Janta Filosófica #49: O tédio, a pós-modernidade e Zygmunt Bauman

As Jantas Filosóficas acontecem todas as segundas-feiras às 19:30hs no canal do Colunas Tortas.

Da série “Janta Filosófica“.

Na Janta Filosófica #49 falamos sobre a noção de tédio, de ócio criativo e falamos sobre nossas vidas na pós-modernidade. Utilizamos Zygmunt Bauman, Domenico de Masi, mas também Karl Marx e as experiências socialistas no mundo para discutir o assunto e construir a live.

Também falamos sobre a privatização da Eletrobras, que desafia nossa soberania energética enquanto não for revertida.


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O vídeo:

O áudio:

Veja a transcrição do início da live abaixo:

Em entrevista, Zygmunt Bauman salienta que a juventude contemporânea é muito mais atenta aos diferentes estímulos que a cercam, é muito mais vigilante que os mais velhos, que viveram numa época cujo cotidiano era menos frenético. O sociólogo argumenta que

esse ritmo é o ritmo do tempo que habitam, um tempo que abortou o que eu chamaria de tempo livre, o tempo não preenchido com o consumo de imagens, sons, gostos e sensações táteis. Somos dependentes dos estímulos externos: as mensagens que chegam no celular, o iPod, as conversas pela internet. A alternativa para o tempo não preenchido com esses estímulos não é mais vista como tempo de reflexão, de auto-questionamento, de conversa consigo mesmo, mas de tédio.

Há algo nesta reflexão que nos aproxima da nossa Janta Filosófica #38, A construção de um novo social: celulares, mercado e mundo, com Claudia Sciré. Lá, discutimos a dicotomia entre presença e ausência na sociedade da informação e entendemos que, apesar da distância física, apesar da ausência física, e de uma maneira mais rigorosa, apesar da não-presença, não é a ausência que sobra. A dicotomia entre presença e ausência precisa ser atravessada pela metáfora das conexões para substituir a do laço social. A conexão é um tipo de laço social, fraco, que adquire características importantíssimas na sociedade da informação na medida em que é produzida nela e recebe lugar perfeito para atuação também em suas instituições: falo das redes sociais, mas das relações de amizade que se transformam no ambiente virtual e fora dele, nas relações amorosas que se transforam também no ambiente virtual, com sua entrada, mas fora dele, a partir da nova configuração do amor que emerge na contemporaneidade facilitando a distribuição e não a concentração. O laço forte só é substituído por uma quantidade grande de laços fracos.

Enfim, a conexão é o que permite entender que a dicotomia entre ausência e presença contém, agora, a intromissão dos aparelhos celulares, da internet, dos dispositivos de comunicação rápida. Não se trata de uma escolha, mas de uma condição de se viver para parcelas gigantes da população. Com a conexão, não se está nem presente, nem ausente: se está sempre conectado ou desconectado. Desta forma, a possibilidade de ser acionado seja lá por qual motivo é muito maior, ficar em alerta se transforma em algo razoável, a ansiedade pela novidade também.

O tédio, enquanto tempo livre, é o vilão da sociedade da informação. Na medida em que representa o espaço da desconexão, da fuga momentânea da sociedade da informação, o tédio é um vilão a ser esquecido, odiado, principalmente na cidade.

Também já conversamos em outros momentos sobre a mixofobia e mixofilia na cidade. Sobre a tendência ao encontro e à repulsa ao outro. Este movimento eterno de encontro e repulsa expulsa o tédio, movimenta os corpos, mas não retira a necessidade de se ter uma arma contra o tédio. O meu ponto aqui é o seguinte: por que é necessário ter uma arma contra o tédio?

Vou trazer alguns dados interessantes do artigo Tédio em jovens contemporâneos de Ágatha Aila Amábili de Meneses Gomes, Natalia Fernandes Teixeira Alves e Selena Mesquita de Oliveira Teixeira. Inicialmente, elas definem tédio a partir de quatro tipos a partir de Lars Svendsen e Gabriela Pó, baseado na tipologia de Martin Doehlemann, anuncia que existem quatro tipos de tédio:

O primeiro refere-se ao tédio situacional, que corresponde à definição mais conhecida e frequente do tédio, sendo também denominada de tédio comum. Está ligada a alguma situação específica e surge apenas em determinadas ocasiões, por exemplo, quando se espera alguém ou algum acontecimento. Trata-se assim, de um tédio com motivo determinado e de caráter provisório, findando com o tempo de espera. É ainda considerada a noção mais superficial desse fenômeno, visto que não afeta a totalidade da existência humana, mas apenas uma situação específica vivida.

O segundo tipo de tédio consiste no tédio da saciedade ou de saturação e liga-se a obtenção demasiada de alguma coisa e consequentemente a vulgarização desta, ou seja, acontece quando os afazeres tornam-se comuns e desinteressantes. É comum em situações com uma abundância material, em que é requerido pouco esforço para obter o que se deseja.

Tem-se ainda um tipo de tédio considerado positivo, que corresponde ao tédio criativo ou criador, que se alia às atividades criativas e artísticas. O que é marcante nessa espécie de tédio não é a sua origem ou duração, mas seus resultados, o que é produzido a partir dessa vivência subjetiva. Parte-se do princípio de que quando as coisas tornam-se entediantes e desinteressantes, surge o impulso de criar algo novo, estimulando a originalidade.

Por fim, tem-se um último tipo de tédio mais intenso, afetando a totalidade da existência humana: o tédio existencial. Esta concepção assemelha-se a noção Heideggeriana do tédio profundo, com base na sua classificação de três tipos de tédio: superficial, intermédio e profundo. Surge quando o sujeito percebe sua própria subjetividade e o mundo ao seu redor estagnado e vazio de conteúdo.

Trata-se de uma pesquisa que integra abordagens quantitativas e qualitativas, realizada em uma instituição de ensino superior do estado do Piauí. Teve como participantes treze jovens, com idade entre 18 e 25 anos, sendo a maioria (dez) do sexo feminino, solteiros, sem filhos e naturais do estado do Piauí. Encontravam-se no quarto período da faculdade, dos cursos de Psicologia e Direito. Primeiramente, foi realizado um questionário com perguntas objetivas, em seguida,

Os participantes relataram gastar o tempo, torrar o tédio, em aparelhos tecnológicos quando não estão na faculdade. Mas em relação à própria ideia de ficar entediado, “Com o intuito de escapar dessa realidade, procuram ocupar o tempo com algo e evitar pensar em aspectos negativos”. Nota-se a desvalorização do tempo livre pelos jovens, que o consideram como oportunidade de gerar “pensamentos e situações que os participantes não gostam e preferem esquecer”. Os jovens relatam que têm bastante tempo livre, mas o tempo livre é recheado de mal-estar. O tédio não é sinônimo de autorreflexão, mas de mal-estar.

Já se foi o tempo de Domenico de Masi proclamando a inevitabilidade do teletrabalho (ele estava certo) a partir de um novo modelo de organização da vida (aqui, ele imaginou como poderia ser uma vida em que o ócio tem papel central na realização social e pessoal, mas não tentou prever como ela seria). O teletrabalho chegou pra uma parcela informatizada, mas não o ócio. Aqui, eu estou aproximando a noção de tédio, como dita nas citações que eu fiz anteriormente, com a noção de ócio para Domenico de Masi, mas é justamente na impossibilidade de encontrar coerência entre as duas que me parece haver algo de interessante. Para De Masi:

A principal característica da atividade criativa é que ela praticamente não se destaca do jogo e do aprendizado, ficando cada vez mais difícil separar essas três dimensões que antes, em nossa vida, tinham sido separadas de uma maneira clara e artificial.

Quando trabalho, estudo e jogo coincidem, estamos diante daquela síntese exaltante que chamo de ócio criativo.

Definitivamente não são noções similares ou coerentes. Pelo contrário, elas se distanciam na medida em que o tédio é vazio, enquanto o ócio criativo é criação. O primeiro, negatividade; o segundo, positividade. Entretanto, ambos lidam com o tempo e com seu preenchimento. O ócio criativo não é o inverso do tédio, nem mesmo é seu lado bom. São coisas diferentes que refletem condições materiais completamente diferentes: a Itália da década de 90 e a possibilidade do teletrabalho como modelo libertador não são as mesmas condições da emergência da liquidez moderna como estamos sentido, por exemplo, no Brasil somente hoje.

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