BEBEL, August. Pobreza e fecundidade. item 3 do capítulo XXX do livro: A Mulher e o Socialismo, publicado na Alemanha em 1879. Disponível em <<https://www.marxists.org/portugues/bebel/1879/mulher/30.htm>>.
De qualquer ângulo que se considere o sistema econômico do capitalismo, veremos sempre que a necessidade e a miséria das massas não são conseqüências da penúria dos meios de subsistência e de víveres, mas sim da desigual distribuição dos mesmos e da absurda administração econômica, que proporciona abundância a uns e condena outros à fome. As afirmações de Malthus só tem sentido partindo da produção capitalista.
Por outro lado, a produção capitalista incentiva a procriação: para as oficinas e as fábricas precisam-se de “braços” baratos sob a forma de menores. Para o proletariado, a procriação tem a sua conta: os filhos têm de ganhar o pão. Na industria caseira, o proletariado vê-se inclusive forçado a ter muitos filhos, pois que isso lhe garante a possibilidade de competir com os rivais. É, na verdade, um sistema atroz, que agrava o empobrecimento operário e o torna mais dependente do patrão. O proletário tem de trabalhar, em troca de um salário cada vez mais miserável; toda a lei de proteção ao trabalho, toda a nova despesa para cumprir este ou aquele dever social, que o empresário não tem de satisfazer com respeito aos operários que trabalham em casa própria, estimulam os capitalistas a ampliarem este tipo de indústria a domicílio porque, em resumo, o sistema proporciona ao patrão vantagens que este dificilmente encontraria noutras formas de empresa; porém, como é natural, o caráter do processo de produção nem sempre torna possível a indústria doméstica.
O sistema capitalista de produção não apenas gera a superprodução de mercadorias e de operários, como também de intelectuais; a estes é cada vez mais difícil encontrar trabalho, pois a oferta é maior que a procura. No mundo capitalista, só uma coisa é supérflua: o capital e o seu proprietário, o capitalista.
Os economistas burgueses são malthusianos, pois assim o exige o seu interesse burguês. Apenas é preciso que não tornem extensivas à sociedade socialista as suas necessidades burguesas. Até John Stuat-Mill disse:
O comunismo é precisamente o estado de coisas do qual cabe esperar que a opinião pública se pronuncie de modo mais enérgico contra esta espécie de intemperança egoísta. Todo o aumento de população, capaz de restringir o bem-estar ou de aumentar os encargos das massas, deveria ter, para cada indivíduo da associação, inconvenientes diretos e incontroversos que pudessem imputar-se à avareza do empresário ou aos injustos privilégios dos ricos. Nestas circunstâncias tão diversas, a opinião pública não poderá deixar de manifestar a sua reprovação; e se tal não bastasse, há que reprimir, com certas penalidades, toda a incontinência suscetível de causar dano à sociedade. Assim, a teoria comunista não merece de modo algum censura pelo perigo de superpopulação; ela antes se recomenda pela tendência para evitar tal inconveniente.
Na página 376 do Manual de Economia Política de Rau, o professor Wagner afirma:
Ainda menos se poderão conceder, na sociedade socialista, a liberdade de matrimônio e a de procriação.
Desta forma, os mencionados autores chegam à conclusão de que a tendência para a superpopulação é própria de todos os estados sociais, e ambos afirmam que o socialismo, melhor que qualquer outra formação social, estará em condições de pôr em equilíbrio a correlação entre a população e os meios de subsistência. A segunda opinião é justa, ao passo que a primeira é errada.
É certo que houve socialistas que, corrompidos pelas idéias malthusianas, receavam a “aproximação” do perigo de superpopulação. Mas desapareceram. O estudo profundo da teoria e da essência da sociedade burguesa curaram-nos deste erro. São igualmente esclarecedoras para nós as lamentações dos nossos agrários a respeito da produção demasiada de víveres, do ponto de vista do mercado mundial, até que a subseqüente redução de preços privou de rentabilidade a dita produção.
Os nossos malthusianos pensavam, e os charlatões burgueses fizeram coro, que a sociedade socialista, onde existe a liberdade do amor e da vida digna do ser humano, será semelhante a uma sociedade de coelhos, afundar-se-á na pior das liberdades sexuais e dedicar-se-á à desenfreada proliferação. Dar-se-á precisamente o inverso. Até agora, em média, as famílias menos afortunadas têm mais filhos. Pode-se inclusive afirmar, sem medo de exageros, que quanto mais pobre é a camada proletária, mais filhos as suas famílias têm; embora haja exceções. Virchew confirma-o, quando em meados do século passado escrevia:
Assim como o operário inglês, na sua mais funda depravação e na sua extrema decadência mental, não conhece, no fim das contas, senão os prazeres — a bebida e a satisfação carnal —, a população da Alta Silésia, até os últimos anos, centra todos os seus desejos e todas as suas aspirações nestas duas coisas. A aguardente e o desregramento sexual impuseram o seu poder supremo nesta zona. Assim se explica o rápido crescimento numérico da população e a sua igualmente rápida degenerescência física e moral.
Marx expressa idêntico critério em O Capital:
De fato, não é apenas o número de nascimentos e de óbitos, mas também o aumento das famílias que se acha na razão inversa do montante do salário, quer dizer do conjunto do meio de subsistência de que dispõem as diferentes categorias de operários. Esta lei da sociedade capitalista será disparatada entre selvagens e até entre os colonos civilizados. É uma lei que recorda a reprodução em massa de espécimes animais individualmente débeis e perseguidas.
Mais adiante, Marx cita Laing:
Se toda a gente vivesse desafogadamente, a terra não tardaria a ficar despovoada.
Assim, Laing mantém uma opinião contrária a de Malthus: “as boas condições de vida não estimulam, antes reduzem a natalidade”. O mesmo afirma Hebert Spencer: “A perfeição e a capacidade de procriação são sempre opostas uma à outra. Daqui se deduz que o sucessivo progresso da humanidade levará, possivelmente, a uma menor procriação.”
Por conseguinte, neste ponto coincidem opiniões de homens que, noutros problemas, ocupam posições distintas. Na questão que nos interessa, aderimos a eles.
– August Bebel.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.