Anselm Strauss e Berney Glaser entendem que uma pesquisa qualitativa com objetivo de gerar teoria é de difícil delimitação temporal, difícil contrução de um cronograma sólido e fixo. A geração da teoria é uma tarefa que pode levar tempo por conta da própria necessidade do pesquisador em visualizá-la a partir dos dados, mas também pela constante necessidade de ir a campo para coletar novos dados que poderão embasar a teoria emergente.
The tempo of the research is difficult to know beforehand, because it is largely contingent on the tempo of the emerging theory, which may come quickly at some points and at others involve long periods of gestation (STRAUSS; GLASER, 1999, p. 74).
É interessante lembrar que o prazo da pesquisa tende a aumentar a cada nova necessidade de ir a campo porque, com base no procedimento de amostragem teórica, a teoria tende a emergir justamente a partir de uma análise que tende a exigir uma nova coleta que, por sua vez, acontecerá em conjunto com a própria análise e seu aperfeiçoamento.
Ou seja, é a própria teoria emergente que guiará as novas buscas por dados, que guiará quais novos grupos deverão ser pesquisados e quais tipos de observações deverão ser feitas. Assim, é a teoria que guia a busca por dados, no lugar de uma busca por dados estagnada na primeira etapa e fixada por um método que tende a considerar como subproduto tudo aquilo que não se encaixa no aporte metodológico necessário para uma teoria prévia que se tem como base e ponto de partida.
Evidentemente, nasce um problema de ordem prática: como elaborar um planejamento com cada etapa da pesquisa já prescrito e previsível?
This difficulty raises a problem: in presenting proposals for research grants, how does the sociologist who intends to generate theory antecipate the amount of time necessary for data collection and for the whole project? This is a question that review boards want answered – but it is difficult to answer for studies focused on generating theory, while relatively easy for those devoted to verification and description, which require preplanned schedules (STRAUSS; GLASER, 1999, p. 74).
A quantidade de grupos a serem estudados, a profundidade de cada coleta de dados, a quantidade de tempo para organizar as diferentes quantidades de dados coletados, tudo leva um tempo que é difícil de prever. Entretanto, um pesquisador pode prever quais territórios farão parte de sua pesquisa; neste territórios, quais tipos de grupos poderão ser pesquisados; quais locais geográficos e administrativos (como cidades, bairros, estados) serão alvo da pesquisa e, por fim, a partir de um planejamento baseado na delimitação dos locais em que o fenômeno se manifesta e quais tipos de grupos estão relacionados a ele, o pesquiador poderá estimar um prazo.
Specifying the kinds of groups will indicate the range of types necessary to achieve the desired scope and conceptual generality and to maximize differences for developing properties. In field and survey research, rough estimates can be given of how many large units (such as number of cities, regions, and countries) will be sampled. In library research, the sociologist can talk of the different caches of material to be used. From these descriptions, he can estimate the time necessary for completion of his project, allowing ample time at least for the data collection, and realizing that the final theorerical analysis and writing can continue for years (STRAUSS; GLASER, 1999, p. 74).
A análise e a escrita podem demorar anos pra terminar, na medida em que são tarefas que pedem constante revisão, reelaboração, aprimoramento, entendimento da lógica interna da teoria que está sendo proposta e sua relação com os dados e etc. A teoria que emerge dos dados não se descola desta mesma base de dados, mas também necessita de uma explicação rigorosa e descritiva o bastante para que não restem dúvidas sobre sua validade e para facilitar posteriores aplicações e verificações.
Ao mesmo tempo, há outros fatores que envolvem a dificuldade em prever o tempo da pesquisa: as especificidades que a pesquisa carrega consigo são difíceis de compreender pormenorizadamente. Ou seja, não é simples prever cada tipo particular de sujeitos que serão abordados para uma pesquisa ou quais indivíduos específicos farão parte do grupo a ser pesquisado, por exemplo. Este dados emergem na própria prática da pesquisa e podem mudar conforme o caminho que o pesquisador siga com sua amostragem teórica.
Detailed breakdowns of the timing of research (number of situations to be observed in one group, hours of observation, numbers and positions of people to be interviewed or surveyed, amount of time necessary for respites) are also difficult to give in a research proposal designed for discovering theory, since they depend on the directions the emerging theory takes, and on the temporal open-endedness of theoretical sampling. However, after describing the kinds of groups to be studied, the researcher can sometimes describe structural conditions that surely will affect the detailed timing of his project (STRAUSS; GLASER, 1999, p. 74).
Mas, ainda há outro ponto a ser considerado que também é de difícil quantificação: é necessário considerar o tempo necessário para ser aceito pelo grupo que será estudado, para que este grupo permita ser estudado, permita a presença do pesquisador e colabore com a pesquisa.
Este tipo de autorização ou aceitação pode levar semanas ou até meses num trabalho de campo em sociologia. Strauss e Glaser (1999) afirmam que é possível estabelecer o trabalho de pesquisa, principalmente quando é necessário a coleta de dados finais para categorias específicas, sem precisar de um rapport, pois as intenções do pesquisador podem passar desapercebidas a depender do tipo de dado buscado. Nas etapas finais da pesquisas, as últimas coletas, já mais específicas e funcionais para contruir pedaços pequenos da teoria a partir de poucas categorias, podem acontecer em minutos ou horas, sem precisar de uma alteração no cronograma de pesquisa. É possível obter os dados de maneira “clandestina”, sem a autorização ou a percepção dos sujeitos de pesquisa a partir da mera observação das condutas e práticas cotidianas.
O procedimento de amostragem teórica pode levar o pesquisador a realizar diversas entrevistas, por exemplo, que podem gerar mais necessidade de realização de outras entrevistas a partir da emergência de novas categorias. O mesmo vale para uma pesquisa documental. Sendo assim, o planejamento baseado no tempo tende a ser uma tarefa desafiadora que pode ser encarada como um momento de destacar as tarefas esperadas para a realização da pesquisa, mas sempre com margem para a introdução de novas tarefas como coleta de novos dados e análise incessante.
Referência
STRAUSS, A.; GLASER, B. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research. Editora : Aldine, 1ª edição, 1999.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.