Segurança, Território, População é o sétimo curso de Michel Foucault no Collège de France. É precedido por Em Defesa da Sociedade, em que o autor introduz sua noção de biopoder, e sucedido por O nascimento da biopolítica, em que lida com a formação do neoliberalismo.
Foucault busca investigar o biopoder e as formas de governamentalidade que dão vazão para a existência do Estado moderno. Ao longo do curso, o autor explica a noção de bipoder, quando o corpo humano passa a ser considerado não só individual, mas de espécie. Uma nova coletividade política nasce a partir desta conclusão: a população.
Biopoder e governamentalidade
Para governar, o biopoder utiliza dispositivos de segurança que permitem controle, normalização e distribuição no espaço. Os dispositivos são elementos de articulação entre saber-poder na geração de subjetividades. O livro também apresenta a noção de poder pastoral e promove uma reflexão acerca do papel da liberdade numa sociedade de segurança, regida pelo imperativo da circulação.
No curso ministrado no Collège de France em 1977 e 1978, que deu origem ao livro, Foucault analisa as transformações que ocorreram no modo de governar no século XVIII, com o surgimento do Estado moderno.
Até então, o poder se exercia principalmente pela soberania, que era baseada no direito de punir os infratores da lei. O biopoder, por outro lado, não se concentra na punição, mas na prevenção de riscos e na promoção do bem-estar da população.
Foucault identifica três eixos fundamentais do biopoder:
- Segurança: o biopoder visa garantir a segurança da população, protegendo-a de ameaças externas e internas.
- Território: o biopoder se exerce sobre um território, que deve ser controlado e administrado.
- População: o biopoder se dirige à população, que é considerada um objeto de intervenção e de gestão.
Foucault analisa esses eixos em detalhes, apresentando exemplos concretos de como eles se manifestaram na história.
Segurança, território, população: Razão de Estado
Em Segurança, Território, População, a razão de Estado também é explicada pelo autor: a razão de Estado é o conjunto de elementos necessários para que a república se mantenha íntegra em quatro sentidos:
- Seu domínio: ou seja, seu território em que é soberano;
- Sua jurisdição: os limites territoriais em que a lei é aplicada de maneira soberana.
- Sua condição de vida: os elementos que validam sua existência;
- Sua qualidade enquanto coisa: sua existência concreta e não perturbável por outros Estados;
Este é o sentido objetivo da razão de Estado enquanto o sentido subjetivo se refere à arte de governo que permite encontrar meio que mantenham a tranquilidade dentro do território do Estado-nação. Trata-se de uma nova racionalidade, desta vez, específica do Estado que garante sua permanência, sua ampliação e seu fortalecimento. Não interessa, para Foucault, as práticas de Estado no sentido burocrático do termo, mas sim as práticas que são feitas pelos homens na realidade material e que se referem diretamente a este tipo novo de racionalidade que envolve as práticas estatais e a formação de sua máquina burocrática na modernidade.
Há quatro características deste tipo de razão. Odair Camati (2015) nos ajuda compreender:
Ao contrário do poder pastoral, a razão de Estado não tem nenhuma referência externa, seja natural ou divina. Como afirmamos o poder pastoral direciona-se sempre a um transcendente, a razão de Estado por sua vez, tem referência única e exclusivamente em si mesma.
a essência do Estado, ou o saber que permite que o Estado possa ser mantido e consequentemente ampliado.
Em terceiro lugar, a razão de Estado é “conservatória”, nas palavras de Foucault, pois tem por objetivo primeiro manter o Estado em seu pleno funcionamento.
Por fim, a razão de Estado é a finalidade do próprio Estado, não existe nenhuma outra finalidade externa ou superior, ou seja, é um fim em si mesma.
Segurança, Território, População sob outros olhos
Segundo o geógrafo Rogério Haesbaert:
“Segurança, Território e População” surge, provavelmente como a obra mais geográfica de Michel Foucault, repleta de temáticas muito caras aos geógrafos, como território, espaço urbano e população. Focaliza, sobretudo, o que ele vai denominar de “sociedade de segurança” ou “biopolítica”, alicerçada no “poder sobre a vida”, na ação sobre o homem não enquanto corpo, como na chamada sociedade disciplinar, mas enquanto espécie, “população”.[1]
Para o sociólogo Edson Benedito Rondon Filho:
Foucault deixa claro que na sua visão a soberania se exerce em um território, a disciplina tem como alvo o indivíduo, e a segurança, por sua vez, é exercida sobre a população. A disciplina atua em um espaço vazio ao passo que a segurança se acosta em materialidade. Para essa análise, utiliza o exemplo da ‘cidade’ e de como se deu o planejamento do que poderia ‘circular’ ou ‘não circular’ no seu interior, através dos ‘controles reguladores’ que possibilitaram vida e saúde às populações.[2]
Para os psicólogos Ricardo Abussafy de Souza e Sônia Aparecida Moreira França:
Michel Foucault finaliza seu curso de 1978 apresentando os últimos movimentos deste mecanismo de segurança policial. Acrescenta-se a esses novos elementos da governamentalidade – sociedade, população, segurança – o campo da liberdade, que se transforma também em objeto das relações de poder ao ser bem delimitado e integrado no interior das práticas governamentais. A liberdade é o novo imperativo da razão de Estado, ou seja: quanto de liberdade se precisa para bem governar? Qual o custo de fabricação dessa liberdade? Governa-se de mais ou de menos? Afinal, as artes de governar se relacionam com sujeitos livres desde o século XVIII.[3]
Resumo
Livro: | Segurança, Território, População; |
Publicação: | 1978; |
Autor: | Michel Foucault; |
Precedido por: | Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976); |
Seguido por: | Nascimento da biopolítica: curso no Collège de France (1978-1979). |
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Referências
[1] HAESBAERT, R. Segurança, território e população. GEOgraphia, v. 10, n. 19, p. 154-159, 28 abr. 2010.
[2] RONDON FILHO, Edson Benedito. Segurança, Território, População. Sociologias, Porto Alegre, ano 13, nº28, set./dez. 2011, p. 370-380.
[3] SOUZA, Ricardo Abussafy de; FRANÇA, Sônia Aparecida Moreira. Segurança, Território, População por Michel Foucault. Revista de Psicologia da UNESP, 7(1), 2008.
CAMATI, O. Uma análise da razão de estado em Michel Foucault a partir do curso Segurança, território e população. Intuitio, [S. l.], v. 8, n. 1, p. 171–184, 2015. DOI: 10.15448/1983-4012.2015.1.18492. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/18492. Acesso em: 2 ago. 2024.
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