas e poetas podem transitar, sempre tendo a razão como referencial, mas que o louco se perde, se afoga.

A compreensão da loucura ocorre entre a razão e a desrazão, pois enquanto fazia parte da razão (ou enquanto não era considerada desrazão), a loucura não era tida como algo relevante. Foi por meio de um progressivo domínio da razão sobre a loucura, que esta se viu como objeto médico no ocidente.[7]

Ou seja, a loucura foi uma classificação cientificizada pela medicina que tem raízes na própria razão moderna e na exclusão do fora como território de exploração. Foucault salienta que essa classificação é fruto de uma prática social e que, mesmo que a loucura deixasse de existir da maneira como conhecemos, aquilo que ela representa ainda seria um elemento de consideração para a criação de novas práticas sociais e, assim, de uma nova produção de loucos:

Dizer que a loucura hoje desaparece, isto quer dizer que se desfaz essa implicação na qual ela era tomada, ao mesmo tempo, no saber psiquiátrico e em uma reflexão de tipo antropológico. Mas isso não quer dizer que desaparece, entretanto, a forma geral de transgressão de que a loucura foi, durante séculos, a visível face. Nem que esta transgressão não esteja prestes a produzir, no exato momento em que nos perguntamos o que é a loucura, uma experiência nova.[8]

Afinal, “Não há uma única cultura no mundo em que seja permitido tudo fazer. E sabemos bem, há muito tempo, que o homem não começa com a liberdade, mas com o limite e a linha do intransponível”[9]. Se a loucura é um tipo de fora, então o que se estabelece como problema é a relação possível entre o fora e o dentro, então o outro e o mesmo.


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Assim, torna-se interessante entender uma relação diferente, entre a loucura, o louco e a sociedade que lhe dava espaço para de fato falar na Idade Média, salienta Siqueira:

Com o paulatino fim do personagem do leproso, a estrutura de exclusão iniciada pela lepra não deixou de permanecer ativa a partir de seu duplo funcionamento: a exclusão social e integração espiritual. Inicialmente, os doentes venéreos aos poucos eram internados nos antigos leprosários e dividiam espaço com um tipo diferente de interno – e com críticas dos leprosos, que viam como negativo a entrada de um novo tipo de doente. Claro, há uma forte classificação moral sobre os doentes venéreos, mas ainda assim há um entendimento médico de que é necessário algum tipo de ação sobre os sujeitos acometidos. Ao lado da doença venérea, a loucura também conviveu com as buscas por explicações médicas para sua origem e desenvolvimento. Aqui, é necessário observar o próprio estatuto da loucura no início da Idade Clássica. Entre os séculos XV e XVI, a loucura figura integrada à sociedade. A linguagem do louco não é separada da linguagem da sociedade e, no limite da fúria, é dispensado em viagens em naus para que não incomode a cidade que vive. O louco que não será tolerado não é imediatamente morto. A pergunta é: se é necessário a exclusão, por que o louco era inserido num barco para navegar pela Europa em vez da simples execução. Entendo que este louco não é um não-homem, por isso, não poderia ser simplesmente morto. A nau dos loucos não é um tratamento, mas não é uma punição. A cidade é purificada através da ausência do louco, mas o louco é purificado pelas águas que a nau navega.[10]

O louco, antes falante, antes ouvido, antes possível de ser escutado e levado à sério, aos poucos, passa a ser aquele que não detém qualquer razoabilidade. A aǵua, responsável por purificar a loucura, também é elemento de perdição, salienta Foucault:

Na imaginação ocidental, a razão pertenceu por muito tempo a terra firme. Ilha ou continente, ela repele a agua com uma obstinação maciça: ela só lhe concede sua areia. A desrazão, ela, foi aquática, desde o fundo dos tempos e até uma data bastante próxima.[11]

Com o término paulatino da água exercendo função primordial no tratamento e explicação da loucura, o louco passa a ser um desrazoado, um sujeito que se situa num local de distância da razão e, na forma de patologia, se encontra encerrado em seu diagnóstico. Segundo Rodrigo Guim:

Se estamos falando das sociedades ocidentais, focadas por Foucault em seus estudos, é possível ver como todos os estudos dominantes sobre a loucura estão sempre ligados de várias maneiras ao campo político. Ao campo das relações entre instituições, discursos, práticas sociais dominantes, linguagens dominantes. O que é chamado de loucura passou por diferentes fases e afetou diferentes sujeitos em diferentes épocas da mesma sociedade. A loucura, considerada como uma forma de saber antes da Idade Clássica, passa a ser alvo da internação dos loucos junto com este grande conjunto de sujeitos chamados “vagabundos”. Não haviam uma classificação clara de conjunto de internos, mas todos se localizam fora do campo da razão, pois a razão clássica que emerge também organiza um campo de exclusão. Ser um humano era definido como ser racional, quanto mais distante desta racionalidade, mais próximo da animalidade. Os excluídos eram considerados mais próximos de uma animalidade, de uma vida selvagem.[12]

Um diagnóstico, hoje científico, que na Idade Clássica era majoritariamente moral e criava um imaginário animalesco ao louco que, ao tocar na esfera animal da vida, ao ser abandonado da esfera moral, ao recusar a ética, se encerra como a exibição de um tipo de ser que já não é mais homem.

O internamento para Foucault

A loucura participa da vida, participa da experiência, é uma forma estruturada na experiência de segregação social que precisa ser investigada em seus detalhes, em sua lógica interna, com suas técnicas de disciplinamento e de moralização da loucura, do controle do corpo e do controle da mente. A exclusão, seja como for, também tem sua história e suas técnicas processuais. O louco é um alvo, assim como o leproso também era. A loucura, então, não como essência, mas como construção, elemento a ser excluído, a ser domado.[13]

A loucura, em seu modo internado, preso da vida, higienizado do mundo, em um modo de purificação dos indivíduos que devem sofrer para expiar suas faltas morais, mas também da própria sociedade que se afasta e retira de convívio exemplares não convidativos a uma sociedade da razão nascente. Foucault compreende que há uma mudança na percepção da loucura.

Para Foucault, o louco desatinado, internado e envergonhado, é um louco inserido em uma sociedade moralista. De certa forma, podemos falar que vivemos em uma lógica do desatino? Guilherme Fernandes entende que:

Ao se consultar com um psiquiatra, é comum que o profissional faça um esquadrinhamento do indivíduo em busca de antecedentes familiares, de supostas patologias no seio da família do paciente como alcoolismo, uso de drogas. Trata-se de uma perícia médica para identificar essas patologias, ou ainda estamos dentro da lógica do desatino? De tudo aquilo que fere uma lógica de racionalidade, sobretudo daquela primeira racionalidade, a racionalidade burguesa, em que a família burguesa está numa espécie de núcleo central da razão que se queria para a humanidade, que não era mais uma razão aristocrática, um pouco descomedida em seus atos, pois a burguesia entendia a aristocracia como libertina. Se queria construir uma razão que se concentrou no núcleo da família burguesa e o que não se encaixava neste núcleo era tido então como desatino.[14]

Os zoológicos de loucos nascem num momento de loucura enquanto escândalo se relacionando com o desatino que deveria ficar preso nas casas de internamento.

Michel Foucault explica como a loucura animalesca pode ser mostrada, é possível que se lucre cobrando entrada para cidadãos observarem de dentro das casas de internamento o comportamento dos loucos em um teatro em que se apresentam, fazem danças curiosas, são punidos conforme se observa a menor indisciplina e se recolhem como se tudo fosse parte de um teatro conscientemente planejado e atuado.

A loucura científica

Ser louco numa visão biológica não é ser louco de fato, pois ser louco de fato envolve estar inserido em relações que positivamente criam condições para o aparecimento da loucura.

Para Michel Foucault, a loucura, repito, não é vista como essência ou estrutura, como patologia positivamente observável. Todas essas explicações acontecem retrospectivamente, na medida em que o objeto da loucura já existe para as áreas de conhecimento que pretendem delimitá-la e encontrar sua essência.

A positividade da loucura dentro de seu tempo histórico a encerra nas relações que a percepção consegue construir, sendo assim, insere a loucura como um dado e, sendo um dado, é até possível criar teorias e práticas para maximizar o potencial de um sujeito que, na observação empírica, se mostra louco.

No entanto, de forma até violenta, o sujeito louco é colocado num espaço em que ele próprio deve afirmar sua loucura, ele próprio deve falar sua verdade, mas uma verdade enquadrada num campo de possibilidades.

Referências

[1] FOUCAULT, Michel. A loucura só existe em uma sociedade IN Ditos e Escritos Vol. 1. Problematização Do Sujeito – Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. (Entrevista com J.-P. Weber).

[2] YOSHIDA, L. et al. A loucura na perspectiva em Michel Foucault: a história da loucura na idade clássica. Revista Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, V. 17, n.1, p. 2244.

[3] PROVIDELLO, G. G.; YASUI, S. A loucura em Foucault: arte e loucura, loucura e desrazão. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, V. 20, n.4, 2013, p. 1517.

[4] VEYNE, Paul. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. Brasília: UnB. 2008, p. 267.

[5] VEYNE, Paul. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história… p. 265.

[6] HADDOCK-LOBO, Rafael. História da loucura de Michel Foucault como uma “história do outro”. Revista Veritas, Porto Alegre, v. 53, n.2, 2008, p.

[7] YOSHIDA, L. et al. A loucura na perspectiva em Michel Foucault: a história da loucura na idade clássica… p. 2244.

[8] FOUCAULT, Michel. A loucura, a ausência da obra IN Ditos e escritos I: problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p.191.

[9] FOUCAULT, Michel. A loucura, a ausência da obra… p. 193

[10] SIQUEIRA, Vinicius. Loucura percebida nos fins da Idade Média. Canal do Colunas Tortas, 2022. Disponível em <<https://www.youtube.com/watch?v=xs76Cm3u3qw>>. Acesso em 1 de novembro de 2023.

[11] FOUCAULT, Michel. A água e a loucura IN Ditos e escritos I: problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p.186.

[12] GUIM, Rodrigo. O louco não fala. Canal do Colunas Tortas, 2022. Disponível em <<https://www.youtube.com/watch?v=yMecziqpu0w>>. Acesso em 1 de novembro de 2023.

[13] SIQUEIRA, Vinicius. A loucura e seu enclausuramento. Canal do Colunas Tortas, 2022. Disponível em <<https://www.youtube.com/watch?v=vMoB1-bEvho>>. Acesso em 1 de novembro de 2023.

[14] FERNANDES, Guilherme. Quem é o louco? Canal do Colunas Tortas, 2022. Disponível em <<https://www.youtube.com/watch?v=9NmqC3g_CwE>>. Acesso em 1 de novembro de 2023.

Anexo

FOUCAULT, Michel. A loucura só existe em uma sociedade IN Ditos e Escritos Vol. 1. Problematização Do Sujeito – Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. (Entrevista com J.-P. Weber).

A loucura só existe em uma sociedade

 – Nasci em 1926, em Poitiers. Aceito na Escola Superior em 1946, trabalhei com filósofos e também com Jean Delag, que me fez conhecer o mundo dos loucos. Mas eu não faço psiquiatria. Pra mim, o que conta é a interrogação sore as próprias origens da loucura. A boa consciência do psiquiatras me decepcionou.

 – E como lhe veio a idéia de sua tese?

 – Colette Duhamel, na época da Table Ronde, tinha me pedido uma história da psiquiatria. Propus, então, um livro sobre as relações entre o médico e o louco. O eterno debate entre razão e desrazão.

 – Influências?

 – Sobretudo das obras literárias… Maurice Blanchot, Raymon Roussel. O que me interessou e guiou é uma certa forma de presença da loucura na literatura.

 – E a psicanálise?

 – O senhor concorda com o fato de que Freud é a própria psicanálise. Mas, na França, a psicanálise, no início estritamente ortodoxa, teve, mais recentemente, uma existência segunda e prestigiosa, devido, como o senhor sabe, a Lacan…

 – E foi, sobretudo, o segundo estilo de psicanálise que o marcou?

 – Sim. Mas também, e principalmente, Dumézil.

 – Dumézil? Como é que um historiador das religiões pôde inspirar um trabalho sobre a história da loucura?

 – Por sua idéia de estrutura. Tal como Dumézil o faz para os mitos, tentei descobrir formas estruturas de experiência cujo esquema pudesse ser encontrado, com modificações, em níveis diversos…

 – E qual é essa estrutura?

 – A da segregação social, a da exclusão. Na Idade Média, a exclusão atinge o leproso, o herético. A cultura clássica exclui mediante o hospital geral, a Zuchthaus, a work-house, todas as instituições derivadas do leprosário. Eu quis descrever a modificação de uma estrutura exclusiva.

 – Não seria mais uma história da internação do que uma história da loucura, o que o senhor compôs?

 – Em parte sim. Com certeza. Mas tentei, sobretudo, ver se há uma relação entre esta nova forma de exclusão e a experiência da loucura, num mundo dominado pela ciência e uma filosofia racionalista.

 – E existe essa relação?

 – Entre a maneira com que Racine tenta o delírio de Orestes, no final de Andrômaca, e aquela com que um oficial de polícia, no século XVII, interna um louco furioso ou violento há, não unidade, certamente, mas coerência estrutural…

 – Então, há uma filosofia da história da loucura?

 – A loucura não pode ser encontrada no estado selvagem. A loucura só existe em uma sociedade, ela não existe fora das normas da sensibilidade que a isolam e das formas de repulsa que a excluem ou a capturam. Assim, podemos dizer que na Idade Média, e depois do Renascimento, a loucura está presente no horizonte social como um fato estético ou cotidiano; depois, no século XVII – a partir da internação – a loucura atravessa um período de silêncio, de exclusão. Ela perdeu esta função de manifestação, de revelação que ela tinha na época de Shakespeare e de Cervantes (por exemplo, Lady Macbeth começa a dizer a verdade quando fica louca); ela se torna derrisória, mentirosa. Enfim, o século XX se apossa da loucura, a reduz a um fenômeno natural, ligado à verdade do mundo. Desse ato de posse positivista derivariam, por um lado, a filantropia desdenhosa manifestada por toda psiquiatria com respeito ao louco e, por outro lado, o grande protesto lírico encontrado na poesia, de Nerval até Artaud, e que é um esforço para tornar a dar à experiência da loucura uma profundidade e um poder de revelação que haviam sido aniquilados pela internação.

 – Então, a loucura vale mais do que a razão?

 – Uma das objeções do júri foi, justamente, de que eu teria tentado refazer o Elogio da loucura. No entanto, não: eu quis dizer que a loucura só se tornou objeto da ciência na medida em que foi descaída de seus antigos poderes… Mas, quanto a fazer a apologia da loucura em si, isso não. Afinal de contas, cada cultura tem a loucura que merece. E se Artaud é louco, e se foram os psiquiatras que permitiram a internação de Artaud, isso já é uma bela coisa, e o mais belo elogio que se possa fazer…

 – Não à loucura, com certeza…

– Mas aos psiquiatras.

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