Da série Friedrich Nietzsche.
O vocábulo pathos vem do grego pathos, com o significado de sentimento, de sofrimento. Dele originou-se o termo patético, empregado, nos dias atuais, em sentido mais pejorativo do que positivo, sinalizando para algo excessivamente afetado, como o melodrama. Uma abordagem proveitosa do conceito de pathos pode ser realizada, por exemplo, com base nos ensinamentos da Retórica e da Poética antigas.
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Na origem, o pathos é ingrediente fundamental de uma modalidade de provas intrínsecas. A esse respeito, é válido rememorar que as provas intrínsecas são lógicas ou psicológicas. Se lógicas (racionais), dividem-se em silogismos e exemplos; se psicológicas, em éticas e patéticas. A divisão ancora-se no fato de haver, na persuasão, um componente racional e um emocional (Dicionário de termos literários de Carlos Ceia).
O pathos da verdade
O comum, o habitual, o pequeno, é aquilo que impossibilita alcançar a glória, a imortalidade. É o pequeno que sufoca, obstrui e atrasa qualquer força ativa, que barra a vontade de potência alheia. O pequeno é a multidão que grita “não!”, que se organiza em coletividades regidas sob as mesmas regras, castrando a parte realmente viva de seus membros em prol dos fracos, que sem as regras, seriam submetidos aos nobres.
O momento do eterno, do imortal, é o momento da verdade, mas não qualquer verdade: a verdade que afirma a vida, que a firma o viver, que não depende de razões e ilusões filosóficas. Essas últimas, por sua vez, são a praga da humanidade:
Em algum canto perdido do universo que se expande no brilho de incontáveis sistemas solares surgiu, certa vez, um astro em que animais espertos inventaram o conhecimento. Esse foi o minuto mais arrogante e mais mentiroso da história do mundo, mas não passou de um minuto. Após uns poucos suspiros da natureza, o astro congelou e os animais espertos tiveram de morrer. Foi bem a tempo: pois, se eles vangloriavam-se por terem conhecido muito, concluiriam por fim, para sua grande decepção, que todos os seus conhecimentos eram falsos; morreram e renegaram, ao morrer, a verdade. Esse foi o modo de ser de tais animais desesperados que tinham inventado o conhecimento.
Seria esse o destino do homem, se ele fosse um animal que busca conhecer; a verdade o levaria ao desespero e ao aniquilamento, a verdade de estar eternamente condenado à inverdade. Ao homem, entretanto, convém a crença na verdade alcançável, na ilusão que se aproxima de modo confiável. Será que ele não vive propriamente por meio de um engano constante? Será que a natureza não lhe faz segredo de quase tudo, mesmo do que está mais próximo, por exemplo de seu próprio corpo, do qual só possui uma “consciência” fantasmagórica? Ele está aprisionado nessa consciência, e a natureza jogou fora a chave. Curiosidade fatídica dos filósofos, que possibilitou olhar para fora e para baixo, por uma fresta na cela da consciência: talvez o homem pressinta, então, que se apóia no ínfimo, no insaciável, no repugnante, no cruel, no mórbido, na indiferença de sua ignorância, agarrado a sonhos, como sobre o dorso de um tigre. (Nietzsche, Cinco Prefácios Para Cinco Livros Não Escritos)
A descoberta da verdade seria temerosa, pois a verdade de fato é inalcançável. A única verdade absoluta é que estamos condenados a não encontrar verdade nenhuma. Estamos fadados à inverdade. Como nos livramos deste sentimento terrível de agonia? Suplantando a verdade inalcançável por uma alcançável.
A verdade alcançável é, primeiramente, a verdade coletivizadora. É aquela que faz com que a individualidade primitiva seja esquecida. Estamos falando da linguagem, a estrutura que transforma conceitos arbitrários em verdades absolutas. Mas Nietzsche ignora uma suposta ilusão “inconsciente”. Nos apegamos a essas verdades imaginárias porque somos indiferentes a nossa própria ignorância. Sabemos que não podemos confiar, que temos que acreditar, mas mesmo assim continuamos a nos agarrar com força total a essas crenças.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
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