Monark e a liberdade de expressão ANCAP

No texto de hoje, gostaria de falar sobre a liberdade de expressão possível de ser encontrada em dois momentos nas falas do YouTuber Monark, que defendeu a possibilidade de existirem partidos nazistas na democracia brasileira.

Para isso, há dois momentos específicos que precisam ser observados. Vou deixar aqui dois vídeos que contém estes momentos e a transcrição que eu gostaria de utilizar como mote para meu texto.


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Vídeo 1

Monark: Liberdade de expressão não é você ir a uma sala de cinema lotada e gritar “fogo”. Isso é crime. Internet não é uma sala de cinema fechada. A ligação entre a fala e o acontecimento não é muito distante [na internet].

Igor: A gente concorda que cometer crimes não é algo que pode ser tolerado.

Tabet: Espalhar fake news é crime.

Igor: Ah, não sei. E se eu for burro?

Tebet: Mentir, como se eu perguntar o que é que você está comendo [um hambúrguer] e você me responder que é uma pizza. Não é isso. Mas se você cria, em um escritório, com sua quadrilha, uma fake news baseada em alguma coisa para ganhar algum tipo de benefício, aí é crime. Não dá pra considerar que mentira é fake news, senão voltamos ao período bíblico. Burrice não é crime.

Monark: O meu ponto é que eu não preciso do Estado para ter essa ferramenta. Já há leis que protegem isso. Não precisa criar novas leis. Quando criam novas leis, meu medo é que o motivo seja outro.

Vídeo 2

Advogado:  o limite da liberdade de expressão é quando ela endossa discursos que, em última medida, resulta em morte de pessoas.

Monark: será que esse é o limite? Porque se alguém não pode falar coisas racistas, se está literalmente acabando com a liberdade de expressão da pessoa. Esta é a questão, na real! Não é ok ele expressar seu pensamento?

Advogado: Não é ok.

Monark: Como não é ok?! Eu acho isso um absurdo incrível. Como a gente não pode deixar que alguém expresse o que pensa?

Advogado: ele pode falar “eu sou racista”, mas não pode afirmar que preto é pior que branco.

Monark: não pode? Por que não?

Advogado: Porque é discurso de ódio.

Monark: deixa ele falar. Quando ele falar, o que você acha que a sociedade vai fazer?

As duas transcrições acima são interessantes por deixarem expostas as preocupações acerca da liberdade de expressão conforme exposto por Monark em dois episódios do Flow Podcast.

A preocupação, na primeira transcrição, é relacionada ao agente estatal cumprindo a função de fiscalização em torno das fake news. Desta forma, a presença do Estado como avaliador e aplicador da punição é incômoda na dinâmica de exclusão de empresas ou indivíduos que produzam notícias falsas.

Já na segunda transcrição, a preocupação está na mera interdição ao racista exemplificado na conversa. A liberdade de expressão deve ser garantida justamente para que o racista pode se dizer racista e ser avaliado pela sociedade a partir de sua fala. Esta dinâmica é clara: trata-se de uma dinâmica de mercado em que nossas falas são nossas mercadorias e, assim como acontece num mercado, as falas que agradam serão mais consumidas.

Monark não considera que a existência formal de uma fiscalização para proteger nosso projeto de sociedade seja benéfica. A beleza da liberdade de expressão, em sua visão, é o resultado imediato do ato de expressão ser imediatamente avaliado por um público consumidor. Para esta tipo de visão, o mundo social pode ser identificado ao mercado. Trata-se de uma visão individualista filosófica. A liberdade de expressão, conforme defendida por Monark e pelas visões anarcocapitalistas, é condição para que se realize a liberdade de consumo.

A liberdade de expressão tomada como liberdade de simplesmente falar (portanto, fazer) o que se quer faz todo sentido e dá pleno protagonismo à esfera do consumo. Na prática, conforme exemplificado por Monark, este tipo de liberdade de expressão favorece justamente o exemplo por ele citado: o racismo, por exemplo. As práticas verbais historicamente condenadas deixam de ter seu estigma de condenação e passam a ser mercadorias exibidas numa vitrine enunciativa.

Desta forma, a noção de projeto de sociedade é completamente perdida. Para esta visão acerca da liberdade de expressão, a barbárie não é um problema. O único problema é a interdição da esfera do consumo. Sendo assim, nesta visão, pouco importa compreender a liberdade de expressão dos mais de 13 mil resgatados em trabalho análogo à escrivão do Brasil nos últimos dez anos. Pouco importa compreender a liberdade de expressão da mídia que é ordenada a calar a boca pelo presidente Jair Bolsonaro.

Não se trata de uma visão sobre liberdade de expressão preocupada com a sociedade civil e sua saúde deliberativa, sua saúde em expor e denunciar, por exemplo, o racismo. A liberdade de expressão defendida a partir desta visão está mais preocupada com a possibilidade (que deve existir) de cometer a transgressão do que, exatamente, com a própria transgressão. A transgressão (no exemplo utilizado aqui, o racismo) não seria um problema: o problema é não haver a possibilidade da população enquanto público consumidor escolher os enunciados que mais lhe agradam.

A fé ingênua de que coisas como o racismo seriam imediatamente repelidas por uma população como um todo exemplifica a própria ingenuidade do individualismo filosófico quando levado a ser suporte de uma filosofia anacrônica acerca do indivíduo. Não é muito difícil perceber que o empresariado brasileiro adorou as declarações fascistas de Jair Bolsonaro na medida em que davam suporte a práticas econômicas que lhes favoreciam. É evidente que o racismo existe na prática e na estrutura e que, se liberdade para livre circulação, voltaria a ser um problema social.

Meu ponto é: este tipo de visão, que hoje é comum com jovens e adolescentes, não é só anacrônica e imprecisa. Ela é, também, uma arma perfeita para voltarmos à Idade Média e reavivarmos um tipo moderno de feudalismo baseado na quantidade de dinheiro que se tem e naquilo que se pode fazer com ele (como criar um feudo particular com suas própria regras). O local de proibição possível do racismo, nesta visão, seria somente a propriedade privada de alguém que não desejasse a presença do racismo alí. Até mesmo este tipo de questão é resolvida a partir de conjecturas individuais e baseadas em dinâmicas de mercado.

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