Da série “Friedrich Nietzsche“.
Em A Gaia Ciência, autor alemão trata a firmeza de uma reputação não como algo bom, que dá credibilidade, como é visto pelo senso comum, mas ao contrário, como algo que simboliza a adequação ao rebanho. Segundo Nietzsche, “a reputação firmada era outrora uma questão de extrema utilidade: e onde quer que a sociedade seja dominada pelo instinto de rebanho, ainda agora, para todo o indivíduo, o mais conveniente é dar seu caráter e sua ocupação como inalteráveis – mesmo se no fundo não o são”. Portanto, é de extrema vantagem ser julgado pela permanência, ao invés de ser classificado pela mudança.
Permanência como virtude
O valor da permanência é alto por ser a única possibilidade de tornar o indivíduo previsível, ou seja, manter-se igual é manter a sociedade em segurança. A divisão do trabalho e a própria estrutura social são como mecanismos para classificação e para disposição dos indivíduos na sociedade, portanto, um branco, de classe-média, nascido no Brasil na década de 80, provavelmente terá incutido valores cristãos (mesmo não sendo cristão), será a favor da baixa de impostos no país e terá uma certa preferência em assumir que a empresa é o lugar da cooperação entre patrão e empregado do que em dizer que é na empresa onde o antagonismo de classes se encontra colado.
Este estereótipo socialmente construído é uma forma de adequar, adestrar, moldar os sujeitos de acordo com as possibilidades construídas e prescritas pela própria sociedade. É aí que o sujeito “firme” em seu caráter se torna um bom instrumento, “a sociedade sente com satisfação que tem um instrumento de confiança, pronto a todo tempo, na virtude deste, na ambição daquele, na mediação e na paixão do terceiro – ela honra essa natureza de instrumento, esse permanecer-fiel-a-si-mesmo, essa imutabilidade de pontos de vista, esforços, e até mesmo de vícios, com suas honras mais altas”.
Má reputação
Nietzsche continua, desta vez sobre o valor da transformação, “uma tal estimativa [a da honraria prestada à firmeza], que por toda a parte floresce e floresceu ao mesmo tempo que a eticidade do costume, educa ‘caracteres’ e atribui a todo mudar, reaprender, transformar-se, uma má reputação. E isto, em todo caso, por maior que seja de resto a vantagem dessa maneira de pensar, é, para o conhecimento, a mais perniciosa de todas as espécies de juízo geral”.
É a mais perniciosa, a mais nociva, porque a boa vontade do conhecedor de, a qualquer momento, se declarar contra aquilo que sabia e opinava anteriormente, além do ceticismo em relação àquilo que tenta se firmar em nós (ou seja, o ceticismo em relação às estrutura sociais que inculcamos durante toda nossa vida e que já funcionam “naturalmente” em nossa constituição) é prejudicial à sua autoridade – é esta boa vontade de se transformar que anula qualquer previsibilidade moral ou filosófica.
“A intenção do conhecedor [em mudar, se transformar], estando em contradição com a ‘reputação firmada’, passa por desonrosa, enquanto a petrificação dos pontos de vista fica com toda a honra para si”, escreveu Nietzsche. O firmamento de caráter, a petrificação das opiniões tem relação com a própria noção de verdade.
A verdade (que é absoluta, fixa e, portanto, imutável) enquanto a imposição coletiva e coletivizadora é aquilo que atende ao instinto de rebanho, que atende à negação de enfrentar o mundo de peito aberto, entretanto, ao mesmo tempo, a verdade (e, portanto, a fidelidade à verdade e à previsibilidade) é, também, um instrumento de poder, é como as elites dominam e impõem a sua vontade sobre um corpo de dominados.
Então, a “má reputação” significa muito mais do que uma opinião generalizada. Ela deve ser vista como uma forte sanção difusa que coage o sujeito a se adequar aos padrões da sociedade. A “má reputação” rebaixa as possibilidade de exercer a dominação a zero, quem tem má reputação não participa da vida em sociedade portanto a mesma autoridade que aqueles que são honrados. É pela “má reputação” que os indivíduos são coagidos a se firmarem na verdade e a reproduzirem sua própria dominação.
Referências
NIETZSCHE, Friedrich. Gaia Ciência, São Paulo: Escala, 2008.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
Sou fã de uma de suas obras: “O super Homém” me trouxe um estímulo a distenção com o modêlo que descaracteriza o verdadeiro Homem, que segundo Nietzsche, o homem se tranforma em cordeiro,não tém vitalidade e perde sua energia criadora, com isso vive amedrontado, acuado sob o chicote imposto para não perder a salvação, segundo uma visão do além vinculada a igreja católica romana.