Atualmente, por meio do uso do YouTube principalmente, é possível assistir diversas pessoas, normalmente com condições econômicas privilegiadas, realizando viagens por todo o mundo. O próprio consumo e exibição da viagem se torna um produto na sociedade de consumo. Esses produtores de conteúdo conhecem as melhores baladas da Europa, os pontos turísticos da China, almoçam em Tokyo e passam alguns dias na Malásia… São desterritorializados.
São pessoas que encontram amigos em cada país que viajam e se hospedam em hotéis de luxo que representam a cultura local, mas sempre evidenciando que a funcionalidade do hotel é feita para sujeitos globalizados, para nômades pós-modernos, onde é possível experimentar um café da manhã tipicamente cambojano num quarto com TV por satélite e ar condicionado.
O turista
O turista, nas elaborações de Zygmunt Bauman, é aquele que não tem localidade fixa e, para ele, os espaços são diminuídos por meio da velocidade e do acesso aos bens de consumo que permitem sua utilização. O turista almoça em Londres e janta em Madrid. Passa uns dias em Paris e uns dias em Maceió. Sua vida é estruturada de forma que todo lugar é lar, isso porque ‘todo lugar’ significa ‘todo lugar globalizado’.
Todo lugar é seu lugar. O turista não está preso em lugar nenhum, pois o espaço já não existe como distância e sua mobilidade fluida e extrema é possibilitada por sua condição cultural e material.
É interessante dizer que a cultura global, impulsionadora da mobilidade e da fluidez, não é só imposta aos turista, mas a todos que dela participam – ou que são expostos.
O vagabundo
Isso significa que há uma parcela exposta aos imperativos da globalização, mas que não consegue efetivamente os botarem em prática. São aqueles que saem de casa e viajam sem destino por lugares nada luxuosos, são aqueles que sentem que a única forma de viver é se movendo, mas que não têm o dinheiro necessário para se mover como os turistas o fazem. Esses são jovens de subúrbio, de classe média baixa, mas com acesso integral aos símbolos da globalização e ao sistema simbólico dos bens de consumo da dita cultura global.
Eles são os vagabundos, o alter ego dos turistas. São aquilo que os turistas podem se tornar. Eles são a incerteza do turista e só existem em oposição e complementaridade aos turistas. Sem um, o outro não poderia ser o que é. Sem a miséria do vagabundo, a vida do turista não seria tão excitante. Sem a pobreza do vagabundo, não haveria a riqueza do turista, que tem como ganha-pão a especulação em empresas que os vagabundos trabalham em regime temporário por diversas vezes.
Os Alvaro Garnero’s da vida são a popularização deste estilo de vida glamouroso. É a popularização deste referencial. É a vida legítima. É aquilo que quem aproveita a vida, faz. Mas não só isso. É aquilo que deve ser feito para se aproveitar a vida. O vagabundo, assim como o turista, é construído com esta injunção pela anulação dos espaços, mas, enquanto o turista tem o mundo como seu lar, e por isso viaja, o vagabundo viaja para fugir de uma realidade inóspita.
Exclusão sistêmica dos marginais
O turista tem um referencial global: o mundo é seu lugar (e realmente pode ser, ele pode viajar para o mundo); o vagabundo tem um referencial local: sua busca é a fuga do local, que, por sua vez, é sufocante.
Entretanto, enquanto o vagabundo vê no turista um ideal de vida, o turista vê no vagabundo uma possibilidade de decadência. E por isso o vagabundo é coagido sempre a permanecer imóvel: a mobilidade do vagabundo é sempre criticada, seja na “popularização das viagens de avião” ou nas dificuldades concretas de conseguir um visto; seja no movimento de deslegitimação de sua mobilidade pela falta de cultura global ou na deslegitimação da cultura já apreendida, que é considerada uma reles imitação.
A descrição da oposição entre turista e vagabundo, que acontece na fração globalizada do mundo, é muito bem pontuada por Bauman. E é muito bem, também, pontuar que nem todos participam destas duas categorias. As margens excluídas, os favelados, os mendigos, a pária humana, todas essas frações sistematicamente rejeitadas da vivência não fazem parte disso. São lixo, são o pedaço esquecido da globalização. E, exatamente por isso, devemos sempre nos lembrar.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
muito bom este texto cara! e sempre que quiser apareça em nosso blog de Sociologia Política. abç
Opa, vlw! Pode ter certeza que vou pegar mais coisas do blog para citar em meus posts! 😀
Parabéns pelo texto.