Em 1920 a França foi palco do nascimento da expressão artística mais fantástica dos últimos tempos: o surrealismo. Características impressionantes, como a não-lógica, a negação dos valores burgueses vigentes (como a honra, a pátria, o trabalho, a religião e a família) e a tentativa de expressar aquilo que é verdadeiro na mente, ou seja, aquilo que está no inconsciente, fazem parte do objetivo das artes surrealistas.
André Breton, em 1924, publicou o Manifesto Surrealista, em que dava alguns passos ensinando como uma arte surrealista deveria ser concebida. Basicamente, tudo deve sair como está na mente, de uma só vez, de uma só solapada, sem muita aplicação de regras estéticas específicas, somente a descrição daquilo que passa pela cabeça do artista no momento em que é pensada. Frases desconexas, palavras desconexas e figuras sem o menor sentido fazem parte da racionalidade irracional do surrealismo.
Segundo Breton, “SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral”.
O objetivo de simplesmente jogar o que está na cabeça para a tela, para a folha papel e etc e etc é tentar realizar o mesmo trajeto do sonho: caminhos em que o superego não estará tão alerta. A característica do surrealismo que lhe marcava era o esforço em libertar a mente para a verdade de sua existência é pensar com o inconsciente.
Apesar de algumas tentativas de aproximação com o socialismo, este não era uma caminho geral feito pelos surrealistas. A revista Surrealismo a Serviço da Revolução tentava unir Freud a Marx, expressar que a verdadeira revolução também precisava acontecer com a libertação de qualquer amarra da sociedade burguesa, mas grandes autores, como Dalí, nutriam simpatia pelo regime fascista de Franco, na Espanha. Até mesmo os marxistas surrealistas não tinham muito futuro em um engajamento ortodoxo, pois a arte de Moscou tinha como objetivo servir aos propósitos da revolução, já a arte surrealista queria a liberdade plena.
“Só o que me exalta ainda é a única palavra, liberdade […] Devemos cuidar de não fazer mau uso dela. Reduzir a imaginação à servidão, fosse mesmo o caso de ganhar o que vulgarmente se chama a felicidade, é rejeitar o que haja, no fundo de si, de suprema justiça. Só a imaginação me dá contas do que pode ser, e é bastante para suspender por um instante a interdição terrível; é bastante também para que eu me entregue a ela, sem receio de me enganar (como se fosse possível enganar-se mais ainda). Onde começa ela a ficar nociva, e onde se detém a confiança do espírito? Para o espírito, a possibilidade de errar não é, antes, a contingência do bem?”, diz Breton em seu manifesto.
Cinema
No cinema, Buñuel é uma boa amostra do surrealismo. Um Cão Andaluz (dirigido com Dalí) tem a característica da não-linearidade, o que retira toda a conexão aparente entre as cenas. A cena do olho sendo cortado é um clássico no uso de técnicas de posicionamento de câmera para simular efeitos surpreendentes.
https://youtu.be/h2937qFIT9w?si=U69-jQIohAtIzzlI
Em O Anjo Exterminador, ele lida com os valores burgueses já citados. Tudo lá é solapado para fora. Ninguém consegue sair da sala (que está aberta!), mas não importa saber o porquê de não conseguir sair da sala, e sim de observar o que acontece quando todos são obrigados a viver juntos em condições que vão se degradando com o passar do tempo.
Literatura
Aqui o que vale é o automatismo dos enunciados. Deve-se deixar as palavras saírem sem muitas regras de formação de frases e caso se perceba que uma sequência de palavras está tomando alguma regra consciente, deve-se escrever logo em seguida uma letra qualquer e se forçar a escrever uma palavra que comece com essa letra. Quanto mais distante as palavras estiverem em significado, melhor. O próprio Breton, Raymond Roussel e Roger Vitrac são nomes importantes do movimento.
“Sobre a ponte o orvalho com cara de gata se embalava”. – André Breton
“Um pouco à esquerda, em meu firmamento imaginado, vislumbro – será apenas uma névoa de sangue e morte – o brilhante fosco das perturbações da liberdade”. – Louis Aragon
“A cor das meias de uma mulher não está obrigatoriamente à imagem de seus olhos, o que fez um filósofo (inútil nomeá-lo) dizer: Os cefalópodes têm mais razão que os quadrúpedes para odiar o progresso”. – Max Morise
Artes Plásticas
Miró, Salvador Dalí e René Magritte são alguns exemplos da arte surrealista. Não há uma convergência estética, mas sim de objetivo. Os quadros que parecem uma viagem de LSD – com figuras disformes e justapostas – produzidos por Dalí não são nada parecidos com as formas e figuras estranhas de Miró, assim como passam longe da estética perfeita, mas mergulhada num mundo ilógico, de Magritte.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
VERY COOL LAIK
Quem é o homem na ultima imagem?
Salvador Dalí!