Fortaleza (CE), entre todas as belezas que detém, também é o lar do Coletivo Entre Olhos. Se trata de uma organização que visa promover o acesso à arte e cultura produzida dentro da cidade e que criou o jogo Lutas Simbólicas, baseado na teoria sociológica de Pierre Bourdieu.
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O grupo surgiu como uma forma de diálogo com outros artistas e iniciativas culturais da cidade e de difusão democrática da cultura. Foi pensando em aplicar o que aprenderam na prática que o grupo se desenvolveu. “A partir da realização no inicio de 2014 de um evento no bairro do Planalto do Pici – de Fortaleza -, onde aconteceram shows, intervenções e oficinas de diversas linguagens, que nós começamos a nos dar contar do quanto podemos contribuir pra transformar essa nossa realidade”, relatam os membros.
O jogo foi concebido durante o mestrado de Daniel Valentim, membro do coletivo, que tinha um projeto relacionado a cybercultura, mas se engana quem acha que é somente um jogo didático para crianças. Confira abaixo a entrevista exclusiva ao Colunas Tortas completa, respondida pelos membros Daniel Valentim, Alexandre Machado, Weslley Felipe e Ícaro Lourenço.
Colunas Tortas – Como surgiu a ideia de bolar o jogo Lutas Simbólicas?
Daniel Valentim – O Lutas Simbólicas foi concebido primeiramente em 2011. Era um momento importante da minha vida. Eu estava escrevendo minha dissertação de mestrado que discutia sobre a sociabilidade dos cyberatletas do futebol digital no Brasil. Por conta desta pesquisa eu me vi imerso em diversas feiras e encontros de amantes da chamada “cultura geek”. Em um destes encontros eu conheci um grupo chamado “Joga Fortal”, que é constituído por pessoas que estimulam o uso de jogos de tabuleiro e de cartas, especialmente os não-eletrônicos. Eu conheci diversos jogos importantes que certamente inspiraram (em termos de mecânica de jogo) o Lutas Simbólicas, como Catan, Dominion e o clássico Magic: The Gathering. Ainda em 2011, o jogo passou por diversas partidas-teste. Desde lá viemos aprimorando sua jogabilidade, mas apenas em agosto de 2014 foi que resolvemos levar a ideia pra frente. De repente eu me vi cercado de diversas pessoas criativas e talentosas, que toparam a ideia de tornar o Lutas Simbólicas algo real. O Coletivo Entre Olhos estava em plena atividade. Eu não estava mais tão sozinho. Era um momento importante em nossas vidas.
Colunas Tortas – O que o jogo pretende, em uma visão ampla?
Daniel Valentim e Alexandre Machado – Achamos que algo importante que merece ser dito sobre o jogo Lutas Simbólicas é que ele não foi articulado pra ser um “jogo escolar”, meramente didático ou funcional. Do mesmo modo que ele não foi pensando como um jogo pra agradar somente estudantes de humanidades e áreas afins. O que notamos ao experimentar as partidas-teste é que não é preciso conhecer previamente qualquer conceito de Pierre Bourdieu para jogar. Isso acontece porque tentamos relacionar os dilemas e as tragédias da experiência cotidiana através de um modelo conceitual específico, no caso: a busca pela diferenciação social na sociedade burguesa mediada pelas economias dos bens simbólicos. Quanto mais capital simbólico uma pessoa acumular, mais próxima ela estará de ganhar o jogo. Essa é a ideia central do Lutas Simbólicas. Entretanto, cada carta acaba sendo um estímulo para que os jogadores reflitam sobre os nossos jogos sociais.
Colunas Tortas – Este jogo surgiu dentro do coletivo Entre Olhos. Poderia nos explicar a atuação do coletivo?
Ícaro Lourenço e Weslley Felipe – O Coletivo Entre Olhos surgiu de uma agregação de amigos/artistas interessados em produzir, discutir e difundir de forma democrática arte e cultura dentro da cidade de Fortaleza, motivados pela vontade de sair da campo das ideias e ralar para fazer acontecer. Desenvolvemos trabalhos dentro do audiovisual (carro chefe do coletivo), fanzines, artes plásticas e nos últimos meses convergimos os esforços para a produção do jogo. Penso que a partir da realização no inicio de 2014 de um evento no bairro do Planalto do Pici (Fortaleza-CE), onde aconteceram shows, intervenções e oficinas de diversas linguagens, que nós começamos a nos dar contar do quanto podemos contribuir pra transformar essa nossa realidade. Desse ponto em diante começamos a criar novos vínculos com outros coletivos atuantes dentro da cidade, investimos mais na nossa própria produção, fizemos coberturas de eventos, oficinas, seções de interclube no bairro dentre outras atividades sempre tentando somar e contribuir para melhorar esse tão caótico cenário sociocultural em que nos encontramos hoje.
Colunas Tortas – Por que Pierre Bourdieu, por que não outros sociólogos? Qual sua importância?
Daniel Valentim – O jogo Lutas Simbólicas é o jogo da busca pela distinção e por lugares privilegiados no espaço social. Quem acumular mais capital simbólico ganha o jogo. Certa vez Pierre Bourdieu afirmou que não existe sociedade que deixe de honrar aqueles que a honram. Essa é a ideia central do jogo. Nós imaginamos um grupo de ações sociais consideradas honradas (as chamadas “tomadas de posição”) que são comumente os caminhos trilhados por aqueles indivíduos que desejam acumular o máximo de lucro simbólico possível em cada passo de suas ações cotidianas. Por exemplo, quem quiser acumular capital cultural terá que investir em cursos formativos até conseguir o “certificado escolar”. Do mesmo modo, quem quiser acumular capital social terá que assumir seu caráter aristocrático e adentrar em clubes exclusivos e privados. Assim, aos poucos cada ação vai gerando uma espécie de reflexão ética sobre o que temos que realmente fazer para alcançarmos certas posições de privilégios. Por isso imaginamos que o modelo teórico proposto por Pierre Bourdieu é importante porque ele amplia a noção de capital e especialmente a noção de mercado, ao introduzir a noção de capitais simbólicos e de mercados simbólicos.
Colunas Tortas – Existem outros jogos ou outros autores em mente para o futuro?
Daniel Valentim – Sim. Estamos com estudos e pesquisas para a produção de um jogo inspirado em Karl Marx. Também estamos realizando uns testes para um jogo baseado em Deleuze e Guattari.
Colunas Tortas – É comum vermos uma certa repulsa a sociologia nas escolas. Por que ela é vista com maus olhos? O que faz com que a sociologia seja vista muitas vezes como uma matéria sem utilidade?
Alexandre Machado e Ícaro Lourenço – Não consideramos “maus olhos”, mas sim “olhos desinteressados”. Um desinteresse provocado por um problema sócio-histórico e cultural do nosso sistema educacional. Também pensamos que o caráter crítico da sociologia exige uma percepção diferente sobre o mundo e suas coisas. E a busca por essa percepção é muitas vezes bloqueada pela própria constituição do ambiente escolar desde a sala de aula. De pouco vale tentar resumir a complexa experiência do “pensar sociologicamente” a um teste de avaliação com múltipla escolha ao fim do bimestre. Assim pensamos que: devemos sempre buscar experiências que fujam da instituição da escola como a conhecemos. A busca pelo conhecimento é algo muito importante para a garantia e a constituição de uma sociedade mais justa. Assim é muito difícil não perceber as tragédias advindas da associação radical do mercado financeiro ao próprio sistema educacional.
Colunas Tortas – Qual o papel do sociólogo na sociedade atual?
Alexandre Machado e Daniel Valentim – Qual o papel do jornalista, ou do artista? Ser um sociólogo, um jornalista ou um artista são marcações individuais e os seus determinados papéis estão atrelados aos valores de cada individuo a partir de suas próprias urgências. Se você “acha que tá mamão, tá bom, tá uma festa” dificilmente irá propor transformações que possam vir a minar suas posições privilegiadas. Entretanto diversos grupos sociais estão articulando-se em redes com o objetivo de resolver urgências que perpassam seus dilemas cotidianos onde o que está em jogo é a existência ou não de suas vidas. Isso pode ser percebido na luta da sociedade civil contra o extermínio da juventude negra, assim como nas diversas lutas de grupos minoritários contra uma ordem pretensiosa e muito bem equipada, diga-se de passagem, que teima em negar suas existências. Só nos resta a percepção.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
Como faço para adquirir o jogo?
como faço para ter acesso a esse jogo?
Muito interessante, lembra um jogo que fiz.
Voltado para alunos do ensino médio, sobre História da Grécia.
http://www.ofatoeahistoria.com/#!Brincar-na-aula-de-História-jogos-ensino-e-autoria-III-O-jogo-Guerra-das-poleis-sua-confecção-e-utilização-em-sala-de-aula/c218b/8F804045-D0CC-4C7C-8DEA-507E5AB88A19
Onde consigo o jogo?
O jogo já está disponível para venda??
Pessoal, parabéns pela iniciativa! Fiquei muito animado e curioso para poder experimentar. Como podemos adquirir?
E há alguma forma de colaborar ou irradiar a ideia de vocês?
Aguardo retorno.
Infelizmente o coletivo ainda não disponibilizou para venda.
Para colaborar conosco, basta mandar um e-mail para [email protected]
Excelente matéria, pena que o site não executa o engajamento com os leitores, uma vez q todos perguntaram a mesma coisa, mas sem uma única resposta sequer…. uma pena! Pq eu tb queria saber onde encontrar o jogo.
Republicou isso em A festa é boa para pensar.