Sobre a contemporaneidade, por Achille Mbembe – DROPS #33

Achille Mbembe: O que mais me afeta quanto ao momento que vivemos é a extensão da brutalidade desencadeada quase em todos os lugares do nosso planeta. Brutalidade contra a natureza, o meio ambiente; brutalidade contra aqueles entre nós que são os mais vulneráveis; e a brutalidade resumida pelo sistema econômico no qual vivemos que se prende ao desenvolvimento tecnológico de um calibre nunca antes visto na História da Humanidade.


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Então, a combinação do desenvolvimento e formas de violência arcaicas e futuristas deixou muitas pessoas na pior. E o que fazer com aqueles que não achamos importantes. Essa questão ganhou uma tração que não tinha há 50 anos.

Iman Rappeti: É sobre algo sistêmico. Algo que nos mantêm no cenário em que nos encontramos.

A.M.: A combinação do desenvolvimento tecnológico e a violência contra os mais fracos entre nós me parece ter aumentado a um nível dramático. A questão de quem importa e quem não importa e o que fazer com aqueles que achamos que não importam. Como tratá-los? Como devemos, digamos, atender ou não às suas necessidades? Tudo isso, me parece, tornou o período em que vivemos extremamente enganoso.

I.R.: Uma linda metáfora surgiu em minha mente enquanto caracterizada desta maneira. Estamos em uma era em que nunca tivemos tanta informação, mas nossa consciência está empobrecida. É como ter uma biblioteca, mas, quando você abre os livros, as páginas estão em branco.

A.M.: Sim. Você tem toda razão. O conhecimento que possuímos agora é impressionante. A porção deste conhecimento que é acessível também é incrível. Assim, o paradoxo é que o nível de ignorância obstinada jamais foi tão alto como é agora. Provavelmente porque a ignorância é filha da irresponsabilidade e da indiferença. A ignorância é cultivada como estratégia tanto pelos que dominam como por alguns que são dominados: a estratégia de não se responsabilizar e menos ainda [se responsabilizar] pelo estado do nosso mundo.

I.R.: E o fascinante é que não abandonamos nossa capacidade de coalescer, de nos unir em torno de questões em que acreditamos. Isso leva à questão daqueles que se tornam quase mártires, líderes em protestos que vemos no mundo todo. Pessoas morrem todos os dias e morrem em circunstâncias terríveis, seja pela brutalidade policial ou por assassinatos, no entanto, algumas mortes têm a capacidade de unir a comunidade, o país onde a pessoa morava e, depois, o mundo inteiro.

Pensando, por exemplo, no que aconteceu com George Floyd, ou antes, com Martin Luther King, Marielle Franco, Adama Traoré e agora, como citei, George Floyd. Por que algumas mortes, sobretudo no cenário necropolítico, não são toleradas?

A.M.: Essas mortes, ou homicídios, assassinatos, falando sobre George Floyd, que foi assassinato, a morte dele não foi acidental. Parece ser um acidente, mas não é. Essas mortes tendem a falar. Eu quero dizer que são mais do que a morte em si. Essas mortes se tornam o que nós vivenciamos como mais do que a morte do indivíduo que está sendo colocado no túmulo. São geralmente mortes que falam de uma causa. Uma causa na qual muitos se reconhecem. Você citou Martin Luther King e Marielle Franco. Foram indivíduos que, durante sua vida, se dedicaram a uma causa. Eles morreram como consequência de sua dedicação à causa da justiça. Particularmente, no caso de Martin Luther King, ele foi um mártir dessa causa. Ele falava muito além dele mesmo, de sua família, da América. Ele falava para o mundo todo.

A morte de George Floyd é de um tipo diferente: ela aconteceu como resultado do funcionamento de um sistema que está em atividade há muito tempo. Ele finge ser invisível, porém, nós vemos seus resultados nas vidas que ele destrói.

Não em todo tipo de vida, mas na vida dos negros. Floyd foi uma vítima da guerra travada contra os negros eu diria que no mundo todo, mas especialmente nas sociedades que viveram a escravidão e o colonialismo. A morte dele falou ao mundo todo porque foi um escândalo contra o bom senso.

I.R.: Foi mais amplificada porque podemos nos ver nessa história?

A.M.: Definitivamente podemos nos ver sendo mortos naqueles oito minutos e alguns segundos durante os quais ele implora por compaixão. Como resposta, ele recebe mais crueldade. Por isso, eu digo, que é um escândalo contra o bom senso. Contra a própria ideia do que significa ser humano. O que significa responder a um apelo direcionado a nós e tomar uma atitude.

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