Da série Friedrich Nietzsche.
A corrupção é assunto de boteco, é parte do senso comum e dos julgamentos mais superficiais sobre a política brasileira.
Nada novo neste horizonte, já que a corrupção é o crime mais perverso que pode ser nomeado em uma democracia liberal: ela, a corrupção, indica a falta de ética num mundo em que o indivíduo é autodeterminado, indica a falta de fibra no caráter de um sujeito. Caráter esse que só pode ser feito individualmente e por escolhas e decisões individuais.
O uso do adjetivo “corrupto” é estratégico, então. É uma maneira de retirar um oponente da vida em sociedade (já que para viver em sociedade é necessário seguir certas regras éticas). Indo além da significação popular da palavra “corrupção”, Nietzsche nos presenteia com outra significação para este termo. Segundo o autor:
Essa palavra, em minha boca, é isenta de pelo menos uma suspeita: a de que envolve uma acusação moral contra a humanidade. A entendo – e desejo enfatizar novamente – livre de qualquer valor moral: e isso é tão verdade que a corrupção de que falo é mais aparente para mim precisamente onde esteve, até agora, a maior parte da aspiração à “virtude” e à “divindade”. Como se presume, entendo essa corrupção no sentido de decadência: meu argumento é que todos os valores nos quais a humanidade apóia seus anseios mais sublimes são valores de decadência. (Nietzsche, O Anticristo)
A decadência é o sentido que os homens tomam quando estão sob o processo de niilismo (ou, em outras palavras, a decadência é o sentido moral do niilista, aquele que nega a vida). O homem decadente é o crente, o iludido pela estrutura religiosa de pensamento: é aquele que vive num mundo de fantasia e sombras.
A corrupção, portanto, são estes infinitos momentos de negação da vida, de deixar de lado aquilo que importa e aquilo que nos faz fortes, para ir em busca daquilo que nos enfraquece. “Denomino corrompido um animal, uma espécie, um indivíduo, quando perde seus instintos, quando escolhe, quando prefere o que lhe é nocivo”, explica o autor.
A corrupção, portanto, não é o ato de elaborar estratégias para conseguir movimentar mais poder, para conseguir se afirmar como guia, como comandante. Pelo contrário, a corrupção é exatamente se sentir culpado por ter elaborado a estratégia e se declarar como culpado para as autoridades.
Evidentemente, uma corrupção política, por exemplo, indica justamente a escolha pelo ato sorrateiro, fácil, para conseguir seus objetivos. A corrupção que Nietzsche trata é moral, é aquilo que permite uma vida niilista, uma vida que pode ser, então, movida pelo vazio, pela satisfação de prazeres imediatos por vias fáceis.
Publicado originalmente em 2014. Atualizado em 2024.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
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