PARTE I – PORNOGRAFIA
Embora a representação da nudez e de relações sexuais tenha tido início há muito tempo, havendo registros consideráveis já no Egito antigo, a pornografia propriamente dita, em seu processo histórico de desenvolvimento, surgiu como forma de contestação crítica às autoridades religiosas e políticas. Com a popularização da escrita e o avanço das tecnologias de imprensa em meados do séc. XVI, a mesma passou a ter caráter comercial e a ser usada com o intuito de obter prazer sexual, alcançando, inclusive, as camadas populares. Por este caráter subversivo, em determinado momento ela passa a sofrer reações por parte da sociedade burguesa/conservadora.
Veja também: Parte II: Prostituição.
Pensar a pornografia e a prostituição geralmente remete a pensar em “campos em que o desejo não socializado é realizado”; em campos paralelos à realidade, e não integrantes dela, onde o que conta é unicamente a representação. No entanto, dissociá-las de sua função histórica e desprovê-las de seu caráter ideológico de dominação e hierarquia é um erro, ainda que sua problematização deva ser feita através de uma abordagem libertadora e não conservadora.
Uma indústria essencialmente masculina
“No período que vai do século XVI até XVIII, a pornografia, como estrutura de representação literária visual, apresentou o corpo feminino como um objeto do prazer masculino. Os novos ideais e também os padrões biológicos e morais que se desenvolveram nos séculos XVIII e XIX exigiram a reafirmação da diferença sexual e, portanto, social e política fundamental entre homens e mulheres. Entre 1790 e 1830, a função social e a política da pornografia mudam para tornar-se um negócio comercial” (KAMPF, 2008:21).
A pornografia surge com um público bem definido: a elite urbana e masculina, mas mesmo quando passa a ter teor comercial e de incitação ao prazer sexual, não desfaz sua “essência” conforme expande seu conteúdo. Ela surge fundamentada na comercialização e dominação de corpos femininos, e uma mera alteração em sua definição não é suficiente para desfazer suas consequências.
Toda a publicidade em torno da pornografia é voltada para o consumidor masculino, para incitar o olhar e o apetite sexual do macho. Com um pouco mais de curiosidade e investigação vemos que também a produção é massivamente controlada por homens, tanto operando as filmadoras, quanto máquinas fotográficas ou editorias de publicações. Testosterona é o combustível principal para a indústria pornográfica .
(FEMINISMO E PORNOGRAFIA: DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS – Léa Menezes de Santana e Lindinalva da Silva Rubim – UFPB)
Seu papel na construção da sexualidade masculina
Meninos, que geralmente têm mais fácil e precoce acesso à pornografia, sendo até mesmo incentivados por parentes e amigos, constroem seu ideário sexual tendo em vista as formas de dominação de corpos femininos expressos na pornografia, além da banalização da sexualidade das mulheres presentes em todos os tipos de mídias, tanto as publicitárias como aquelas declaradamente participantes da indústria do sexo. A pornografia é fundamental na construção da misoginia.
Igualmente obscurecida pelos ilusórios relatórios da mídia e completas mentiras é a evidência direta da casual relação entre o consumo de pornografia e o aumento nos níveis de violência, hostilidade e discriminação. Então, poucos daqueles presos em casamentos sexualmente tóxicos ou empregos (para manter um teto sob suas cabeças e suas crianças alimentadas) sabem. Poucos – exceto os que o fizeram ou sofreram – sabiam que os abusos da produção da industria pornográfica são um mero prelúdio do abuso produzido em massa por meio da distribuição em massa da pornografia e seu consumo em massa: os estupros, o assédio sexual, o abuso sexual de crianças, o sexo forçado, a prostituição forçada, a sexualização forçada, o status de “segunda classe”, e o aumento da inabilidade para diferenciar essas coisas do sexo – tudo isso do que uma mulher é.
(Andrea Dworkin e catharine MacKinnon em “Pornografia e direitos civis”)
A necessidade de não reduzi-la ao “campo dos desejos”
A lei tradicionalmente considera pornografia como uma questão de virtude privada e moral pública, e não injuria pessoal e abuso coletivo. As leis da pornografia são as leis que regulam a moral, e não as leis sobre segurança publica, segurança pessoal ou igualdade civil. (…) A questão de que a pornografia pode ser prejudicial para o tecido social já foi considerada; mas o fato de que talvez indivíduos ou grupos específicos estejam sendo machucados pela pornografia não.
(Andrea Dworkin e catharine MacKinnon em “Pornografia e direitos civis”)
Portanto, a pornografia é geralmente analisada como conceito, e não como prática, uma vez que remete ao campo da ficção no qual os desejos podem se satisfazer, sendo algo individual e não coletivo; pessoal, e não político, e por isso seus efeitos e consequências são frequentemente relativizados.
A concepção legal do que é pornografia tem autoritariamente moldado a concepção social do que a pornografia faz. Ao invés de reconhecer a injuria pessoal e as violências sistêmicas da pornografia, a lei informa à sociedade que a pornografia é um reflexo passivo ou uma representação ou um produto “sintoma” ou um artefato do mundo real. Assim torna-se a pornografia uma idéia análoga a – uma repetição de palavras e figuras – outra coisa, que de alguma forma torna a própria pornografia outra coisa irreal também. Então seus males não são vistos como reais. Eles são na verdade protegidos sob o disfarce do nome dado àquele mundo de imagens e palavras que não são consideradas reais: discurso. (…) A pornografia aparenta ser irreal para se proteger, em ordem de proteger o prazer, sexual e financeiro, daqueles que se aproveitam de seus benefícios.
(Andrea Dworkin e catharine MacKinnon em “Pornografia e direitos civis”)
Fontes:
[1] http://migre.me/pNVnr
[2] http://migre.me/pNVkj
[3] http://migre.me/pNVme
[4] http://migre.me/pNVmZ
Acredito que a palavra segue sendo meu ponto fraco.
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