Por Alain Badiou, tradução de Vinicius Mendes*.
Alain Badiou (1937-2023) foi um filósofo francês conhecido por suas contribuições à filosofia contemporânea, especialmente na área da teoria política e da ontologia. Ele é conhecido por suas ideias sobre a natureza da verdade, a política e a matemática, e seu trabalho frequentemente explora conceitos como o “evento”, a “verdade” e a “hipótese comunista”.
Badiou teve uma influência significativa na filosofia moderna, propondo uma visão radical sobre a capacidade de transformação social e política. Seu pensamento é fortemente influenciado por filósofos como Platão, Hegel e Marx, e ele também é conhecido por seu trabalho em lógica matemática e sua aplicação desses conceitos na filosofia.
Além de suas obras filosóficas, Badiou também se envolveu em debates políticos e culturais, defendendo uma visão de política que é crítica das formas estabelecidas de governo e economia.
Neste artigo, fala sobre o obscurantismo contemporâneo.
Como devemos chamar as construções intelectuais extraordinárias que são os trabalhos de Darwin, Marx e Freud? Elas não são estritamente ciências, mesmo se a biologia – incluindo a biologia contemporânea – for pensada dentro da moldura darwiniana.
Elas certamente também não são filosofias, mesmo se a dialética, esse antigo nome platônico para filosofia, tenha ressurgido com Marx.
Elas não podem ser reduzidas a práticas às quais esses autores jogaram luz, mesmo se a experimentação prova a razão de Darwin, mesmo se políticas revolucionárias tentam verificar a hipótese comunista de Marx, e mesmo se a cura psicanalítica coloque Freud nas fronteiras sempre confusas da psiquiatria.
Vamos chamar o “século 19” de período que vai da Revolução Francesa à Revolução Russa. Eu proponho chamar essas três tentativas de dispositivos de pensamento geniais e, afirmando isso, em um certo sentido esses dispositivos identificam o que o século 19 trouxe, como uma nova força, para a história da emancipação humana.
Obscurantismo é um termo que se refere à prática de ocultar ou restringir o acesso ao conhecimento e à informação, geralmente com o intuito de manter o controle sobre as pessoas e limitar a crítica ou o questionamento. Esse conceito é frequentemente associado a regimes autoritários, instituições religiosas ou sistemas políticos que buscam suprimir a educação e a liberdade de pensamento para preservar seu poder e influência.
No contexto mais amplo, o obscurantismo pode se manifestar de várias maneiras, como censura, restrição à liberdade acadêmica e científica, ou manipulação da informação para favorecer interesses específicos. A ideia central é que ao obscurecer o conhecimento e impedir o acesso à informação, esses sistemas tentam manter a sociedade em um estado de ignorância ou conformismo.
Depois de Darwin, os movimentos da vida humana e da existência, irrevogavelmente desvencilhados de toda transcendência religiosa, foram deixados à imanência de suas próprias leis.
Depois de Marx, a história dos grupos humanos foi removida tanto da opacidade da providência e da onipotência quanto das inércias opressivas da propriedade privada, da família e do Estado. Ela foi deixada ao jogo livre das contradições dentro da qual um futuro igualitário deve ser ser escrito – mesmo se for com esforço e incerteza.
Depois de Freud, ficou compreendido que não há alma, cujo treinamento seria sempre algo moralizante, opondo os desejos primordiais ao que a infância traz com o que será.
Ao contrário, é no centro desses desejos, particularmente dos desejos sexuais, que a possível liberdade do sujeito está em jogo – uma liberdade em que ele ou ela dependem da linguagem, esse resumo da ordem simbólica.
Por muito tempo, todas as formas de conservadorismo atacaram esses três grandes dispositivos. É natural. É muito bem conhecido o fato de que nos Estados Unidos, mesmo hoje, as instituições educacionais são geralmente forçadas a opor o criacionismo bíblico à evolução em um sentido darwiniano.
Obscurantismo filosófico refere-se à prática de dificultar ou confundir o entendimento das ideias filosóficas de maneira deliberada. Isso pode acontecer por meio da utilização de linguagem complexa e obscura, conceitos vagos, ou argumentos intencionalmente complexos que tornam a filosofia inacessível para o público geral ou mesmo para outros filósofos.
O objetivo pode ser a manutenção de uma aura de profundidade ou autoridade, a exclusão de críticos ou a preservação de uma visão específica que não se sustenta facilmente sob escrutínio mais rigoroso. No fundo, o obscurantismo filosófico tende a criar barreiras para o debate e a compreensão clara, limitando o alcance e a aplicação das ideias filosóficas.
A história do anti-comunismo praticamente sobrepõe-se à da ideologia dominante em todos os grandes países em que o capital-parlamentarismo reina sob a capa da “democracia”.
A psiquiatria positiva, que vê desvios e anomalias em todos os lugares que devem ser contra-atacados com o uso brutalidades químicas, tenta desesperadamente “provar” que a psicanálise é uma impostura.
Por muito tempo, particularmente na França, não obstante, os imensos efeitos emancipatórios, em pensamento e ação, de Darwin, Marx e Freud, prevaleceram em meio a argumentos ferozes, revisões agonizantes e críticas criativas. O movimento desses dispositivos dominou a arena intelectual. Conservadorismos estavam na defensiva.
Depois do vasto processo de normalização em escala global que começou nos anos 1980, todo tipo de pensamento ou mera crítica emancipatória é inconveniente.
Portanto, nós temos visto um esforço atrás do outro para remover todos os traços desses grandes dispositivos de pensamento que são cunhados como “ideologias” onde eles são exatamente a crítica racional da ideologia por si só.
A França, de acordo com Marx o “lugar clássico da luta de classes”, se viu sob a ação de pequenos grupos de renegados da “década vermelha” (1965-1975), que estão na linha de frente dessa reação. Nós temos testemunhado a multiplicação de “livros negros” sobre o comunismo, sobre a psicanálise, sobre o progressismo e sobre tudo que não é igual à estupidez contemporânea: consumir, trabalhar, votar e calar a boca.
O obscurantismo também se refere ao ato de tornar inacessível todo conhecimento radical ou transgressor. Ao tempo tempo, trata-se de um tipo de obscurantismo a maneira como os saberes contemporâneos, em busca da conservação, tentam retirar do debate público, através de uma crítica ao espantalho, toda forma de pensamento radical.
Entre essas tentativas, que, sobre o rótulo de “modernidade”, reciclam o tolices obsoletas liberais da década de 1820, as menos detestáveis não são aquelas derivadas de um materialismo do prazer que atua como uma espécie de vigia, particularmente em relação à psicanálise.
Longe de ser qualquer tipo de emancipação, o imperativo “aproveite!” é aquele que as tão proclamadas sociedades ocidentais nos ordenam a obedecer. E isso para nos prevenir de ver o que realmente conta: o processo em que algumas verdades disponíveis são liberadas, que os grandes dispositivos de pensamentos costumavam considerar.
Portanto, devemos chamar de “obscurantismo contemporâneo” todas as formas, sem exceção, de supressão e erradicação do poder contido, para o benefício de toda a humanidade, em Darwin, Marx e Freud.
O obscurantismo, ao mesmo tempo, retira toda e qualquer potência criativa e política do pensamento científico e crítico da modernidade. Trata-se de uma maneira de adestrar o pensamento por meio de uma censura concreta: a censura ao debate qualificado.
*Texto original publicado em francês pelo jornal Le Monde em 7 de maio de 2010. Traduzido do inglês do site TheoryLeaks.
Publicado originalmente em 2019. Atualizado em 2024.
É jornalista e cientista social. Atualmente é mestrando do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
Escreve também no blog Arimandia.
Essas três fantásticas visões de mundo, opuseram-se ao conservadorismo científico e religioso, cada qual trouxe uma porta e cada uma delas é um caminho ao desconhecido e ousado universo do saber. Imagine a formalidade de um mundo sem Freud, Marx e Darwin, seria a ciência e a religião acima da crítica, ambas lutando para superar uma a outra sem que existisse o progressismo das ideias apresentadas na natureza, na alma e na sociedade.