Índice
Introdução
Louis Althusser foi um filósofo franco-argelino marxista estruturalista do século XX de renome e revolucionário por seu anti-humanismo e pela teoria dos aparelhos de Estado. Foi professor na Escola Normal Superior, passou pela função de diretor pedagógico até conseguir liderar um grupo de estudos baseado em sua obra.
Foi responsável noção de “corte espistemológico” na obra de Karl Marx, que separa os trabalhos do jovem Marx com o do velho Marx e inseriu o conceito de “problemática” para definir o objeto de estudo e os conceitos que contribuíram para tornar a filosofia humanismo do jovem Marx em ciência em seu trabalho maduro.
Biografia
Louis Althusser nasceu em 16 de outubro de 1918 em Bir Mourad Raïs (anteriormente Birmandreis), um subúrbio de Argel, capital da Argélia. Vindo da Alsácia pelo lado paterno da família, seus avós eram cidadãos franceses que escolheram se estabelecer na Argélia. Na época de seu nascimento, o pai de Althusser era tenente do Exército Francês.
Após terminar o serviço, seu pai retornou a Argel e ao seu trabalho como banqueiro. Por todos os relatos, exceto pelos retrospectivos contidos em suas autobiografias, a infância inicial de Althusser no Norte da África foi feliz. Lá, ele desfrutou dos confortos do ambiente mediterrâneo, bem como daqueles proporcionados por uma família petit-bourgeois estendida e estável. As informações biográficas são de William Lewis (2009), Felluga (2002) e Droit et société (2010) com exceção dos momentos em que é explicitada outra fonte.
Infância
Em 1930, o trabalho de seu pai mudou a família para Marselha. Sempre um bom aluno, Althusser se destacou nos estudos e tornou-se ativo nos Escoteiros. Em 1936, a família se mudou novamente, desta vez para Lyon. Lá, Althusser foi matriculado no prestigioso Lycée du Parc. No Lycée, ele começou a frequentar aulas para se preparar para os competitivos exames de admissão das grandes écoles da França. Criado em uma família cuidadosa, Althusser foi particularmente influenciado por professores de tendência distintamente católica. Esses incluíam os filósofos Jean Guitton e Jean Lacroix, bem como o historiador Joseph Hours.
Em 1937, ainda no Lycée, Althusser ingressou no grupo de jovens católicos Jeunesse étudiantes chrétiennes. Esse interesse pelo catolicismo e sua participação em organizações católicas continuariam mesmo depois de Althusser ingressar no Partido Comunista em 1948. O entusiasmo simultâneo que Althusser demonstrou em Lyon pela política monarquista não durou a guerra.
Em 1939, Althusser teve um desempenho suficientemente bom nos exames de admissão nacionais para ser admitido na École Normale Supérieure (ENS) em Paris. No entanto, antes do início do ano letivo, ele foi mobilizado para o exército. Logo depois, ele foi capturado em Vannes junto com o resto de seu regimento de artilharia. Passou o restante da guerra como prisioneiro de guerra em um campo no norte da Alemanha.
Em seus escritos autobiográficos, Althusser atribui as experiências de solidariedade, ação política e comunidade que encontrou no campo à abertura para a ideia do comunismo. De fato, seus escritos na prisão, coletados como Journal de captivité, Stalag XA 1940–1945, evidenciam essas experiências. Eles também fornecem evidências dos ciclos de depressão profunda que começaram para Althusser em 1938 e que o marcariam pelo resto da vida.
Início da vida acadêmica
No final da guerra e após sua libertação do campo de prisioneiros em 1945, Althusser assumiu seu lugar na ENS. Agora com 27 anos, ele começou o programa de estudos que o prepararia para a agrégation, o exame competitivo que qualifica alguém para ensinar filosofia nas escolas secundárias francesas e que muitas vezes é a porta de entrada para os estudos de doutorado e o emprego universitário.
Talvez não surpreendentemente para um jovem que acabara de passar metade de uma década em um campo de prisioneiros, muito aconteceu durante os três anos em que passou se preparando para o exame e trabalhando em sua dissertação de mestrado.
Embora ainda envolvido em grupos católicos e ainda se vendo como cristão, os movimentos com os quais Althusser se associou após a guerra eram de tendência esquerdista e, intelectualmente, ele fez um movimento para abraçar e sintetizar o pensamento cristão e marxista. Essa síntese e suas primeiras obras publicadas foram informadas por uma leitura da filosofia idealista alemã do século XIX, especialmente Hegel e Marx, bem como por pensadores cristãos progressistas associados ao grupo Jeunesse de l’Église.
De fato, foi o idealismo alemão do século XIX com o qual ele mais se envolveu durante seu período de estudos na ENS. Em linha com esse interesse (compartilhado por muitos outros intelectuais franceses da época), Althusser obteve seu diplôme d’études supérieures em 1947 por um trabalho dirigido por Gaston Bachelard intitulado “Sobre o Conteúdo no Pensamento de G.W.F. Hegel”.
Em 1948, ele passou na agrégation, ficando em primeiro lugar na parte escrita do exame e em segundo na parte oral. Após essa performance, Althusser foi oferecido e aceitou o posto de agrégé répétiteur (diretor de estudos) na ENS, cuja responsabilidade era ajudar os alunos a se prepararem para suas próprias agrégations.
Nessa função, ele começou a oferecer cursos e tutoriais sobre tópicos específicos em filosofia e sobre figuras específicas da história da filosofia. Mantendo essa responsabilidade por mais de trinta anos e trabalhando com alguns dos pensadores mais brilhantes que a França produziu durante esse tempo (incluindo Alain Badiou, Pierre Bourdieu e Michel Foucault), Althusser deixou uma impressão profunda e duradoura em uma geração de filósofos franceses e na filosofia francesa através de seu ensino.
Seu matromônio
Além de iniciar sua longa associação com a ENS, os primeiros anos passados em Paris após a guerra viram Althusser iniciar três outros relacionamentos duradouros. O primeiro deles foi com o Partido Comunista Francês, o segundo com sua companheira e eventual esposa, Hélène Rytmann-Légotien, e o terceiro com a psiquiatria francesa. Começado para tratar recorrentes crises de depressão, essa última afiliação continuou pelo resto de sua vida e incluiu frequentes hospitalizações, bem como os tratamentos mais agressivos que a psiquiatria francesa pós-guerra tinha a oferecer, como terapia eletroconvulsiva, narco-análise e psicanálise.
O segundo relacionamento iniciado por Althusser foi pouco mais feliz e não menos dependente do que o primeiro. No início, o vínculo de Althusser com Rytmann-Légotien foi complicado por sua quase total inexperiência com mulheres e por ela ser oito anos mais velha que ele. Também foi dificultado pelas vastas diferenças em suas experiências de mundo e pelo relacionamento dela com o Partido Comunista.
Enquanto Althusser conhecia apenas casa, escola e campo de prisioneiros, Rytmann-Légotien havia viajado muito e estava há muito tempo ativa em círculos literários e radicais. Na época em que os dois se conheceram, ela também estava envolvida em uma disputa com o Partido sobre seu papel na resistência durante a Segunda Guerra Mundial.
Embora Althusser ainda não fosse membro do Partido, como muitos de sua geração, ele saiu da guerra profundamente simpático aos seus objetivos morais. Seu interesse pela política do Partido e envolvimento com membros do Partido cresceram durante seu tempo como estudante na ENS. No entanto, a suspeita da ENS em relação aos comunistas, bem como os problemas de Rytmann-Légotien com o Partido, complicaram a relação de Althusser com cada uma dessas instituições. No entanto, logo após ser oferecido o posto de agrégé répétiteur (e, portanto, seguro de ser preterido para o cargo devido à sua filiação), Althusser ingressou no Partido Comunista.
Nos anos seguintes, Althusser tentou avançar os objetivos do Partido Comunista, bem como o objetivo de fazer Hélène Rytmann-Légotien ser aceita de volta nele.
Ele fez isso sendo um bom militante (participando de reuniões de células, distribuindo panfletos, etc.), reiniciando um grupo de estudos marxista na ENS (o Cercle Politzer) e fazendo investigações sobre as atividades de guerra de Hélène Rytmann-Légotien na esperança de limpar seu nome. Por seu próprio relato, ele era um terrível ativista e também falhou em reabilitar sua reputação. No entanto, seu relacionamento com o Partido e com sua futura esposa se aprofundou durante esse período.
Durante os anos 1950, Althusser viveu duas vidas que eram apenas parcialmente inter-relacionadas: uma era a de um filósofo acadêmico e pedagogo bem-sucedido, embora um tanto obscuro, e a outra a de um membro leal do Partido Comunista. Isso não significa que Althusser era politicamente inativo na escola ou que seu comunismo não influenciou seu trabalho filosófico. Pelo contrário, Althusser recrutou colegas e alunos para o Partido e trabalhou em estreita colaboração com a célula comunista baseada na ENS.
Além disso, em meados da década, ele publicou algumas introduções à filosofia marxista. No entanto, em seu ensino e aconselhamento, ele evitou trazer a filosofia marxista e a política comunista. Em vez disso, ele atendeu ao interesse dos alunos e às demandas de cada nova agrégation, engajando-se de perto com textos filosóficos clássicos e com a filosofia contemporânea e ciências sociais. Além disso, a maior parte de sua produção acadêmica foi sobre a filosofia política do século XVIII.
De fato, o único estudo de livro publicado por Althusser durante sua vida foi um trabalho sobre Montesquieu, que apareceu no final da década. Na ENS, o profissionalismo de Althusser, bem como sua capacidade de pensar institucionalmente, foram recompensados em 1954 com uma promoção a secrétaire de l’école littéraire, um posto em que ele tinha alguma responsabilidade pela gestão e direção da escola.
O corte epistemológico
Não teria surpreendido ninguém se Althusser tivesse continuado a influenciar sutilmente a vida política e filosófica francesa, através dos alunos que orientou, de suas pesquisas sobre a história da filosofia política, dos colóquios entre filósofos, cientistas e historiadores que organizou e de seu trabalho rotineiro como membro do Partido.
No entanto, em 1961, com um ensaio intitulado “Sobre o Jovem Marx”, Althusser entrou agressivamente em um debate acalorado sobre a continuidade da obra de Marx e sobre o que constitui o núcleo da filosofia marxista.
Aparecendo em um momento de crise na direção do Partido Comunista Francês e parecendo oferecer uma alternativa “científica” ao stalinismo e às revisões humanistas do marxismo então propostas, o ponto de vista teórico oferecido por Althusser ganhou adeptos.
Revigorado por esse reconhecimento e pela possibilidade de que o trabalho teórico pudesse realmente mudar a prática do Partido Comunista, Althusser começou a publicar regularmente sobre filosofia marxista.
Esses ensaios provocaram muita discussão pública e atividade filosófica tanto na França quanto no exterior. Ao mesmo tempo que esses ensaios começaram a causar agitação, Althusser mudou seu estilo de ensino na ENS e começou a oferecer seminários colaborativos onde ele e seus alunos tentavam um “retorno a Marx” e aos textos originais de Marx.
Em 1965, o fruto de um desses seminários foi publicado como “Ler o Capital”. Nesse mesmo ano, os ensaios sobre teoria marxista que causaram tanto impacto foram reunidos e publicados no volume “Para Marx”. Amplificando o impacto coletivo desses livros para muito além do reino da discussão intra-partidária. Seus textos incorporavam a tendência geral na teoria literária e científica social rotulada de “estruturalismo” e com a qual a releitura de Marx feita por Althusser foi identificada.
No meio da década, Althusser aproveitou a popularidade dessas obras e o fato de que seus argumentos haviam criado uma facção dentro do Partido Comunista Francês composta principalmente por jovens intelectuais para tentar forçar uma mudança.
Essa tentativa de fazer com que o Partido fosse dirigido por teóricos em vez de por um Comitê Central, cujo stalinismo permanecia arraigado e que acreditava na sabedoria orgânica do trabalhador, teve pouco sucesso. No máximo, ele conseguiu esculpir alguma autonomia para a reflexão teórica dentro do Partido.
Embora seja sua intervenção mais conhecida, essa não foi a primeira tentativa de Althusser de tentar influenciar o Partido (ele já havia tentado uma vez durante meados da década de 1950 a partir de sua posição como líder de célula na ENS) e não seria a última. Embora tenha perdido muito do apoio estudantil que seu trabalho havia criado quando permaneceu em silêncio durante os eventos “revolucionários” de maio de 1968 (ele estava em um hospital psiquiátrico na época), ele fez campanha mais uma vez para influenciar o Partido durante meados da década de 1970. Essa intervenção ocorreu em resposta à decisão do Partido Comunista Francês de abandonar aspectos tradicionais do marxismo-leninismo em sua plataforma para se aliar melhor ao Partido Socialista. Embora a posição de Althusser tenha sido bem divulgada e encontrado seus apoiadores, no final, seus argumentos não foram capazes de motivar as bases do Partido de tal forma que a liderança reconsiderasse sua decisão.
Durante as décadas em que se tornou conhecido internacionalmente por sua reinterpretação da filosofia marxista, Althusser continuou em seu posto na ENS. Lá, ele assumiu responsabilidades institucionais crescentes enquanto continuava a editar e, com François Maspero, a publicar seu próprio trabalho e o de outros na série “Théorie”. Em 1975, Althusser adquiriu o direito de dirigir pesquisas com base em seu trabalho previamente publicado. Pouco depois desse reconhecimento, ele se casou com sua companheira de longa data, Hélène Rytmann-Légotien.
Parte final de sua vida
Após as derrotas eleitorais da Esquerda Francesa e do Partido Comunista nas eleições de 1978, os episódios de depressão de Althusser tornaram-se mais graves e mais frequentes. Em novembro de 1980, após uma cirurgia dolorosa e outro episódio de doença mental, que o viu hospitalizado durante a maior parte do verão e cujos sintomas continuaram após seu retorno à ENS no outono, Althusser estrangulou sua esposa.
Antes que pudesse ser preso pelo assassinato, ele foi enviado para um hospital mental. Mais tarde, quando um juiz instrutor veio informá-lo do crime do qual era acusado, Althusser estava em um estado mental tão frágil que não podia entender as acusações ou o processo ao qual seria submetido e foi deixado no hospital. Após um exame, um painel de psiquiatras concluiu que Althusser sofria na época do assassinato de depressão severa e alucinações iatrogênicas. Citando uma lei francesa (desde então alterada), que afirma que “não há crime nem delito onde o suspeito estava em estado de demência no momento da ação”, o juiz responsável pelo caso de Althusser decidiu que não havia fundamentos para prosseguir com a acusação.
Os últimos dez anos da vida de Althusser foram passados dentro e fora de hospitais psiquiátricos e no apartamento no 20º arrondissement de Paris, onde ele planejava se aposentar. Durante esse período, ele foi visitado por alguns amigos leais e manteve algumas correspondências. Dado seu estado mental, suas frequentes internações, sua anomia e os medicamentos que lhe foram prescritos, esses não foram anos muito produtivos.
No entanto, na metade da década, ele encontrou energia para revisitar alguns de seus antigos trabalhos e tentar construir a partir deles uma metafísica explícita. Ele também conseguiu escrever uma autobiografia, um texto que ele afirmava ser destinado a fornecer a explicação para o assassinato de sua esposa que nunca pôde dar em tribunal. Ambos os textos só apareceram postumamente. Quando sua saúde mental e física deterioraram-se novamente em 1987, Althusser foi morar em um hospital psiquiátrico em La Verrière, uma vila a oeste de Paris. Lá, em 22 de outubro de 1990, ele morreu de um ataque cardíaco.
Principais ideias
Louis Althusser foi revolucionário na teoria marxista por definir a ideologia a partir de sua expressão material. A ideologia, então vista como falseamento da consciência, é considerada pelo autor como aqui que presenta a relação imaginária entre os indivíduos para o mundo real (ALTHUSSER, 1980).
Ideologia
Segundo o autor, há dois níveis de ideologia. Um nível se refere à Ideologia com “I” maiúsculo, que é transhistórica e interpela indivíduos em sujeitos, inscrevendo os indivíduos na ordem da Ideologia e os tornando passíveis de vida em sociedade, de vida humana social, histórica e cultural. Já o segundo nível se refere às manifestações concretas e históricas da Ideologias, que são as ideologias com “i” minúsculo. Elas são as ideologias concretamente identificáveis como a ideologia sindical, ideologia liberal, ideologia cristã e etc.
A fórmula da interpelação é importantíssima, pois desnuda um processo que era entendido como falseamento da consciência:
Direi numa primeira fórmula: toda a ideologia interpela 0s indivíduos concretos como sujeitos concretos, pelo funcionamento da categoria de sujeito.
[…] Sugerimos então que a ideologia «age» ou «funciona» de tal forma que «recruta» sujeitos entre os indivíduos (recruta-os a todos), ou «transforma» os indivíduos em sujeitos (transforma-os a todos) por esta operação muito precisa a que chamamos a interpelação que podemos representar-nos com base no tipo da mais banal interpelação policial (ou não) de todos 0s dias: «Eh! você» (ALTHUSSER, 1980, s.p.).
Ao interpelá-lo, o identifica com a ideologia, na medida em que o faz se reconhecer parte dela e, ao mesmo tempo, reconhecer o chamamento como forma de identificação:
Indivíduos passeiam. Algures (normalmente nas costas destes) ouve-se a interpelação: «Eh! Pst!». Um indivíduo (90% das vezes é o chamado) volta-se, crendo-desconfiando-sabendo que é a ele que chamam, portanto reconhecendo que «é efectivamente ele» que é visado pela interpelação. Mas, na realidade, as coisas passam-se sem a mínima sucessão. A existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos como sujeitos são uma única e mesma coisa (ALTHUSSER, 1980, s.p.).
As ideologias interpelam o indivíduo em sujeito em ato cotidianos, como um pai que chama seu filho de “filho” e o inscreve na ideologia familiar ou na ideologia cristã, como um professor que ao chamar o aluno de “aluno” o inscreve na ideologia pedagógica estatal e etc. Este chamamento não faz com que a identificação seja uma escolha: ela é a condição para a participação da interação, mesmo que feita sob a forma da recusa.
Essas ideologias são reproduzidas a partir dos aparelho de Estado. Segundo Althusser, o Estado é um aparelho disputado por classes antagônicas. A classe que detém o poder de estado é habilitada a controlar os aparelhos ideológicos e repressivos de Estado, sendo que os primeiros podem ser exemplificados pela escola, direito e mídia, enquanto os segundos pela polícia e exército. Todos os aparelhos tem como função reproduzir as relações sociais de produção capitalistas na medida em que são controlados por membros da classe dominante no período histórico analisado (ALTHUSSER, 1980). Segundo Althusser (1980):
Enunciando este facto numa linguagem mais científica, diremos que a reprodução da força de trabalho exige não só uma reprodução da qualificação desta, mas, ao mesmo tempo, uma reprodução da submissão desta às regras da ordem estabelecida, isto é, uma reprodução da submissão desta à ideologia dominante para os operários e uma reprodução da capacidade para manejar bem a ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a fim de que possam assegurar também, “pela palavra”, a dominação da classe dominante.
A abordagem estruturalista e anti-humanista de Althusser é relevante pois realiza um movimento de dessubjetivação da análise: em vez de se concentrar na consciência dos homens, em sua razão e nos movimentos da razão pela história, o autor está preocupado com os movimentos de luta, de disputa de poder.
Para Althusser, ao realizar o procedimento de dessubjetivação na história, Marx a fundou enquanto ciência:
Estamos, talvez, ainda perto demais da gigantesca descoberta de Marx para medir sua excepcional importância na história dos conhecimentos humanos. No entanto, começamos a estar em condições de qualificar a descoberta de Marx como um evento teórico prodigioso que “abriu” ao conhecimento científico um novo “continente”, o da História. A esse título, ela é comparável, do ponto de vista teórico, apenas a duas outras grandes descobertas em todo o conhecimento humano: a descoberta de Tales “abrindo” ao conhecimento o “continente” da matemática, e a descoberta de Galileu, abrindo ao conhecimento o “continente” da natureza física (ALTHUSSER, 2008, s.p.).
Althusser e o Materialismo do encontro
Por sua vez, Althusser também desenvolveu aquilo que chamou de materialismo do encontro, também retomando Marx como base, de tal maneira que qualquer teleologia tende a ser desconsiderada nesta análise:
Marx, e não acontece certamente por acaso, nos explica que o modo de produção capitalista nasceu do “encontro” entre o “homem com dinheiro” e o proletário desprovido de tudo, exceto de sua força de trabalho. “Acontece” que esse encontro ocorreu e “pegou”, o que significa que não foi desfeito tão logo realizado, senão que durou e se tornou um fato consumado; o fato consumado desse encontro provoca relações estáveis e uma necessidade cujo estudo fornece “leis”, tendenciais, evidentemente: as leis do desenvolvimento do modo de produção capitalista (lei do valor, lei da troca, lei das crises cíclicas, lei da crise e da decomposição do modo de produção capitalista, lei de passagem – transição – ao modo de produção socialista sob as leis da luta de classes etc.). O que importa nessa concepção não é tanto a emanação de leis, logo de uma essência, quanto o caráter aleatório da “pega” desse encontro, que dá lugar ao fato consumado e cujas leis podem ser enunciadas (ALTHUSSER, 2005, p. 32).
O “materialismo do encontro” ou “materialismo aleatório” de Louis Althusser, explorado em suas obras mais tardias, representa uma tentativa de entender os processos históricos de maneira que escapem de uma interpretação teleológica. Althusser busca criar uma filosofia marxista que seja assistemática e aberta aos eventos históricos, permitindo uma transição política que não esteja predeterminada por leis rígidas ou inevitabilidades históricas.
Diego Ramos Lanciote (2011) destaca que o materialismo de encontro se empenha em compreender os processos históricos “isentos da teleologia” e, ao mesmo tempo, serve como “a realização de um projeto mais ambicioso” que busca “o estabelecimento de uma filosofia para o marxismo” que seja “aberta aos eventos históricos”. Esse materialismo assenta-se na ideia de que a história não é guiada por uma direção necessária, mas é, ao contrário, o resultado de encontros aleatórios que não seguem um roteiro preestabelecido. A noção de “clinamen”, emprestada do atomismo de Epicuro e Lucrécio, é central aqui, representando o desvio que permite a criação de novos eventos históricos imprevisíveis e, assim, escapa da “interpelação dos indivíduos em sujeitos” sob a ideologia dominante.
Essa filosofia althusseriana sublinha que, no contexto histórico, as contradições existem de maneira plural e desigual, estabelecendo-se “aleatoriamente a dominância de uma com relação às outras, não havendo qualquer lei ou parâmetro para determinar como a dominância se estabelece”. Essa visão rejeita a ideia de que a história é o resultado de uma dialética que segue leis fixas e inevitáveis, abraçando, ao invés disso, a contingência e a aleatoriedade como forças motrizes dos processos históricos.
Portanto, o materialismo de encontro, ao romper com o determinismo, abre espaço para uma análise histórica e política mais fluida, onde a mudança é vista como o resultado de encontros fortuitos e desvios, e não de um desenvolvimento linear e necessário.
Jovem Marx e velho Marx
Por fim, o corte epistemológico é, talvez, sua ideia mais importante. Para Althusser, não há uma continuidade entre a filosofia de Marx de sua fase jovem e de sua fase madura. Há, alí, uma ruptura que desemboca na superação de um humanismo em prol de uma análise estrutural dos modos de produção enquanto base para entendimento da história. Esta noção é contida principalmente em Por Marx e Ler o Capital, obras em que Althusser faz sua leitura da obra de Marx e entende que houve uma mudança nas investigações do autor alemão.
Nesses dois textos Althusser utiliza o conceito de “corte epistemológico” para desenvolver a ideia de que o trabalho de Marx sofreu uma mudança repentina, ao passar de um período “pré-científico”, fortemente influenciado pelas filosofias de Hegel e Feuerbach, para uma fase científica. De acordo com Althusser, nessa passagem, Marx não apenas teria abandonado conceitos utilizados em seus textos de juventude, mas também criado outros que o permitiram desenvolver uma reflexão científica sobre as relações sociais existentes no modo de produção capitalista (LIRA, 2020, p. 89).
Com a mudança da problemática de Marx, os conceitos utilizados em sua fase jovem foram abandonados e novos conceitos foram forjados para realizar uma análise propriamente científica da história e do sistema capitalista.
Principais livros
- Ler o Capital, 1965:
“Ler o Capital”, publicado em 1965, é uma obra seminal coescrita por Louis Althusser e seus colaboradores, Étienne Balibar, Roger Establet, Pierre Macherey e Jacques Rancière. Este texto marca um momento crucial na história da filosofia marxista, apresentando uma leitura renovada e rigorosa de O Capital, de Karl Marx, sob uma perspectiva estruturalista.
Althusser propõe uma ruptura com as interpretações tradicionais do marxismo, especialmente aquelas que seguem uma abordagem historicista ou humanista. Para ele, o trabalho de Marx representa uma ciência das formações sociais e econômicas, distinta da filosofia clássica, que ele via como ideológica. A análise empreendida por Althusser busca estabelecer uma compreensão do marxismo como uma ciência autônoma, com seus próprios métodos e conceitos, distanciando-se de leituras que reduzem o marxismo a uma simples teoria da história ou a um moralismo.
O livro é dividido em ensaios que se concentram em diferentes aspectos da obra de Marx, com destaque para a relação entre a infraestrutura econômica e as superestruturas ideológicas. Althusser e seus colaboradores enfatizam a importância de uma leitura sintomática de O Capital, uma metodologia que visa desvendar o não-dito, o latente, no texto marxiano. Essa leitura sintomática é essencial para entender como Marx desenvolveu uma nova problematização da economia política, rompendo com as categorias da economia clássica.
Além disso, a obra é notável por seu esforço em teorizar a ideologia de forma sistemática. Althusser argumenta que a ideologia não é simplesmente uma falsa consciência, mas um sistema de representações que assegura a coesão social e a reprodução das relações de produção.
“Ler o Capital” é, portanto, uma obra indispensável para o estudo do marxismo, ao oferecer uma interpretação inovadora que sublinha a complexidade e a profundidade da crítica de Marx à economia política.
- Por Marx, 1965:
“Por Marx”, publicado em 1965, é uma obra crucial de Louis Althusser que oferece uma reinterpretação profunda da teoria marxista. Este livro se insere no debate sobre a relevância do marxismo e a necessidade de uma renovação do pensamento marxista diante das críticas e desafios contemporâneos.
Althusser busca defender a obra de Karl Marx contra as interpretações humanistas e historicistas que, segundo ele, distorcem a essência da crítica de Marx à economia política. Em vez de ver Marx como um filósofo da história ou um moralista, Althusser o apresenta como um cientista social que desenvolve uma crítica sistemática da economia política, rompendo com a tradição econômica clássica e as suas categorias.
O livro está estruturado em ensaios que discutem aspectos fundamentais da teoria marxista, como a luta de classes, a teoria do valor-trabalho e a dinâmica da ideologia. Althusser enfatiza a importância da teoria do “modo de produção” e o papel central das superestruturas ideológicas na reprodução das relações de produção. Ele introduz o conceito de “aparelhos ideológicos do Estado”, que são instituições que disseminam e reforçam as ideologias dominantes, garantindo a coesão social e a continuidade do sistema capitalista.
Althusser também critica a abordagem economicista e humanista dentro do marxismo, defendendo uma leitura estruturalista que valoriza a ciência social de Marx e sua análise das estruturas econômicas e sociais. Com isso, “Por Marx” oferece uma leitura renovadora que procura recuperar a força crítica da obra de Marx e posiciona o marxismo como uma teoria científica capaz de explicar as complexidades do capitalismo.
A obra é uma contribuição significativa para a filosofia marxista, propondo uma visão que reavalia e reafirma a importância da crítica marxiana na compreensão das sociedades modernas.
- Lenin e a filosofia, 1968:
“Lenin e a Filosofia”, publicado em 1968 por Louis Althusser, é uma obra fundamental para entender a relação entre o pensamento de Lenin e o desenvolvimento da filosofia marxista. No livro, Althusser explora a maneira como Lenin reinterpretou o marxismo e propõe uma nova abordagem para a teoria e a prática revolucionária.
Althusser argumenta que Lenin, ao reinterpretar o marxismo, não apenas continuou a obra de Marx, mas também a revolucionou ao situar a teoria na prática política e social de seu tempo. A análise de Althusser foca na forma como Lenin confrontou e superou as limitações da tradição marxista anterior, particularmente ao lidar com as questões da teoria do conhecimento e da prática política.
O livro está estruturado em torno da análise do trabalho filosófico de Lenin, especialmente seus escritos sobre a teoria do conhecimento e a crítica ao idealismo. Althusser destaca como Lenin, influenciado por sua prática política e pelos desafios concretos do movimento operário russo, desenvolveu uma abordagem crítica que superou o economicismo e o humanismo presentes em algumas interpretações do marxismo.
Um dos pontos centrais do livro é a discussão sobre a teoria da ideologia e da consciência de classe, temas cruciais para a compreensão da abordagem leninista. Althusser elogia Lenin por sua capacidade de aplicar a dialética materialista de maneira a compreender e transformar as condições históricas e sociais específicas.
“Lenin e a Filosofia” é uma obra que oferece uma visão crítica e inovadora sobre o papel de Lenin na transformação do marxismo e na formulação de uma teoria revolucionária que busca entender e mudar o mundo. Althusser apresenta Lenin como um pensador que, ao aprofundar a crítica da economia política e da ideologia, trouxe uma nova vitalidade ao marxismo, estabelecendo bases para uma abordagem científica da teoria social e política.
- Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, 1970:
“Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, publicado em 1970 por Louis Althusser, é uma obra seminal que introduz o conceito de “aparelhos ideológicos do Estado” (AIEs) e oferece uma análise profunda do papel da ideologia na manutenção do sistema capitalista.
No livro, Althusser argumenta que, além dos aparelhos repressivos do Estado — como a polícia e o exército, que funcionam para manter a ordem e reprimir a oposição —, existem os aparelhos ideológicos, que desempenham um papel crucial na formação e reprodução das ideologias dominantes. Esses aparelhos incluem instituições como a escola, a igreja, a mídia e o sistema jurídico, que disseminam e reforçam as ideologias que sustentam as relações de produção capitalistas.
Althusser define os AIEs como instituições que, por meio de práticas e discursos específicos, moldam a consciência das pessoas e garantem a continuidade do sistema social e econômico. Ele argumenta que esses aparelhos ideológicos não apenas promovem a ideologia dominante, mas também contribuem para a integração dos indivíduos na estrutura social existente, promovendo a aceitação das normas e valores que sustentam o status quo.
A obra é dividida em dois ensaios principais: o primeiro explora a teoria da ideologia e sua função na sociedade, enquanto o segundo detalha a estrutura e o funcionamento dos AIEs. Althusser discute como esses aparelhos contribuem para a reprodução das condições de produção e a manutenção da ordem social, enfatizando a importância de entender a ideologia não apenas como uma falsa consciência, mas como uma prática social concreta e institucionalizada.
“Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado” é fundamental para a teoria social e política, oferecendo uma visão crítica e estruturada sobre o papel da ideologia na reprodução das relações de poder e na perpetuação do capitalismo. Althusser contribui para uma compreensão mais sofisticada da dinâmica entre ideologia e estrutura social, ampliando a análise marxista da sociedade moderna.
- A filosofia como arma revolucionária, 1981:
“A Filosofia como Arma Revolucionária”, publicado em 1981, é um texto importante de Louis Althusser que explora a função da filosofia na transformação social e política. Althusser argumenta que a filosofia deve ser entendida não como um conjunto de ideias abstratas, mas como uma prática crítica e revolucionária capaz de transformar as condições sociais.
Ele critica as abordagens idealistas e humanistas que, segundo ele, desviam a filosofia de seu papel revolucionário. Para Althusser, a filosofia é uma ferramenta essencial para a crítica e a mudança das estruturas sociais, pois permite a análise profunda das relações de poder e das ideologias que sustentam o sistema capitalista.
No texto, Althusser defende que a filosofia deve estar intimamente ligada à prática política e à luta de classes, ajudando a desvelar e questionar as ideologias dominantes. Ele vê a filosofia como uma forma de intervenção prática que pode contribuir para a emancipação social e a construção de uma nova ordem social. Assim, “A Filosofia como Arma Revolucionária” reafirma o papel crítico e transformador da filosofia no contexto da luta revolucionária.
- Política e história: De Maquiavel a Marx, 2007:
“Política e História: De Maquiavel a Marx”, publicado em 2007, é uma obra de Louis Althusser que revisita e reinterpreta as contribuições de Maquiavel e Marx para a teoria política e histórica. No livro, Althusser explora a evolução do pensamento político desde Maquiavel, com suas análises pragmáticas do poder e da política, até Marx, que revolucionou a compreensão das relações sociais e econômicas.
Althusser argumenta que tanto Maquiavel quanto Marx oferecem abordagens críticas que desafiam as visões tradicionais sobre o poder e a história. Maquiavel, com sua análise da política como um campo autônomo das normas morais e éticas, prepara o terreno para uma compreensão mais científica e sistemática da política. Marx, por sua vez, leva essa análise adiante ao integrar a crítica econômica e a teoria da luta de classes na compreensão da dinâmica histórica.
O livro é uma tentativa de alinhar a teoria política com uma abordagem materialista e estruturalista, mostrando como as contribuições desses dois pensadores influenciam a análise das estruturas sociais e políticas modernas. Althusser busca demonstrar que a filosofia e a teoria política devem ser entendidas como ferramentas críticas para a análise e transformação das condições históricas e sociais.
- Iniciação à filosofia para os não-filósofos, 2019:
“Iniciação à Filosofia para os Não-Filósofos”, publicado em 2019, é uma obra de Louis Althusser que busca tornar a filosofia acessível a um público não especializado. Neste livro, Althusser apresenta conceitos filosóficos complexos de forma clara e compreensível, com o objetivo de introduzir leitores sem formação filosófica aos debates e ideias fundamentais da filosofia.
Althusser explora temas centrais da filosofia, como a natureza da verdade, a crítica da ideologia e a relação entre teoria e prática. Ele também discute a importância da filosofia para a compreensão das estruturas sociais e políticas, argumentando que o pensamento filosófico é essencial para a análise crítica da sociedade.
O livro é estruturado para proporcionar uma compreensão gradual dos principais conceitos filosóficos, utilizando exemplos e explicações acessíveis. Althusser busca engajar leitores com diferentes níveis de conhecimento, incentivando uma reflexão crítica sobre o papel da filosofia na vida cotidiana e na transformação social.
“Iniciação à Filosofia para os Não-Filósofos” é uma obra útil para quem deseja iniciar o estudo da filosofia de maneira sistemática e esclarecedora, destacando a relevância da filosofia na análise e compreensão do mundo.
Referências
À propos de Louis Althusser et la critique du droit. Droit et société, 75, 455-466, 2010.
ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1980.
ALTHUSSER, Louis. A corrente subterrânea do materialismo do encontro (1982). Crítica Marxista, Rio de Janeiro, Revan, n. 20, p. 9-48, 2005.
ALTHUSSER, L. A querela do humanismo. Tradução de Laurent de Saes. Marxists Internet Archive, 2008. Originalmente publicado em 1967.
Felluga, Dino. Modules on Althusser: On Ideology. Introductory Guide to Critical Theory, 2002. Disponível em <<http://www.purdue.edu/guidetotheory/marxism/modules/althusserideology.html>>.
LANCIOTE, Diego Ramos. Em defesa do materialismo aleatório. Cadernos Espinosanos, São Paulo, Brasil, n. 25, p. 199–213, 2011.
LEWIS, William. Louis Althusser. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2009. Disponível em <<https://plato.stanford.edu/entries/althusser/>>.
LIRA, L. F. F. Althusser e as duas etapas do pensamento de Marx: o conceito de “sobredeterminação”. Revista Lugar comum, Rio de Janeiro, n. 59, dez./jan. de 2020.