Índice
Introdução
O Mal-Estar na Civilização (1930) é um importante texto de Sigmund Freud que aborda sua teoria da cultura. Nele, o pai da psicanálise ensaia a respeito dos conflitos entre indivíduos e sociedade, que resultam em infelicidades e evocam respostas a elas.
Civilização
Freud conceitua o termo civilização como “designador da soma de realizações e instituições que afastam a nossa vida daquela de nossos antepassados animais, e que servem para dois fins: a proteção do homem contra a natureza e a regulamentação dos homens entre si”[1].
A organização em uma civilização requer renúncias pulsionais. Como explicação, mostrou que toda “a cultura totêmica baseia-se nas restrições que eles tiveram que impor uns aos outros, a fim de preservar o estado das coisas” [2]. Assim, afirma que “o homem civilizado trocou um tanto de felicidade por um tanto de segurança”[3], sendo o sentimento citado “algo inteiramente subjetivo”[4]. Por essa razão, considera difícil julgar se os sujeitos de épocas anteriores foram mais ou menos felizes, assim como identificar que papel suas condições culturais desempenharam nisto.
Sofrimento
Freud identificou “três fontes de onde vem o nosso sofrer: a prepotência da natureza, a fragilidade de nosso corpo e a insuficiência das normas que regulam os vínculos humanos na família, no Estado e na sociedade”[5].
Assim, percebe-se que muitas possibilidades são restritas devido à constituição humana. Por exemplo, uma vez que a natureza nunca será totalmente dominada, os organismos humanos sempre serão construções transitórias, limitadas em adequação e desempenho.
No mais, apresenta seu julgamento de que vale mais uma vida relativamente plena e curta do que um grande adiar da morte, repleto de sofrimento. Em contrapartida, indica que, “se não podemos abolir todo o sofrer, podemos abolir parte dele, e mitigar outra parte”[6].
Respostas ao mal-estar
O autor aponta, então, que é a busca pelo prazer (meta positiva), regida pelo princípio do prazer, que constitui as intenções dos homens em suas vidas. Porém, dado que, “princípio do prazer se converteu no mais modesto princípio de realidade, sob a influência do mundo externo”[7], a tarefa de evitar o sofrimento torna-se uma segunda meta, negativa.
Então, discorre sobre as conquistas da natureza, escopo no qual se reforçam os laços de comunidade e, por meio da construção de uma vida mais tranquila e protegida, são evitadas algumas de suas coerções. Nesse contexto, pontua que os progressos humanos nas ciências naturais são importantes, e concorda que os indivíduos devam se sentir orgulhosos destes. Todavia, considera que “apenas o poder sobre a natureza não é a única condição de felicidade humana, assim como não é o único objetivo de seus esforços culturais”[8].
Em seguida, apresenta o método de obtenção de prazer/fuga do desprazer que considera mais cru, o químico. Trata-se da intoxicação, anestésica ou excitativa. À ela “não se deve só o ganho imediato de prazer, mas também uma parcela muito desejada de independência em relação ao mundo externo”[9].
Outra tática é a de “deslocar de tal modo as metas dos instintos que eles não podem ser atingidos pela frustração a partir do mundo externo”. Considera o melhor resultado obtido quando se consegue elevar suficientemente o ganho de prazer a partir das fontes de trabalho psíquico e intelectual. Isto relaciona-se à sublimação: “um traço bastante saliente da evolução cultural, ela torna possível que atividades mais elevadas, científicas, artísticas, ideológicas, tenham papel tão significativo na vida civilizada”[10].
No mais, eis o consolo proporcionado pelas ilusões. O âmbito dos quais se originam tais ilusões é aquele da vida da fantasia”[11]. Neste, há a devoção a religiões. Também destaca-se a fruição de obras de arte, que produzem “passageiro alheamento às durezas da vida”[12]. Assim, ela liga-se à tática de estetização da existência, ou seja, encontro do prazer no gozo do belo. Seu parecer é de que exige-se que o homem civilizado venere a beleza, onde quer que ela surja na natureza, e que a produza em objetos, onde quer que ele seja capaz de fazê-lo”[13].
Há formas como retraimento da libido a si, via delírio ou ascese do eu. A neurose também pode funcionar como um refúgio, pois, dado que “frustrações da vida sexual que os indivíduos chamados neuróticos não suportam”[14], “descobriu-se que o homem se torna neurótico porque não pode suportar a medida de privação que a sociedade lhe impõe”[15].
Por fim, descreve a experiência de amor (amar e ser amado), compreendida como circulação da gramática própria de reconhecimento. Destaca, logo, sua manifestação sexual, que “nos proporcionou a mais forte experiência de uma sensação de prazer avassaladora, dando-nos assim o modelo para nossa busca da felicidade”[16].
Considerações finais
Em O Mal-Estar na Civilização, Sigmund Freud aponta que indivíduos são organizados em civilização, assim regulamentando suas convivências interpessoais. Devido às restrições então impostas uns aos outros, ocorrem renúncias pulsionais.
As consequências de obtenção de maior segurança não eliminam os sofrimentos inerentes à vida, decorrentes da fragilidade corporal diante a prepotência da natureza, assim como da insuficiência das próprias normas que regulam os vínculos humanos.
Como resposta a estas dores, eis a busca pelo prazer e a fuga do desprazer. O autor descreve os seguintes métodos para realizá-las: conquistar a natureza, utilizar drogas, sublimar pulsões, consolar-se com ilusões, estetizar a existência, retrair a libido e vivenciar experiências de amor.
Referências
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
[1] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 34.
[2] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 45.
[3] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 61.
[4] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 33.
[5] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 30.
[6] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 30.
[7] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 20.
[8] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 32.
[9] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 22.
[10] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 42.
[11] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 25.
[12] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 25.
[13] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 37.
[14] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 51.
[15] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 32.
[16] FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização… p. 26-27.
Psicóloga (CRP 06/178290), graduada pela PUC-SP. Mestranda em Psicologia Social na mesma instituição. Pós-graduanda no Instituto Dasein.
Instagram: @akkari.psi