O corpo em Michel Foucault – DROPS #25

Eleições, resultados e o corpo político. Youtube do Colunas Tortas, 2022. Disponível em <<https://youtu.be/3LgKJdnyugI>>. Acesso em 05 out 2022.

O corpo em Michel Foucault

Me parece que há uma relação direta da noção de corpo em Michel Foucault com política, uma relação refinada, uma relação que se difere da maneira como entendemos o corpo sendo político, como entendemos a política nos atos cotidianos e na performance corporal. Talvez a gente possa entrar um pouco nesta noção para começar o papo, ao menos criando o suporte necessário para sustentar uma reflexão que eu acredito ser inócua sem a consideração de um corpo que é atravessado pelo poder antes mesmo de ser conduzido pela consciência.


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Corpo em Michel Foucault: saber e poder

Vou focar na noção de corpo em Michel Foucault e seus usos na analítica do poder, em suas genealogias, e irei me afastar dos textos em que o corpo assume um papel de criação, de libertação, mas também nos textos em que o corpo é um objeto puramente do saber, em que o corpo é entendido como enunciado, como n’O Nascimento da Clínica, que é uma análise do discurso. Eu gostaria, portanto, falar da noção de corpo localiza no procedimento genealógico foucaultiano e irei falar em termos gerais com objetivo de alcançar somente um ponto específico.

o corpo em michel foucault

A noção de corpo em Foucault não é naturalista: o corpo não é braço, perna, organismo completo e a relação entre os órgãos, isso é evidente. Claro que o corpo biológico existe, o ponto é que a noção não está neste nível de análise. Quando Foucault fala sobre corpo, sua aproximação é justamente daquilo que parece não ter história, como os instintos. Parece que instintos não têm história, assim como o amor, as paixões, a tristeza, a guerra, o ódio, essas coisas parecem não ter história, parecem não ter forma, parecem ser puro conteúdo. Parece que foram criadas dentro de nós e que nossa consciência as faz desabrocharem no mundo real e talvez a noção de corpo de Foucault, central para a elaboração de uma microfísica do poder, na medida em que a microfísica explora a corporeidade no nível das relações de poder que, por sua vez, de maneira nenhuma irá somente reprimir. Este poder atuará positivamente e será a condição para aquilo que chamamos de instinto, para a maneira como nós o definimos, mas também como lidamos com ele na realidade, na carne. É o poder que transforma em real isso que chamamos de instinto: a espontaneidade do amor, do ódio… Até mesmo como delimitamos este tipo de predicados que são colocados num nível biológico, natural e a-histórico.

Corpo em Michel Foucault: um elemento

Acredito que posso sintetizar rapidamente essa definição ao dizer que corpo, para Michel Foucault, é um elemento. Corpo não é necessariamente um organismo, mas também não é sujeito ou indivíduo. Corpo é um elemento que, a depender das estratégias de poder, dá condições à emergência do indivíduo. E eu digo emerge um indivíduo na medida em que o indivíduo é talvez uma classificação que seja localizada muito mais num saber e manipulada através de relações de poder.  Quando as relações de poder dão vazão à emergência do indivíduo, tomando como exemplo o Vigiar e Punir, elas atravessam o corpo e o tornam, dentro do saber, significável como indivíduo e, dentro das relações sociais, o tornando de fato como corpo individual, alvo de administração, de disciplina. A mesma coisa quando se pensa corpo-espécie nos trabalhos do autor quem envolvem a biopolítica. O corpo-espécie é um tipo específico em que o elemento que precisa ser reformado, criado a cada instante, é materializado na realidade administrativa coletiva.

O corpo, para Michel Foucault, necessariamente será político. Mas não político porque alguém o quis, porque aqueles que “detém” seus corpos pensam na política e desejam mover seu corpo politicamente. Não se trata do nível da consciência. A noção de corpo como corpo político está num nível da constituição – ele é constituído politicamente na medida em que a esfera política é a esfera em que se pode observar as relações de poder talvez de um jeito mais “separado”, separado em sua caixinha como aprendemos esquematicamente nos cursos de graduação.

O corpo, portanto, como um elemento nunca terminado, nunca um dado, mas sempre um elemento de variação, de transformação, sempre um elemento a ser historicamente localizado, este corpo, esta noção de corpo se filia a um entendimento materialista da realidade social e a um entendimento de que necessariamente é necessário a concretude do dia-a-dia para que se explique sua existência. É por isso que os trabalhos como Vigiar e Punir ou História da Sexualidade são recheados de exemplos concretos retirados de documentos, manuais normativos, reflexões filosóficas para uma ética cotidiana, etc. O corpo político se faz na política a partir de relações micro, relações que ao atravessarem o corpo, o fazem confessar suas culpas, falar sobre si, ser dócil, o poder marca o corpo para que a prática de liberdade seja sentida em momento de dominação ou para que os próprios momentos de dominação possam ser significados como momentos de liberdade e, assim, sentidos enquanto libertação.

Corpo em Michel Foucault é político

O corpo político é político porque as relações de poder o marcam antes de marcar a própria consciência ou antes da atuação da consciência. Antes de se ter uma noção operatória de consciência no procedimento foucaultiano há uma relação de poder atravessando um corpo e lhe dando condição de sentir amor ou ódio, por exemplo. De evidentemente dar vazão material, concreta na realidade social de o que se trata o amor ou o ódio. Não se trata somente do significado, este é o ponto: o amor, seja qual for, é feito de práticas que depois são significadas. Se trata de entender o corpo marcado por relações que produzem práticas.

Um poder positivo que ao atravessar o corpo lhe dá uma forma específica e condições específicas de sentir, de viver. Até quando se fala de resistência e quando se entende por exemplo o papel positivo da escrita de um diário e da autoconstituição através desse processo de escrita e leitura, processo lento e constante de observação de si, até neste sentido, é necessário compreender que a constituição de si está no nível da palavra e do gesto de leitura, não exatamente da consciência que lê. O gesto de leitura que faz o signo marcar o corpo e o transformar – seja para autonomia, para emancipação, para libertação ou para dominação.

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