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Introdução
O Segundo Sexo, publicado originalmente em 1949, é a magnum opus da filósofa Simone de Beauvoir. Trata-se de uma análise da situação da mulher na sociedade, produção de suma importância ao movimento feminista.
No Brasil, foi publicado em dois volumes. No primeiro, Fatos e Mitos, é apresentada uma reflexão sobre o que condiciona a posição das mulheres. Um dos pontos que traz é o da psicanálise, sobre o qual debruça-se o presente artigo.
O ponto de vista psicanalítico
Com objetivo de reunir a contribuição da psicanálise no estudo da mulher, a autora apresenta e critica a perspectiva de Sigmund Freud e Alfred Adler.
Teorizando a sexualidade, Freud descreveu que a feminina e masculina se desenvolvem de forma idêntica nos dois sexos até a fase genital, quando para as mulheres há uma etapa a mais, a de passar o prazer clitoriano ao vaginal A complexidade a mais causaria maior risco de não atingir a evolução sexual e então desenvolver neuroses. Já no estágio autoerótico, o meninos passam pelo Complexo de Édipo, do qual nasce o complexo de castração e faz-se o superego. O analista descreveu a história da menina de maneira simétrica, mas com a diferença de que ela inicialmente possui fixação materna e identifica-se pelo pai até a descoberta das diferenças anatômicas entre os sexos, o que faz sentir-se mutilada. Assim, renuncia às suas pretenções viris, rivalizando com a mãe e procurando seduzir o pai.
A filósofa, então, aponta que Freud calcou suas descrições sobre um modelo masculino. Ele supõe que a mulher se sente um homem mutilado[1], ideia que implica comparação e valorização prévia da virilidade que causaria a inveja da menina. Segundo ela, a superioridade masculina, portanto, não provém do falo em si, mas do construto simbólico. Vejamos:
No que concerne à mulher, seu complexo de inferioridade assume a forma de uma recusa envergonhada da feminilidade. Não é a ausência do pênis que provoca o complexo e sim o conjunto da situação; a menina não inveja o falo a não ser como símbolo dos privilégios concedidos aos meninos; o lugar que o pai ocupa na família, a preponderância universal dos machos, a educação, tudo a confirma na idéia da superioridade masculina.[2]
Assim, afirma que o falo assume tamanho valor porque simboliza uma soberania reafirmada em outros campos. Logo, o olhar a ele não deve ser apenas sexual. “Se a mulher conseguisse afirmar-se como sujeito, inventaria equivalentes para o falo”[3]. Não há, então, universalidade na teorização, visto que “a psicanálise só consegue encontrar sua verdade no contexto histórico”[4] em que está inserida; neste, a anatomia criou um privilégio humano.
Neste ponto, a autora retoma sua argumentação de que a mulher é o Outro. Ela retoma que a condição para dissolução do Complexo de Édipo é alienar-se do modelo do pai e da mãe. Com a consideração de que suas realizações são da ordem da sublimação ou da busca de um substituto para o falo perdido, a mulher é colocada na posição de objeto:
Quando uma menina sobe a uma árvore é, a seu ver [da psicanálise], para igualar‐se aos meninos: não imagina que subir numa árvore lhe agrade; para a mãe, a criança é algo diferente do “equivalente do pênis”; pintar, escrever, fazer política não são apenas “boas sublimações”. Há, nessas atividades, fins que são desejados em si: negá‐lo é falsear toda a história humana.[5]
Ela conclui seu raciocínio com a colocação de que, entre os psicanalistas, “o homem é definido como ser humano e a mulher como fêmea: todas as vezes que ela se conduz como ser humano, afirma que ela imita o macho.”[6] Se para eles as mulheres hesitam entre tendências “viriloides” e “femininas”, Simone percebe-as entre o papel de objeto, de Outro, e a reivindicação da sua liberdade.
Considerações finais
Simone de Beauvoir reconhece o progresso psicanalítico em considerar “que nenhum fator intervém na vida psíquica sem ter revestido um sentido humano”[7]. Contudo, critica o fato de que Freud toma fenômenos por dados, fracassando em explicar suas origens: a psicanálise toma por verdadeiros fatos inexplicados[8].
Assim, apesar de reconhecer algumas perspectivas, além de não querer se restringir a considerar a sexualidade um dado, considera que a teoria subjuga a mulher. Para ela, o estudo da estrutura social é indispensável para pensar em suas condições.
Referências
BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2019
[1] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 70
[2] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 72
[3] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 77
[4] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 78
[5] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 80
[6] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 81
[7] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 67
[8] BEAUVOIR, S. O segundo Sexo: Fatos e Mitos… p. 75
Psicóloga (CRP 06/178290), graduada pela PUC-SP. Mestranda em Psicologia Social na mesma instituição. Pós-graduanda no Instituto Dasein.
Instagram: @akkari.psi