Qual a importância da análise do discurso, por Eni Orlandi – DROPS #21

ORLANDI, Eni. Entrevista: Eni Orlandi. Canal do YouTube da Associação Brasileira de Linguística – Abralin, 2019. Acesso em 25 jul 2022. Disponível em <<https://youtu.be/ZLJJVGRjui0>>.

Eu diria que a análise de discurso importa na medida em que a linguagem importa na vida humana, social, política e etc. Mais disciplinadamente, eu diria que ela importa na medida em que nos torna capazes de apreender o funcionamento da linguagem no mundo, pois trabalho não com a linguagem em si, mas com sujeitos produzindo sentido no mundo. É importante em todos os setores em que a linguagem está presente.


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Desde o cotidiano, por exemplo quando encontro alguém na rua e falo “oi!” ou “olá!”, seja para um amigo, colega ou pessoa menos conhecida, estou estabelecendo um laço significativo na medida mesmo em que eu falo e que é fundamental na construção da sociabilidade. Da nossa sociabilidade que somos seres histórico-sociais. Desde uma coisa tão simples como um olá até chegarmos a um domínio de práticas simbólicas complexas que atingem a sociedade como um todo e o político que nos constitui, podemos dizer que a importância está em que quando conhecemos a análise de discurso, passamos a estabelecer com a linguagem, com os discursos produzidos na sociedade e na história, uma escuta menos ingênua, menos automatizada, que nos torna mais independentes em nossas interpretações, em nossa compreensão face aos processos de significação. Tanto em relação aos sentidos, como em relação aos sujeitos. Então, em suas posições assumidas pela maneira como entram nos processos de significação pois com a análise do discurso nós aprendemos a observar como estamos determinados pelas diferentes formações discursivas em que nos inscrevemos. É assim que na sua relevância, a análise do discurso nos permite procurar compreender a relação entre linguagem e ideologia.

Alguma aplicações que podemos citar rapidamente: todo objeto científico é constituído pela linguagem e para trabalhá-lo é importante que se compreenda como está sendo identificado em cada uma das teorias em que ele é trabalhado, mesmo nas ciências exatas e naturais. No cotidiano, em nossas relações pessoais e sociais, nas políticas públicas – em que a escuta social permite perceber os aparatos institucionais de Estado, entender como funcionam com sua discursividade, com sua textualidade, com sua simbolização, com a maneira como significa os sujeitos dentro da sociedade e etc. Na educação, o ensino de leitura e de escrita é algo fundamental, pois deixamos de ser interpretados para sermos autores de nossas interpretações e também autores de formulações que fazemos pois ao dar visibilidade à constituição dos sujeitos e dos sentidos, podemos deixar de repetir, podemos deixar de reproduzir e justamente romper com processos de produção dominantes e estabelecer novas formulação, novas possibilidades de processos de significação e etc.

No trabalho com as tecnologias é fundamental a análise de discurso, neste caso com as mídias ou com as redes sociais no mundo contemporâneo. Não pensando as organizações das redes, mas a ordem das redes, no como elas vão se significar e significar os sujeitos na sociedade em que vivemos que é regida e determinada historicamente pelo digital. Este trabalho ocupa uma posição crucial na compreensão das novas formas como a sociedade se organiza politicamente.

Na relação da literatura com a arte em geral, e aqui eu penso até nas várias formas de danças, sejam modernas ou populares. Na compreensão das novas formas de escrita, por exemplo: pichação, grafite, tatuagem, etc.

Nos assumindo historicamente como seres históricos e sociais, sabemos avaliar melhor nossas práticas de linguagem nas relações com os outros e com nós mesmos dentro da sociedade podendo reproduzir ou causar rupturas, como eu falei, na maneira como os sentidos circulam fazendo história. Como, ao significar nós somos significados, pois ao dizer algo eu estou não só significando aquilo que estou construindo discursivamente como estou me significando com esses sentidos – isso é uma questão que interessa ao analista do discurso. A importância da análise do discurso está em que, quando a conhecemos, passamos a estabelecer com a linguagem e com os discursos produzidos na sociedade e na história uma escuta que nos leva a não automatizarmos nossas interpretações, nossa compreensão, tanto em relação aos sentidos que se constituem, são formulados e circulam pela sociedade, como em relação ao modo como os sujeitos em suas posições assumidas em relação à significação estão determinados pelas diferentes formações discursivas que são reflexo no discurso das formações ideológicas em que se inscrevem.

Sabemos, assim, avaliar melhor os efeitos de sentido que produzimos na formação social e desta sobre nós, que é um pouco do que o Marx chama de desalienação. Com a análise do discurso, aprendemos a tornar opaco o que nos parece familiar, diz Michel Pêcheux, aquilo que nos parece transparente e na verdade não é. Num momento ao olhar, como diz Pêcheux, o dedo e não a lua quando o dedo nos aponta a lua. Nos tornamos menos determinados pelos gestos de interpretação que nos dominam. Nos tornamos dinâmicos, capazes de transformações.

Como qualquer objeto de ciência constituída pela linguagem, a análise de discurso nos torna mais aptos a compreender os diferentes objetos de conhecimento. O que nos permite descobrir e inovar também na ciência.

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