Na estória de hoje, o cenário inicia na capital federal argentina, Buenos Aires. Final de outono pra ser mais exata. Minha primeira vacacione para fora do Basil, um plano passado por sinal, que só pude realizar agora. Passei por alguns dias por lá, entretanto, de certa maneira aproveitei o quanto pude e conheci boa parte da cidade a pé, em torno de mais de 30 km para ser mais precisa.
No entanto, não venho falar de meus devaneios por lá. Venho compartilhar um encontro bem bacana com uma menina que conheci dentro do ônibus (que veio ao meu lado) quando saímos da rodoviária Tietê. Incrível que não me recordo do nome da chica peruana de 12 anos erradicada na nossa terra desde os três anos de idade.
Hablamos mucho sobre sua cultura, músicas, sistema de educação e claro, sobre sua vida aqui, longe da família e essas coisas. Ela tem uma história de vida interessante e nada fácil. A mãe é peruana descendente dos incas e o pai tem descendência japonesa. Logo, não teria como a menina linda que conheci nascida em Cuzco, ter os olhinhos puxadinhos com boca e nariz marcantes além dos cabelos lisos. Uma gracinha!
No vai e vem da conversa, ela me explicou que a crise que estamos passando, afeta diretamente o trabalho de seus pais que vão ter de voltar para o Peru devido à necessidade. Ambos trabalhavam com vendas de capas de celulares, roupas e artesanatos e coisas do tipo. E desde muito cedo, ela trabalha com os pais, disse ela pra mim, nada parecido com trabalho escravo, mas sim, algo que ela pudesse fazer e sentir-se útil para ajudar na renda da família.
Ela não mora mais em São Paulo, vive em Guarapari no Espírito Santo e me disse que o ensino aqui não é tão puxado como no Peru, mas decidiu ficar com a tia em Guarapari porque a escola é melhor e tem mais gente interessada em estudar. Confessou-me também que na escola de sampa ela era a melhor mas não gostava disso, porque (segundo ela) ela tinha tanta coisa a descobrir e aprender que ela sabia que precisava de mais. Em seguida, mostrou-me um caderno de desenhos com figuras rupestres e flores e até ganhou um concurso de desenho infantil.
Ela percebeu que eu segurava um livro e me perguntou o que era. – Já ouviu falar em Albert Camus? Prontamente ela respondeu que não, mas que gostava de Gabriel Garcia Lorca e José Saramago, e que esses, ela tinha lido em português porque ela não tinha nada em espanhol em casa. E dentro do lar, os pais só falavam em espanhol para que ela não esquecesse suas raízes.
E ela mantém muito bem. Estava toda vestida de roupa típica, com xale e mochila de lã.
– Bem, eu rodei vários sebos em B.A. atrás desse livro. La Peste, de Albert Camus. Tive a oportunidade de ler, O Estrangeiro e o Mito de Sísifo. Ele é um desses escritores que usa a caneta e põe a alma pra fora, que faz a gente ter gosto da vida e o prazer em ler. Teve uma vida dificultosa, passou fome, conheceu a face horrenda da guerra… Sua escrita e filosofia são baseadas nisso.
Ficou superinteressada em ler. Anotei o meu nome na primeira página e disse pra ela me buscar depois. Só a alertei para grifar as palavras mais rebuscadas e tirar a dúvida no dicionário porque era uma coleção de bolso original da década de 1970. Degustamos alfajores de dulce de leche e dormimos.
No outro dia como combinado. Despertei-a quando chegou a parada e desejei boa sorte na prova já que ela ia direto para escola fazer o teste de português. E no período da tarde ia pra sorveteria, local onde trabalha como atendente.
À noite, quando me preparava para deitar encontrei na internet um blog que teria o livro em PDF. Caso alguém tenha interesse, acesse o link clicando aqui.
Boa Leitura!